A história da humanidade é cheia de capítulos nebulosos e relatos mal contados. No meio de pistas vagas e dúbias, os pesquisadoras escavam em uma montanha de boatos a verdade histórica.
Um dos capítulos mais emocionantes e talvez enganosos é justamente a
descoberta das Américas pelos europeus, uma história que envolve um
personagem do qual pouco se sabe, Cristóvão Colombo, em uma descoberta
que, ao que parece, não foi dele.
De qualquer forma, o que sabemos com certeza é que em 1492 Colombo
encontrou as ilhas caribenhas, evento que é marcado como sendo a
descoberta das Américas.
Entretanto, ele só veio a colocar mesmo os pés
no continente americano em 1498, quando viajou à América do Sul.
Bem mais ao norte, na Terra Nova, John Cabot (também conhecido como Giovanne Chabotti) se tornou o primeiro europeu, depois de Leif Ericson
e os vikings (que teriam visitado a América ali pelo ano 1000), a
colocar os pés na América, a mando do rei da Inglaterra, Henrique VII,
em três viagens que aconteceram entre os verões de 1496 e 1498. A
segunda destas expedições, em 1497, acabou sendo a descoberta de Terra
Nova, Newfoundland (o nome inglês da ilha de Terra Nova).
Uma historiadora cheia de segredos
Nossa história da descoberta começa nas décadas de 1960 e 1970, quando uma certa historiadora britânica, Alwyn Ruddock,
começou a fazer alegações extraordinárias sobre as viagens de um certo
John Cabot, do período dos Grandes Descobrimentos, especialidade dela.
Alwyn afirmava que os comerciantes de Bristol haviam viajado para as
Américas antes de 1470, e que John Cabot não havia morrido em 1498 como
se acreditava, mas que havia voltado para a Inglaterra em 1500, e que um
banco italiano havia financiado suas viagens.
O problema era que ela
fazia segredo absoluto (até ciumento) de suas fontes, no máximo
afirmando que se tratavam de fontes italianas e espanholas, sem entrar
em detalhes.
Na década de 1990, ela havia prometido a uma editora inglesa produzir
um livro sobre as navegações de John Cabot, mas acabou não produzindo o
mesmo, vindo a falecer em 2005 aos 89 anos sem nunca ter revelado a
ninguém as fontes de suas descobertas.
Pior ainda, deixou ordem no
testamento para que seu trabalho fosse destruído. Quarenta ou mais anos
de pesquisa, na forma de setenta e oito sacos de cartas, notas,
fotografias e microfilmes foram para a picadora.
O Cabot Project
Em 2009, o historiador Evan Jones da Universidade de Bristol e outros historiadores participaram da criação do “Cabot Project”, para investigar as alegações extraordinárias de Alwyn Ruddock, e tentar colocar alguma luz sobre a questão.
Em 2010, Jones recebe um convite para visitar a casa da historiadora
falecida. Entrando no recinto em que ela guardara seu trabalho de
pesquisa, Jones e sua colaboradora Margaret Condon descobrem que o
arquivo dela ainda guardava as etiquetas das pastas, mesmo que as pastas
tivessem sido esvaziadas e seu conteúdo destruído.
E lá estava a pista para o banco italiano, uma etiqueta que dizia
“The Bardi firm of London”. Com tantos segredos, na hora de fazer o
sistema de arquivos, ela baixou a guarda e acabou deixando pistas
fáceis.
Seguindo esta pista, Jones entra em contato com Francesco
Guidi-Bruscoli, da Universidade de Florença na Itália, que encontra o
livro caixa da casa bancária Bardi, e uma anotação de um empréstimo de 50 nobles esterlinos
para que um certo Giovanni Chabotti fizesse viagens “ao novo país” (“il
nuovo paese”, em italiano).
Não é “a um novo país” (“un nuovo paese”),
como era de se esperar de uma expedição “descobridora”. Esta expressão
parece sugerir que os banqueiros italianos estavam sabendo de mais
coisas, que realmente alguém já havia, antes de 1490, viajado para a
Terra Nova.
Uma carta que foi descoberta nos anos 1950, de um certo John Day,
endereçada provavelmente a Colombo, e escrita nos anos 1497/8, parece
apoiar estas especulações, ao falar que era “quase certo” que os homens
de Bristol (ele estava falando da expedição de John Cabot, de 1497)
“encontraram e descobriram” a nova terra “que ele (Colombo) bem
conhecia”.
Comentando a história toda, Jones lamenta a decisão da historiadora:
“Eu tenho um enorme respeito pela Alwyn Ruddock como estudiosa. Mas não
posso respeitar sua decisão de destruir todo seu trabalho. O que ela fez
é a antítese do trabalho de pesquisa histórica – ela procurou destruir
todos os seus achados. Eu não posso e não vou aceitar isso”.
De qualquer forma, estas descobertas provavelmente ainda não vão para
os livros didáticos de história, por que tudo o que se tem são
indícios, pistas, e nenhuma prova de que realmente John Cabot ou outro
europeu antes dele houvesse visitado a América.
Os historiadores continuam em campo, pesquisando registros e cartas
antigas, tentando redescobrir o que Alwyn parecia ter descoberto.
Os
resultados obtidos até agora foram publicadas no Historical Research, e em maio de 2011 o Cabot Project recebeu um impulso tremendo na forma de doação de um benfeitor canadense.
Quem sabe que descobertas aguardam os “Indiana Jones” da vida real?
Fonte: Hypescience
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