As arqueólogas Jackeline de Macedo (sentada) e Ana Cristina Sampaio
trabalham desde fevereiro na área, onde até o ano passado funcionava uma
lavanderia
Ana Branco / O Globo
Cerca de 500 fragmentos dos séculos XVIII e XIX foram encontrados em área onde subirá um prédio.
Num dos quarteirões do Leblon, onde o metro quadrado é um dos mais
valorizados do Rio, a descoberta de um tesouro arqueológico promete
trazer novas informações sobre a história da ocupação do bairro.
Como
noticiou a coluna Gente Boa, do GLOBO, escavações num terreno na esquina
das ruas General Urquiza com Humberto de Campos revelaram
aproximadamente 500 fragmentos de objetos dos séculos XVIII e XIX. Entre
os achados estão pedaços de louças, ferramentas, ossos de animais e
azulejos, além de parte de uma edificação provavelmente do século XVIII.
As arqueólogas Jackeline de Macedo e Ana Cristina Sampaio trabalham
desde fevereiro na área, onde até o ano passado funcionava uma
lavanderia.
A pesquisa começou a pedido do Instituto do Patrimônio
Histórico Artístico Nacional (Iphan) e da prefeitura, no processo de
licenciamento para a construção de um prédio no local.
Como o Leblon é
Área de Preservação do Ambiente Cultural e a General Urquiza fica
próxima à Rua Dias Ferreira — que, segundo historiadores, seria o
caminho do Quilombo do Leblon — a pesquisa foi solicitada antes do
início das obras no terreno.
— Começamos as escavações em
fevereiro e logo achamos fragmentos de louças finas produzidas fora do
Brasil, no século XIX. Isso estava de acordo com a história de
povoamento do Leblon no século XIX, quando esse terreno foi adquirido
pelo francês Charles Leblon. Logo depois começamos a achar objetos mais
antigos, que indicavam uma ocupação anterior — explica Jackeline,
coordenadora da pesquisa arqueológica.
Um dos exemplos que ilustra a ocupação anterior à de Charles Leblon é uma moeda datada de 1700.
—
A moeda é portuguesa. Encontrar uma dessas no Centro do Rio não seria
surpresa, mas, aqui no Leblon, foi inesperado — conta Ana.
Outro marco de ocupação no século XVIII são os vestígios de um muro no terreno.
—
Pelas características, grandes pedras e uma espécie de argamassa com
areia e conchas, tudo indica que seja uma construção do século XVIII.
Provavelmente é parte de uma estrutura maior. Não tem características
residenciais. Por isso, acreditamos que era usada como área de trabalho —
acrescenta Jackeline.
Alguns objetos indicam que um dos bairros mais valorizados do Rio era uma área de difícil acesso nos séculos XVIII e XIX.
—
Ossos e pedaços de vidro serviam de utensílios e ferramentas. Isso
mostra a dificuldade para que as matérias primas chegassem ao Leblon,
onde só se tinha acesso por mar ou pela Lagoa Rodrigo de Freitas — diz
Ana.
Após o término das pesquisas, previsto para amanhã, a área
deve ser liberada para a nova construção. As peças estão sendo levadas
para o Iphan e parte delas poderá ser exposta em museus.
Segundo a
construtora responsável pelo empreendimento e financiadora da pesquisa
arqueológica, as descobertas não alteraram o cronograma de obras. O
prédio, de seis andares, começa a ser construído no segundo semestre.
Segundo
o historiador Nireu Cavalcanti, nos séculos XVII e XVIII a cidade foi
ocupada do Centro até o Vidigal, passando, dessa forma, pelo Leblon. A
Câmara dos Vereadores distribuía terras e, nesses dois séculos, já havia
chácaras no Leblon:
— O poder público também concedia casas a pescadores, desde que fossem construções temporárias.
A
superintendente do Iphan no Rio, Cristina Lodi, ressalta que a pesquisa
arqueológica em pontos de interesse histórico e cultural da cidade é
fundamental.
— O Rio tem áreas com grande significado histórico e
cultural. Nesses pontos, a pesquisa de solo se torna importante para
desvendar as camadas sobrepostas. Por isso o Iphan pede uma pesquisa
arqueológica antes de qualquer obra — explica Lodi, lembrando que as
intervenções em outras regiões, como a da Zona Portuária, também contam
com pesquisas arqueológicas —. Todo o material encontrado é propriedade
da União e tem que ficar disponível para a continuidade dos estudos. O
desafio do Iphan é fazer com que a pesquisa prossiga após as escavações.
Francês deu nome ao bairro
Um
dos bairros cariocas mais conhecidos do país, por já ter servido como
cenário de diferentes produções da TV, o Leblon foi oficialmente fundado
em julho de 1919, pelo então prefeito do Distrito Federal, Carlos
Sampaio.
Antes disso, o bairro já era chamado pelo nome que carrega até
hoje, herança do francês Charles Leblon, dono de uma chácara cuja área
se estendia da Rua Visconde de Albuquerque até a Rua General Urquiza, e
da praia até a Rua Dias Ferreira.
Após adquirir as terras, por volta de
1845, Leblon criou uma empresa que fazia a exploração da pesca de
baleia.
Na época, o óleo extraído do mamífero era utilizado como
combustível no sistema de iluminação pública e na construção civil.
Antes da chegada de Charles Leblon, a região abrigava chácaras e casas
populares, sobretudo de pescadores.
Em 1857, Charles Leblon vendeu
suas terras para Francisco José Fialho, que, por sua vez, distribuiu os
terrenos entre alguns compradores. No início do século XX, o Leblon viu
surgir a Companhia Industrial da Gávea, dos engenheiros Adolfo Del
Vecchio, José Ludolf e Miguel Braga.
O loteamento e a urbanização do
bairro ganharam, então, grande dinamismo. É dessa época, por exemplo, a
construção da Praça Dr. Frontin, hoje Antero de Quental, além das
avenidas Ataulfo de Paiva e San Martin.
Com a chegada do bonde, em 1914,
o bairro ganhou não apenas em mobilidade como em acesso, passando a ter
uma conexão bem maior com toda a cidade. Em 1919, sob o comando do
engenheiro Paulo de Frontin, houve a urbanização da Praia do Leblon
paralelamente à abertura da Avenida Delfim Moreira.
Com a
urbanização vieram as favelas, como a da Praia do Pinto, que sofreu
grande incêndio, em 1968.
Parte da população que vivia ali foi
transferida para a Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional erguido
em 1955, com recursos do governo federal, após ser idealizado por Dom
Hélder Câmara.
Com o IPTU mais alto da cidade, o bairro, além da praia,
possui uma bela área verde: o Parque do Penhasco dois irmãos.
Fonte: O Globo Online
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