Três anos após a morte de Eva Perón tinha início um capítulo macabro
envolvendo o destino do corpo embalsamado do maior mito político da
Argentina.
Na noite de 22 de novembro de 1955, os restos mortais de
Evita desapareceram, meses após o levante militar que derrubou o governo
de seu marido, o general Juan Domingo Perón.
O corpo foi levado
no meio da noite da sede em Buenos Aires da CGT, o maior sindicato
peronista da Argentina, onde estava desde que o processo de
embalsamamento havia sido concluído.
Para os partidários de
Perón, a remoção do corpo de Eva era uma tentativa de apagar o peronismo
e seu símbolo mais forte na Argentina. Quando viva, Evita acumulou uma
enorme popularidade, sobretudo por causa de seu trabalho junto às
classes trabalhadoras.
Investigações indicaram, depois, que o
corpo foi mantido em um veículo estacionado nas ruas de Buenos Aires e
chegou a ser guardado dentro do sistema de abastecimento de água da
cidade. Por um tempo, o cadáver ficou escondido atrás de uma tela de
cinema.
Acredita-se, também, que corpo passou um tempo dentro dos
escritórios da Agência Secreta Militar. Mas, para onde quer que o corpo
fosse levado, flores e velas apareciam e, por isso, era necessária uma
solução de longo prazo.
Em 1957, com a ajuda secreta do Vaticano,
os restos de Eva Perón foram levados para a Itália e sepultados em um
cemitério de Milão, com um nome falso.
Símbolo de resistência
Assim
que correu a notícia do desaparecimento do corpo, começaram a aparecer
pichadas nos muros de Buenos Aires a frase: "Onde está o corpo de Eva
Perón?". O corpo, então uma lembrança incômoda do regime peronista,
transformou-se em um símbolo de resistência ao novo regime militar que
comandava o país.
Em 1970, os Montoneros, grupo guerrilheiro
peronista, sequestraram e mataram o ex-presidente Pedro Eugenio
Aramburu. Uma das razões foi o fato de o general Aramburu ter coordenado
o roubo do corpo.
Em 1971, em um país marcado pela crise
econômica, houve uma tentativa de "normalização" da política. O Partido
Justicialista (Peronista) foi legalizado, o corpo de Evita foi
desenterrado e transferido da Itália à Espanha, onde Perón vivia no
exílio com a terceira mulher, Isabelita.
Uma das testemunhas da
transferência do corpo foi o empresário argentino Carlos Spadone, amigo
de confiança de Perón. Ele foi um dos primeiros a ver o corpo de Evita.
"O
general Perón, o jardineiro e eu tiramos o corpo de dentro do caixão.
Colocamos em uma mesa com tampo de mármore. Nossas mãos ficaram sujas de
terra, o corpo tinha que ser limpo", contou, em entrevista à BBC.
"Isabelita
fez isso cuidadosamente, com algodão e água. Ela penteou o cabelo,
limpou (...) e então usou com secador. Levou vários dias."
Um dos
dedos da mão estava faltando. Acredita-se que os militares o tenham
removido depois do golpe de 1955 para verificar se era mesmo de Evita.
Spadone
também relata, ainda, outros danos no corpo: havia um afundamento no
nariz, sinais de golpes no rosto e no peito, marcas nas costas e uma
marca maior no joelho. "Mas não acredito que ela foi pendurada ou chicoteada como alguns falam", disse.
O retorno
Em 1973, Perón e Isabelita voltaram para a Argentina. Perón foi eleito presidente e Isabelita, vice.
Um
ano depois, Perón morreu e deixou na Presidência sua então esposa, que
supervisionou a volta do corpo de Evita de Madri para Buenos Aires.
Domingo
Tellechea, especialista em restauração, foi encarregado de tornar o
corpo apresentável para o público. O trabalho começou na cripta da
residência presidencial Los Olivos, como Tellechea contou à BBC.
"Os
pés estavam ruins, pois o corpo foi escondido na posição vertical. Ela
tinha uma ferida. Mas eu não saberia dizer se foi feita com uma arma ou
não", conta.
Tellechea acredita que os restos foram forçados para
caber dentro de um caixão pequeno demais para o corpo. Apesar das
marcas externas, ele disse que o embalsamento original resistiu bem ao
tempo e que o corpo estava bem conservado.
Durante a restauração
do corpo, Isabelita começou a planejar um monumento grandioso para
abrigar os restos de Evita e Perón. Mas o plano nunca foi executado.
Quando
a restauração estava completa, o cadáver foi novamente mostrado ao
público, ao lado do caixão de Perón. Fotos da época mostram a fila do
lado de fora de Los Olivos, mas nada foi igual às duas milhões de
pessoas que acompanharam o funeral, em 1952.
Recoleta
Em
1976, outro levante militar sacudia a Argentina. O governo de Isabelita
Perón foi deposto e o país mergulhou em uma nova era de violência, com a
morte e o desaparecimento de milhares de opositores.
Isabelita
partiu para o exílio em Madri, onde vive até hoje. Já o corpo de Evita
foi levado, em outubro de 1976, de Los Olivos para o mausoléu de sua
família no cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, em uma operação
supervisionada pelos militares.
O corpo foi colocado em uma
cripta a cinco metros de profundidade, semelhante a um abrigo nuclear,
para que ninguém voltasse a perturbar os restos da mais célebre
personalidade argentina.
Fonte: BBC
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