Juan Bautista se surpreenderia se alguém lhe dissesse que milhões de pessoas pensam que sua etnia não existe
A teoria do desaparecimento dos maias é tema de
livros, documentários e inúmeros debates. Mas há um pequeno problema:
não é correta.
Os maias são a segunda principal etnia indígena
do México, depois dos nahuas. Em Yucatán, Estado no sul do país,
constituem 80% da população, e há comunidades em Belize, Guatemala,
Honduras e El Salvador.
São indígenas como Juan Bautista, que trabalha há 51 de seus 63 anos
em um pedaço de terra que pertence a sua família há várias gerações e
onde criou quatro filhos e três filhas – todos nascidos com parteira – e
lhes repassou seus conhecimentos sobre os ritmos da semeadura e da
colheita.
Juan Bautista, que compreende o espanhol, mas
prefere falar no idioma maia, se surpreenderia se alguém lhe dissesse
que milhões de pessoas pensam que ele e sua etnia não existem.
O mito do desaparecimento dos maias é tão grande
que quando o novo Museu Maia de Mérida – capital de Yucatán – fez uma
pesquisa sobre esse grupo indígena, a pergunta que surgia vez por outra
era "Por que desapareceram?".
O redescobrimento
O interesse pela civilização maia ganhou novo
vigor nos últimos anos devido a algumas interpretações apocalípticas de
dois de seus monumentos, nos quais se fala do fim de uma era no próximo
dia 21 de dezembro.
E com o renovado interesse, ganhou força novamente a lenda de seu desaparecimento. Uma parte fundamental desta lenda é que, quando
os exploradores e conquistadores europeus chegaram à zona maia,
encontraram muitos dos assentamentos e antigas cidades abandonados e em
ruínas.
Isso criou a falsa visão de que o povo maia havia desaparecido sem deixar rastros. No entanto, a ideia também parece emanar do
momento em que a cultura maia foi "redescoberta" no século 19 por
viajantes europeus como os ingleses Frederick Catherwood e John Loyd
Stephens.
"Eles veem as maravilhas das cidades maias e se
perguntam 'onde estão esses antigos habitantes?'. E pensam que
desapareceram", diz Daniel Juárez Cossio, funcionário da Sala Maia do
Museu Nacional de Antropologia do México.
"Na minha opinião, é uma falta de interesse em reconhecer as comunidades indígenas que são as herdeiras de toda essa tradição."
'Degenerados'
Mas não foram só os visitantes estrangeiros que não reconheceram a existência dos indígenas. O arquiteto e museólogo José Enrique Ortiz Lanz –
que projetou o museu de Mérida – lembra que o destacado intelectual
mexicano do século 19 Justo Sierra O'Reilly dizia que não era possível
que uns "degenerados" – como se referia aos maias de sua época –
tivessem construído monumentos tão esplêndidos.
Talvez por trás do desprezo de Sierra O'Reilly
também houvesse temor. Na época – 1847 – começava o que agora se conhece
como a "guerra das castas", um levante de indígenas maias contra
brancos e mestiços na península de Yucatán.
Neste mesmo ano, Sierra O'Reilly viajou aos EUA
para pedir ajuda para controlar o levante armado, ajuda que não
conseguiu. O conflito se prolongaria até 1901.
Um pouco de verdade
Mas o desaparecimento dos maias, como quase toda a lenda, tem um pouco de verdade. Segundo Cristina Muñoz, socióloga que faz um
trabalho de base com comunidades maias em Yucatán, "sem dúvida houve uma
decadência de algumas zonas".
No entanto, o que lhe parece assombroso é que
tenham conseguido controlar um território tão vasto – do sul do México
ao território atual de El Salvador – quando não tinham o conceito de
monarquia única.
"No momento da invasão (espanhola), havia 16 senhorios", diz Muñoz. A desintegração política é chave, mas Daniel Juárez Cossio acredita que os motivos da decadência são múltiplos.
"Não há um só fator. Para explicar em termos atuais, a referência
poderia ser a queda do Muro de Berlim. Isso significou, para o nosso
mundo ocidental, o colapso de certas ideologias, mas aí estão os
alemães, os russos, os americanos…Os sistemas políticos caem por
questões econômicas, ambientais, etc."
E o tema ambiental parece ter sido chave nesse colapso da civilização maia. "Fenômenos naturais como o El Niño não são exclusivos do nosso tempo, são conhecidos desde a antiguidade", diz.
"Por exemplo, vemos os estragos que o furacão
Sandy provocou em Nova York, apesar de toda a tecnologia existente e
formas de antecipar e mitigar os riscos. Imaginem um furacão dessas
dimensões no mundo pré-hispânico."
Os Bálcãs maias
O especialista do Museu Nacional de Antropologia
faz ainda outra comparação com o mundo atual: "Os maias eram um povo
bélico. Vemos, por exemplo, a quantidade de emigração provocada pelos
conflitos nos Bálcãs. Foi isso que ocorreu no mundo pré-hispânico, não
são fenômenos novos nem diferentes".
Essa "balcanização" dos maias foi o que os espanhóis encontraram quando chegaram à região. "(Na época) Há uma batalha entre (as cidades de)
Chichen Itzá e Mayapan pelo poder econômico, pelas rotas comerciais… O
que ocorre é uma queda desses sistemas políticos, e estavam buscando
novas formas de organização social", diz.
"O que os espanhóis encontraram foram povos indígenas divididos, brigando pela hegemonia." Entretanto, alheio à história e às dúvidas de
milhões, Juan Bautista segue ensinando a seus filhos os segredos da
terra no idioma maia.
Os maias
Calcula-se que atualmente haja cerca de 6 milhões de descententes maias. Eles habitam boa parte do que se conhece como Mesoamérica – o sul do México, Guatemala, Belize, Honduras e El Salvador.
Apenas no México, falam 30 idiomas diferentes. Entre os descendentes maias conhecidos internacionalmente está a prêmio Nobel da Paz guatemalteca Rigoberta Menchú.
Fonte: BBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário