O animal está cada vez mais escasso no cerrado brasileiro; o bioma
também tem sido reduzido pelo avanço dos cultivos de soja e pela criação
de gado / Evaristo SA/AFP
Em poucas horas, Xangô, como foi batizada a onça, foi devolvida ao seu hábitat.
É madrugada na fazenda Preto Velho, a
apenas 80 km de Brasília, quando uma onça-pintada selvagem e
desprevenida avança em direção à armadilha, se lança sobre a isca e cai
abatida por um dardo anestesiante.
Esta não é uma cena comum de caça, mas um projeto científico que
pretende colocar uma coleira com localizador de GPS para tentar salvar o
maior felino das Américas, em perigo de extinção.
Há 12 anos, a fazenda, propriedade de Cristina Gianni, fundadora da
ONG Nex (No Extinction), serve como um santuário de proteção do rei da
selva americana, um animal noturno e solitário, grande nadador e que
pode percorrer 50 km em um só dia.
O animal, porém, está cada vez mais escasso no cerrado brasileiro,
bioma que por sua vez também tem sido reduzido pelo avanço dos cultivos
de soja e pela criação de gado.
A ONG colocou uma coleira com localizador de GPS para monitorar o animal. Crédito: Evaristo SA/AFP
A surpresa da ONG foi descobrir que nas
imediações e tão perto de Brasília havia uma onça livre e, para ajudar a
protegê-la em uma área com muitas fazendas, decidiram colocar no animal
um colar com GPS para saber sua localização, avisando desta forma os
fazendeiros da região e, ao mesmo tempo, conhecer seu comportamento
livre no cerrado.
Em poucas horas, Xangô, como foi batizada a onça, foi devolvido,
livre, ao seu hábitat. O rugido grave do animal de 95 quilos e de
pelagem negra penetra no ambiente e sua ameaçadora atitude, olhar
aguçado e presas imponentes evidenciam sua ferocidade. A anestesia deixa
de fazer efeito e o animal é devolvido ao seu hábitat natural.
"Ter encontrado esta onça-pintada selvagem em excelente um estado de
saúde, a tão somente 80 km de Brasília, foi uma fantástica surpresa",
disse à AFP Leandro Silveira, especialista e presidente do Instituto
Onça-Pintada, localizado a cerca de 800 km da fazenda Preto Velho, e que
cedeu a coleira de monitoramento remoto que ajudará a preservá-lo.
No Brasil, onde se estima que viva a metade das onças-pintadas
americanas, ainda existe a profissão de "onceiro": o caçador da
onça-pintada.
A captura de Xangô foi supervisionada por técnicos do Instituto de
Meio Ambiente (Ibama) e realizada no mais absoluto sigilo. A AFP,
presente na ação, manteve um embargo de 30 dias para evitar que Xangô se
tornasse a presa de algum caçador ou fazendeiro ávido por preservar seu
gado.
Nestes 30 dias, Xangô, que já mostrou preferência por viver em um
bosque próximo, está contribuindo com dados valiosos, graças ao GPS que
mostra sua localização em tempo real, o que permite advertir aos
produtores de gado das imediações.
"Monitorar este animal pode ser muito importante para a ecologia da
espécie, já que cada vez é mais escasso em nosso cerrado, e quando se
trata de uma onça-pintada preta, é ainda mais raro", explica à AFP Luiz
Alfredo Lopes, analista ambiental do Ibama.
Treinado para regressar à selva
Enquanto cuida de Xangô, a ONG Nex está a ponto de tornar realidade
seu mais ambicioso projeto: a reinserção à natureza de Fera, uma
onça-pintada capturada no norte do país há quase dois anos quando ainda
era um filhote.
A ONG ainda pretende devolver Fera ao ambiente, onça que vive em cativeiro desde filhote. Crédito: Evaristo SA/AFP
É um enorme desafio. "Na imensa maioria
dos casos, a reintrodução de grandes felinos à natureza não funcionou,
nem sequer na África, mas vamos provar", explica Gianni, entusiasmada.
"Quando chegou até a gente era um filhote, Fera nos mostrou uma
ferocidade como se nunca houvesse saído da selva, não queria contato com
os humanos, só saía de noite. Descobri que seu instinto havia se
mantido intacto e prometi que faria o possível para devolvê-la à
natureza", conta.
A onça-pintada pertence ao gênero das panteras, como o leão, o tigre e
o leopardo, caracterizados por seu rugido, e que precisam de grandes
espaços de natureza preservada.
"A mãe passa dois anos ensinando a sua cria a aprender a caçar e a
não morrer. Quando isso se perde, o animal não sobrevive na natureza",
acrescenta Gianni.
Fera foi criada em um ambiente especial, onde foi treinada para caçar
e mantém sua aversão ao ser humano. A autorização do governo para sua
libertação acaba de chegar e, para isso, será necessária uma área remota
e preservada na Amazônia.
O santuário abriga hoje 22 grandes felinos, 13 deles onças-pintadas,
muitas com histórias como a de Xico, capturado quando filhote e criado
por uma família, que dormia na cama e brincava de bonecas com a menina
da casa, "até que começou a crescer, seu instinto animal despertou e
tiveram que se desfazer dele", explica Rogério Silva de Jesus, gerente e
cuidador da fazenda.
Outros dois animais estão sendo adaptados para a reinserção na selva.
A ONG Onça-Pintada também tenta devolver três onças-pintadas de volta à
natureza.
Também conhecido como 'yaguareté', ou verdadeira fera em guarani, e
'nahuel' em mapuche, a onça-pintada habita 18 países na América Latina,
do noroeste da Argentina ao planalto central do México.
Fonte: Band
Nenhum comentário:
Postar um comentário