Quando a Prefeitura de São Paulo decidiu iniciar um projeto de
paisagismo na praça Monteiro Lobato, ao lado da marginal Pinheiros, o
arqueólogo Astolfo Araújo, 47, percebeu que era a oportunidade de
concretizar um antigo projeto: escavar o local.
Na área, uma das poucas que ainda preservam o solo original da cidade, fica a Casa do Bandeirante, uma construção do século 18.
O trabalho de escavação, que começou em dezembro de 2012, já descobriu
cerca de 2.000 fragmentos de cerâmica de uso cotidiano e pode ajudar a
compreender os hábitos dos antigos moradores e como se deu a ocupação
dessa área, um pedaço da antiga margem do rio Pinheiros.
Editoria de Arte/Folhapress
CERÂMICA DE OUTRORA Pesquisadores trabalham em praça ao redor da Casa do Bandeirante
O terreno, doado à prefeitura em 1944, tem inegável valor arqueológico,
segundo Paula Nishida, do Departamento do Patrimônio Histórico. "Não há
possibilidade de fazer uma obra dessas sem um trabalho arqueológico
prévio. A prefeitura fez então essa parceria com a USP."
A Folha acompanhou as escavações nos fundos da casa, uma área
provavelmente de passagem de pessoas e animais, segundo Araújo, que é
professor do MAE (Museu de Arqueologia e Etnografia da USP).
Nas áreas já escavadas é possível ver brotando do chão fundos de
panelas, alças de xícaras, pedaços de pratos com pequenas decorações e
fragmentos de outros utensílios que, após serem limpos e catalogados,
serão reconstituídos e expostos no MAE.
"Perguntamo-nos por que os fragmentos estão justamente aqui, se foram enterrados ou simplesmente jogados porta à fora."
Uma possibilidade é que houvesse uma casa mais antiga em outro local, e
que a atual construção seja um prolongamento posterior dela ou uma
substituta.
"Nosso trabalho questiona desde como o lixo era despejado até questões
arquitetônicas, como se havia uma casa original diferente dessa."
No passado, havia uma série de estruturas em volta da casa sede, como o
curral e a casa dos escravos, diz Araújo. "O trabalho arqueológico
mostra o que existia ao redor da casa que ou desapareceu ou está sob o
solo."
Também foram recolhidas para estudos amostras de terra queimada que passarão por processos de datação.
Uma área de terra preta atípica será submetida a análises químicas para
se saber se ela é natural do terreno, resultado da decomposição de
matéria orgânica, ou se foi trazida posteriormente.
O trabalho, que continua até o fim de 2014, deve render, além da
exposição, a publicação de artigos científicos. O local também será
usado para aulas e visitação de escolas já neste mês.
Para Araújo, a arqueologia permite fazer uma leitura crítica do passado.
"Os que viviam aqui há alguns séculos tinham desvantagens tecnológicas
em relação a nós. Mas moravam às margens do rio Pinheiro, que era limpo e
meandrante [com curvas]. Hoje, em nome do progresso, fizeram esse canal
retilíneo, um esgoto a céu aberto. Será que essas pessoas viviam pior
do que a gente?"
Fonte: Folha de São Paulo
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