Foto: Divulgação
Faz bastante tempo que os discos voadores “estão por aí”. Para sermos
exatos, desde 1947. Foi neste ano que o piloto norte-americano Kenneth
Arnold relatou relatou ter visto algo que não pôde compreender.
Ele
teria observado aeronaves semelhantes a “um prato de torta cortado no
meio com um tipo de triângulo convexo na traseira”. Tais objetos “voavam
de maneira ondulante, como um disco se você o joga sobre a água”.
Embora Arnold não tenha utilizado o termo disco para falar da forma dos objetos, sua descrição foi levemente modificada pela imprensa e, dessa confusão, surgiu a expressão “disco voador”.
O termo pegou e passou a ser usado desde então para designar os objetos e fenômenos aéreos que não são imediatamente reconhecidos pelas pessoas.
Curiosamente, depois desse episódio, várias pessoas disseram ter tido visões parecidas nos Estados Unidos e, após a chegada da notícia ao Brasil, 28 casos foram informados também no país, em apenas dois meses. Se a vida alienígena já era prato cheio para a imprensa – séria ou sensacionalista –, para a literatura, e para o cinema, os tais discos voadores acabaram se tornando uma verdadeira febre na década de 1950.
Esta é
uma história muito bem contada no trabalho de mestrado defendido pelo
historiador Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos no Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp: A invenção dos discos voadores: Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958).
Em
palestra no Instituto de Psicologia (IP) da USP, o professor do Centro
Universitário Araraquara (Uniara) falou um pouco sobre a pesquisa, onde
investigou, em particular, as percepções da população sobre o tema e a
influência da imprensa, da ciência e da Guerra Fria em tais concepções.
Naquela
época, diz Rodolpho, as ideias a respeito de discos voadores ainda
“eram capazes de provocar pânico, choro, risos e grandes discussões que
consumiram muito papel”. Mais do que isso, “simbolizavam anseios e
preocupações de toda uma geração”, descreve.
As fontes escolhidas
para estudo foram, principalmente, as da imprensa. A escolha, de acordo
com o pesquisador, foi baseada no fato de mídia escrita ter sido uma
grande arena de debate público a respeito.
“Através desse material,
examinamos o comportamento da própria imprensa, da comunidade científica
nacional e, quando possível, de outros atores da sociedade brasileira”,
explica, acrescentando que assim foi possível reconstituir parcialmente
as lutas e tensões entre os diferentes grupos sociais neste processo
histórico.
O debate
A própria imprensa organizou a
discussão, estruturada a partir de uma pergunta principal: os discos
voadores existem de fato? De acordo com o historiador, dois grupos se
destacaram: quem acreditava que os casos eram “fruto de algum fenômeno
psicológico individual ou coletivo” ou mero “resultado de confusões com
objetos e fenômenos conhecidos”; e aqueles que defendiam que os discos
voadores eram aeronaves reais, mas provavelmente armas secretas secretas
soviéticas ou norte-americanas.
Embora o mundo vivesse o início da
Guerra Fria, “a maioria dos cientistas consultados pelas agências de
notícias internacionais defendeu a primeira hipótese”, relata Rodolpho.
Inicialmente, a possibilidade de seres extraterrestres quase não era
cogitada.
Ao longo da década, continuaram ocorrendo ondas de relatos de discos
voadores no Brasil e em outros países. Aos poucos, começaram a aparecer
também os defensores de que os discos não seriam armas das
superpotências, mas visitantes extraterrestres.
O desenvolvimento
tecnológico das décadas anteriores já permitia aos humanos sonhar com
viagens espaciais num futuro próximo. Isso atiçava a imaginação das
pessoas, e foi muito bem aproveitado nos inúmeros produtos da indústria
cultural.
No Brasil, o tema entra ainda mais na pauta popular a partir o caso da Barra da Tijuca, em 1952. Jornalistas da revista O Cruzeiro
dão testemunho de que viram discos voadores, ilustrando o depoimento
com fotos.
Somente vários anos depois, análises mostrariam que as
imagens eram uma fraude. Na década de 1950, a mesma revista divulgou 58
matérias sobre o tema, contribuindo para deixar o assunto em discussão
em todo o país.
Os cientistas, porém, tiveram tímida participação
nos debates da imprensa nacional. “Poucos membros da comunidade
científica brasileira expressaram sua opinião. Os que falaram, em sua
maioria, não permitiram que sua identidade fosse revelada”, detalha
Rodolpho.
O físico César Lattes, por exemplo, depois de muita
insistência, declarou a um repórter da Folha da Manhã em 1952: “nada tenho a dizer. Nada poderia dizer, mesmo que quisesse. Os cientistas somente acreditam naquilo que vêem”.
Os jornais pesquisados também evitaram opinar. O Globo
foi o único dos diários consultados que assumiu uma posição, associando
os discos voadores à tendência humana de acreditar em mistérios e
superstições: “os homens são inclinados a crer nas coisas vagas,
misteriosas e imprecisas (…) Os homens sempre viveram à custa desses
pequenos romances. Mais um, menos um, não alteram os ritmos da vida”,
afirmou o editorial de 11 de julho 1947.
Ainda assim, pelo menos
nesta época, a hipótese extraterrestre sai vencedora da disputa, gozando
de credibilidade no imaginário popular brasileiro e internacional.
Segundo o pesquisador, em termos gerais, isso pode ser explicado pelo
interesse econômico da indústria cultural em um assunto que mobilizava
públicos; pelo baixo nível de conhecimento científico da população; pelo
apelo daquilo que não podia ser explicado pela ciência; e pelo forte
interesse que a ideia de visitantes alienígenas causava.
Para o
estudioso, o progresso tecnológico pós Segunda Revolução Industrial
abriu um precedente em termos de imaginário.
“Afinal, se os humanos
podiam agora sonhar com as viagens espaciais, não era difícil pensar que
seres de outros planetas já possuíam tal tecnologia. Nenhum outro
período histórico esteve tão ligado culturalmente ao que existe além da
Terra quanto o século XX”, conclui.
Fonte: USP
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