Só em Barra e Jacarepaguá, cerca de seis mil deles se amontoam na água suja, empurrados pelo crescimento desordenado do Rio. Machos de até 3 metros disputam comida e território.
As lagoas de Recreio, Barra e Jacarepaguá se transformaram num imenso
campo de confinamento a céu aberto para um animal que de tão presente no
passado há muito deveria ter se tornado um dos símbolos da cidade.
Expulsos de cursos d'água, brejos e pântanos tragados pela expansão urbana descontrolada da Zona Oeste dos últimos anos, os jacarés foram empurrados para as lagoas poluídas.
Se no passado causavam comoção ao serem encontrados dentro da piscina de alguém, agora se contam aos milhares a alguns metros de shoppings e condomínios.
Especialistas estimam que a população das lagoas oscile de cinco mil a seis mil jacarés de papo-amarelo, quase todos machos, alguns com cerca de 3 metros de comprimento — o maior já capturado tinha 2,70 metros.
Expulsos de cursos d'água, brejos e pântanos tragados pela expansão urbana descontrolada da Zona Oeste dos últimos anos, os jacarés foram empurrados para as lagoas poluídas.
Se no passado causavam comoção ao serem encontrados dentro da piscina de alguém, agora se contam aos milhares a alguns metros de shoppings e condomínios.
Especialistas estimam que a população das lagoas oscile de cinco mil a seis mil jacarés de papo-amarelo, quase todos machos, alguns com cerca de 3 metros de comprimento — o maior já capturado tinha 2,70 metros.
Embrenhados na vegetação, no lixo e na água escura esses grandes
répteis conseguem passar incógnitos por muita gente. Embora não causem
mais surpresa a quem passe com frequência pelas margens das lagoas e
canais.
À primeira vista, parece que os tempos do “Sertão carioca”, o lendário livro de Magalhães Corrêa sobre o pantanal do Rio nos anos 30, poderiam estar de volta.
Não faltam anúncios de autoridades de que as lagoas estariam mais limpas. O retorno dos jacarés seria o sinal mais evidente disso.
À primeira vista, parece que os tempos do “Sertão carioca”, o lendário livro de Magalhães Corrêa sobre o pantanal do Rio nos anos 30, poderiam estar de volta.
Não faltam anúncios de autoridades de que as lagoas estariam mais limpas. O retorno dos jacarés seria o sinal mais evidente disso.
— Só que não é nada disso. Eles não tiveram
escolha. As lagoas da Tijuca, de Jacarepaguá, do Camorim e,
principalmente, de Marapendi se tornaram como zoos imundos onde os
jacarés se amontoam nas águas infectas, tomadas pelo esgoto lançado in
natura na região — lamenta o ambientalista Mario Moscatelli, o mais
conhecido defensor das lagoas e da Baía de Guanabara.
Numa
madrugada de setembro varrida pelo vento Sudoeste da chegada de uma
frente fria, a equipe da Revista Amanhã acompanhada por Moscatelli
flagrou mais de 50 jacarés na Lagoa de Marapendi, a menos suja das
quatro. A luz da lanterna de Moscatelli revelou dezenas de pares de
olhos.
Aproximado o barco, surgiam as cabeça dos jacarés, que, entre curiosos e assustados, logo mergulhavam. No esgoto.
Eles se aglomeram nas proximidades da embocadura do Canal das Taxas, no fim da Lagoa de Marapendi. O lugar é tão imundo quanto sugere o mau cheiro que impregna o ar. Bolhas de gases sobem à superfície a cada vez que um jacaré mergulha.
Aproximado o barco, surgiam as cabeça dos jacarés, que, entre curiosos e assustados, logo mergulhavam. No esgoto.
Eles se aglomeram nas proximidades da embocadura do Canal das Taxas, no fim da Lagoa de Marapendi. O lugar é tão imundo quanto sugere o mau cheiro que impregna o ar. Bolhas de gases sobem à superfície a cada vez que um jacaré mergulha.
— Eles estão aqui por total falta de opção. Mas o jacaré
é um animal pré-histórico, existe há milhões de anos. É como um tanque
de guerra da natureza que, por enquanto, consegue sobreviver. Só não
sabemos até quando — diz Moscatelli, ele próprio surpreso com a grande
população de jacarés.
Nem o frio espanta
Mesmo
numa madrugada desfavorável a répteis — como se sabe, são animais de
chamado “sangue frio”, que precisam se aquecer para manter a temperatura
corporal — é impossível não ver jacarés à medida que o barco avança
pelas águas de Marapendi.
Eles simplesmente não têm para onde ir.
Se causa surpresa encontrá-los aos milhares hoje, é bom lembrar que o
Rio, na verdade, sempre foi a casa dos jacarés.
O nome de origem indígena Jacarepaguá significa lagoa rasa dos jacarés. E eles chegaram antes dos índios, antes da maioria dos animais. São mais antigos que muitos dos cursos d’água. Já foram milhões.
O nome de origem indígena Jacarepaguá significa lagoa rasa dos jacarés. E eles chegaram antes dos índios, antes da maioria dos animais. São mais antigos que muitos dos cursos d’água. Já foram milhões.
Provavelmente, ninguém
conhece melhor os jacarés do Rio do que o biólogo Ricardo Freitas
Filho, há dez anos à frente do Instituto Jacaré de Conservação e Manejo
da Fauna Silvestre, líder do projeto Jacarés Urbanos, ambos ligados à
Universidade Castelo Branco.
Doutor em jacarés, ele não esconde sua paixão — é só conferir o beijo num animal de quase dois metros que ilustra a capa desta revista — pelos hábitos de um animal que resiste como pode à destruição do habitat, à poluição e ainda hoje à caça furtiva.
Doutor em jacarés, ele não esconde sua paixão — é só conferir o beijo num animal de quase dois metros que ilustra a capa desta revista — pelos hábitos de um animal que resiste como pode à destruição do habitat, à poluição e ainda hoje à caça furtiva.
Ricardo e sua equipe já marcaram com brincos especiais
420 animais no complexo lagunar de Jacarepaguá, que inclui toda a Barra e
o Recreio.
E são os autores do primeiro e único censo do papo-amarelo no Rio. Estimam que a população chegue a seis mil nas lagoas de Barra, Recreio e Jacarepaguá.
E são os autores do primeiro e único censo do papo-amarelo no Rio. Estimam que a população chegue a seis mil nas lagoas de Barra, Recreio e Jacarepaguá.
— É muito difícil dizer quantos jacarés de
papo-amarelo vivem em todo o Grande Rio. Há milhares. Mas eles são
relativamente fáceis de encontrar em bairros como Realengo, Sulacap,
Marechal Hermes e Vila Militar.
No Grande Rio existem em Niterói e em toda a Baixada Fluminense — diz Ricardo, que faz um levantamento de todo o estado.
No Grande Rio existem em Niterói e em toda a Baixada Fluminense — diz Ricardo, que faz um levantamento de todo o estado.
Onde há rios, há jacarés
Mas é
nas lagoas do complexo de Jacarepaguá que ganham maior visibilidade,
devido à concentração de animais expulsos de seu habitat tomado por
condomínios, shoppings e ruas, e à degeneração das lagoas, onde em
alguns pontos a profundidade não chega a 20 centímetros.
O biólogo explica que onde há corpos d’água cercados por vegetação há jacarés. Na Lagoa Rodrigo de Freitas, eles não aparecem porque não existe ligação com rios.
O biólogo explica que onde há corpos d’água cercados por vegetação há jacarés. Na Lagoa Rodrigo de Freitas, eles não aparecem porque não existe ligação com rios.
— De tão onipresente, o jacaré deveria ser o símbolo do Rio — afirma o pesquisador.
Reza
a lenda urbana que os jacarés do Recreio têm poodles no cardápio. Os
répteis estariam por trás do desaparecimento de alguns, com coleira e
tudo.
Pura invenção, assegura Ricardo Freitas Filho. Cães e, menos ainda, gente não são ameaçados pelos jacarés nem estão entre suas presas. Os jacarés do Rio comem aves, eventuais peixes e muitos ratos, que infestam o lixo da orla das lagoas.
Pura invenção, assegura Ricardo Freitas Filho. Cães e, menos ainda, gente não são ameaçados pelos jacarés nem estão entre suas presas. Os jacarés do Rio comem aves, eventuais peixes e muitos ratos, que infestam o lixo da orla das lagoas.
— Eles têm muito mais medo
de nós do que nós deles. Os cães também os assustam. Fogem quando
alguém se aproxima. É claro, não se deve provocá-los, são selvagens —
diz o biólogo, que integra o comitê sobre crocodilianos (classificação
que inclui jacarés e seus primos crocodilos) da prestigiada União
Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês),
responsável pelas listas mundiais de espécies em extinção.
Macho é maioria
Ricardo
e sua equipe estão acostumados a capturar os papos-amarelos para
pesquisas de conservação. Num bom dia de trabalho de campo, chegam a
pegar até 20 animais.
O melhor lugar é o Canal das Taxas, onde os jacarés são mais comuns devido à abundância de comida. Muita gente alimenta os répteis, o que, segundo o biólogo, é uma boa intenção com péssimos resultados, já que contribui para superpovoar de jacarés o canal, totalmente contaminado pelo esgoto.
A movimentação da equipe atrai curiosos, vira espetáculo. Mas Ricardo e sua assistente Camila Scalzer se mantém alheios aos curiosos enquanto capturam sem dificuldade com um laço um animal de quase dois metros, o pesam, medem, identificam e soltam de novo.
O melhor lugar é o Canal das Taxas, onde os jacarés são mais comuns devido à abundância de comida. Muita gente alimenta os répteis, o que, segundo o biólogo, é uma boa intenção com péssimos resultados, já que contribui para superpovoar de jacarés o canal, totalmente contaminado pelo esgoto.
A movimentação da equipe atrai curiosos, vira espetáculo. Mas Ricardo e sua assistente Camila Scalzer se mantém alheios aos curiosos enquanto capturam sem dificuldade com um laço um animal de quase dois metros, o pesam, medem, identificam e soltam de novo.
— Eles são muito fortes e precisamos ter cuidado para não escorregar e cair na água suja — observa Camila.
Os
sinais de desequilíbrio ambiental são evidentes. A maioria dos animais é
macho — 85% dos jacarés de papo-amarelo do Rio —, com óbvias
consequências para a sobrevivência da espécie na Zona Oeste.
Os pesquisadores não sabem o motivo. Uma possibilidade é que, como a água contaminada por esgoto é mais quente, tenha alterado o padrão populacional.
O sexo dos jacarés é determinado pela temperatura em que os ovos são chocados. Quanto mais elevada, mais machos.
Outra possibilidade é o manejo errado. Jacarés capturados em outros lugares são soltos no complexo lagunar de Jacarepaguá, e a maioria dos desgarrados é macho.
Os pesquisadores não sabem o motivo. Uma possibilidade é que, como a água contaminada por esgoto é mais quente, tenha alterado o padrão populacional.
O sexo dos jacarés é determinado pela temperatura em que os ovos são chocados. Quanto mais elevada, mais machos.
Outra possibilidade é o manejo errado. Jacarés capturados em outros lugares são soltos no complexo lagunar de Jacarepaguá, e a maioria dos desgarrados é macho.
— O fato é que os jacarés estão com os dias contados, se nada for feito logo para salvá-los — afirma Ricardo.
Fonte: O Globo Online
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