Imagem obtida pelo Curiosity em 2013 pode conter registros fósseis marcianos. Será? (Crédito: Nasa)
Por Salvador Nogueira
Analisando imagens de arquivo obtidas pelo jipe robótico Curiosity, da
Nasa, uma pesquisadora nos Estados Unidos diz ter encontrado possíveis
sinais de fósseis marcianos.
É isso mesmo que você leu. Nora Noffke, geobióloga da Old Dominion
University, em Norfolk (EUA), apresentou a arrojada hipótese num artigo
publicado on-line pelo periódico “Astrobiology”.
Segundo ela, algumas
das rochas fotografadas pelo rover parecem ter marcas similares
às deixadas por colônias de bactérias na Terra, conhecidas
genericamente pela sigla inglesa Miss (estruturas sedimentares induzidas
por micróbios). São como “tapetes” macroscópicos criados pelas
minúsculas criaturas ao ocupar uma determinada rocha.
Noffke é especialista nesse tipo de fóssil. Foi ela a principal autora do trabalho que identificou os mais antigos traços inquestionáveis de vida em nosso planeta,
encontrados na Austrália. Eles têm 3,48 bilhões de anos de idade. Já as
rochas marcianas que ela analisou agora foram avistadas pelo Curiosity
em dezembro de 2012, quando ele chegou à formação geológica batizada de
Baía Yellowknife, no interior da cratera Gale.
Análises feitas pelo jipe
mostram que ali houve um lago marciano que durou pelo menos até 3,7
bilhões de anos atrás, quando se formaram os sedimentos da rocha
conhecida como Lago Gillespie, inspecionada visualmente pela cientista.
Ou seja, estamos falando de estruturas que parecem ter sido formadas por
bactérias num local em que essas criaturas de fato podem ter
proliferado. Convenhamos, não parece nada absurdo.
Veja o que diz Noffke: “Na Terra, se essas Miss ocorressem com esse
tipo de associação espacial e sucessão temporal, elas seriam
interpretadas como o registro de crescimento de um ecossistema dominado
por micróbios que viveu em corpos d’água que mais tarde secaram
completamente.”
Comparação da foto do Curiosity com formações similares e modernas na Terra. (Crédito: Nora Noffke)
VERIFICAÇÃO
Apesar da premissa convincente e das exaustivas comparações entre formações similares em Marte e na Terra, Noffke alerta: por ora, trata-se apenas de uma hipótese, que ainda precisa ser posta à prova e com isso ser confirmada ou refutada.
(Essa, aliás, é a principal razão para que você não acredite
cegamente em histórias de gente que vê pirâmides, animais e até seres
humanos em fotos marcianas. É muito fácil “enxergar” padrões em cenários
naturais — nosso cérebro é programado para identificar tudo que passa
pelos olhos com formas familiares.
Por isso também vemos coisas em
nuvens. Mas, para confirmar qualquer percepção subjetiva, é preciso
realizar novas observações, com métodos diferentes. Um exemplo bom é a
famosa “Face de Marte”, em Cydonia.
Uma imagem obtida pela sonda Viking
em 1976 parecia revelar um rosto esculpido no planeta vermelho. Mas só
parecia. Posteriormente, outra imagem da Viking e uma obtida pela
orbitadora Mars Global Surveyor em 2001 sob outro ângulo de iluminação
do Sol fizeram a “face” sumir. Era só uma montanha comum mesmo.
Quer
outro exemplo? Aposto que você enxergou dois olhos de um crânio na
primeira imagem que ilustra essa matéria… Como dizia Carl Sagan,
“afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”. Não
acredite nas aparências e nas explicações fáceis. Sempre verifique os
fatos e submeta-os a testes alternativos. Esse não é um bom conselho só
para a ciência. É excelente para a vida cotidiana também.)
A primeira imagem da Viking (1976) e a versão da Mars Global Surveyor (2001). Que face? (Crédito: Nasa)
Infelizmente, o Curiosity já está muito longe da Baía Yellownkife e
não terá como fazer análises adicionais para confirmar as observações
superficiais feitas por Noffke. E a pesquisadora é a primeira a admitir
que os traços poderiam ter sido produzidos por processos abióticos (ou
seja, que não envolvem organismos vivos).
Mas ela em particular não
parece convencida de que seja o caso, dadas as semelhanças com formações
estudadas na Terra. “Essa similaridade de associações marcianas e
terrestres e sua mudança ao longo do tempo seriam outra extraordinária
coincidência, se seus processos de formação forem diferentes.”
E agora, vamos ficar sem saber? Nem tudo está perdido. O Curiosity
está explorando as imediações do monte Sharp, muito rico em rochas
sedimentares, em tese também propícias à preservação de registros
fósseis.
Tendo isso em vista, Noffke termina seu artigo apresentando o
“passo a passo” para que os pesquisadores da Nasa possam procurar novos
traços de Miss e desta vez se detenham mais diante deles, realizando
análises químicas que possam confirmar sua origem biológica. De acordo
com a pesquisadora, os minerais presentes podem dar pistas importantes.
“Em Marte, poderia haver, em estruturas candidatas, uma combinação muito
diferente de minerais que é claramente divergente da mineralogia das
rochas circundantes e poderia indicar biogenicidade.”
Mesmos traços no solo em Marte e na Terra. O nosso é biológico. E o de lá? (Crédito: Nora Noffke)
Diversos instrumentos do Curiosity poderiam procurar esses sinais.
Mas talvez uma conclusão definitiva só possa ser obtida quando rochas
como essas forem trazidas de Marte para a Terra. Uma missão robótica de
retorno de amostras é basicamente o clamor de todos os astrobiólogos,
mas ainda não está no cronograma de nenhuma agência espacial.
Apesar disso, a descoberta de sinais de vida, ainda que extinta, em
Marte parece cada vez mais próxima. No fim do ano passado, o Curiosity
detectou pela primeira vez plumas de metano — um gás que pode ou não
estar associado a atividade biológica — emanando do solo do planeta
vermelho. Sua posterior investigação é um possível caminho para a busca
pelos marcianos. Noffke, agora, abre uma segunda rota. Quanto mais
trilhas a seguir, maior a chance de sucesso.
Talvez você não se anime muito com o que seriam apenas criaturas
unicelulares. Quem se importa com bactérias? Bem, note que a descoberta
de vida extraterrestre, de qualquer tipo, já trará consigo uma
revolução.
Ela confirmará a desconfiança dos cientistas de que a
biologia emerge sempre que as condições são favoráveis. Se aconteceu até
em Marte, um planeta apenas marginalmente habitável, que não diremos de
outros mundos fora do Sistema Solar que sejam similares à Terra?
Fonte: Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário