O túmulo do jornalista Victor Noir tem algo a mais que o torna um dos
mais visitados no famoso Cemitério Père Lachaise, em Paris. E não é por
um mero detalhe. Na sepultura, uma estátua retrata o cadáver, que exibe
um volume extra na calça comprida, denunciando o órgão genital em
ereção.
O fato até poderia passar despercebido entre tantos monumentos
de bronze oxidado se não fosse por uma questão: na parte da virilha, o
bronze está polido e chega a brilhar em dias ensolarados. É resultado da
crença que prevê mais fertilidade para quem passa a mão naquele ponto
do metal. Mesmo assassinado há 145 anos durante uma discussão com um
primo de Napoleão III, Victor tem a popularidade em alta entre os
turistas. Virou mito.
— O mito é capaz de fazer com que algo que parece inexpressivo para a
gente ganhe um poder muito especial. E este é o caso que explicaria o
culto a Victor Noir — avalia o mitólogo José Carlos Leal, autor do livro
"O universo do mito".
A crença popular é de que um simples toque da mulher na estátua trará
fertilidade e muito vigor na relação sexual. Há quem acredite que
beijar a boca e segurar na ponta dos pés da estátua também possam trazer
dividendos, como a conquista de um novo amor. Os locais são justamente
os mais brilhantes na imagem escurecida pelo tempo. Muitos turistas,
porém, levam a história na brincadeira e posam para fotos em frente ao
túmulo.
Apesar do enorme número de celebridades enterradas no Père Lachaise, a
sepultura do jornalista chama a atenção por estar quase sempre com
flores, velas e visitantes. E conste que na vizinhança estão túmulos
como os dos escritores Honoré de Balzac e Oscar Wilde, das cantoras
Édith Piaf e Maria Callas, do compositor Fréderic Chopin e do cantor Jim
Morrinson.
A administração do cemitério chegou a colocar grades ao
redor da sepultura em 2004 no intuito de impedir danos provocados por
visitantes mais entusiasmados. Mas, após críticas e campanha de um
programa de TV, retirou a proteção.
Com apenas 21 anos, Victor Noir - cujo nome verdadeiro era Yvan
Salmon - foi assassinado em 10 de janeiro de 1870 por Pierre Bonaparte,
primo do imperador Napoleão III. Ele havia procurado Pierre, acompanhado
de outro jornalista, para acertar os termos do duelo que ocorreria no
dia seguinte entre o próprio Pierre e o editor do jornal, que andara
criticando o imperador.
Durante o desentendimento, Pierre sacou a arma e
atirou em Victor às 14h05, como indicam os registros. O crime comoveu
Paris. Uma manifestação reuniu mais de 100 mil pessoas.
Em homenagem a Victor, o artista Jules Dalou retratou em uma estátua
exatamente como o corpo ficou estirado no chão. O realismo surpreende,
com pequenos detalhes e - digamos assim - grandes, também: a boca
entreaberta, o vestuário impecável da época, as luvas, a cartola caída
aos pés e até a anatomia da virilha, denunciando a ereção.
— Na hora da morte, ele (Victor) teve um priapismo. Priapismo é uma
doença, um ataque, que não deixa que o órgão genital volte a sua posição
tradicional — observa o mitólogo.
A comoção popular foi ainda maior por uma razão: o jornalista estava
de casamento marcado para o dia seguinte ao encontro com Pierre.
— Aquela ereção é a que ele (Victor) ficou devendo à noiva. Ele ficou mitologizado — comenta José Carlos Leal.
O assassino foi preso no mesmo dia e julgado alguns meses depois.
Respaldado pela influência da família poderosa, Pierre — também
sobrinho-neto de Napoleão I — alegou legítima defesa e escapou da
prisão, embora condenado a pagar uma indenização.
O fato aumentou ainda
mais a insatisfação popular contra o governo. Defensores da república
elevaram Victor à categoria de herói. Em 4 de setembro de 1870, nove
meses após o crime, Napoleão III seria derrubado.
Fonte: O Globo
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