A sonda Cassini, um projeto conjunto da Agência Espacial Europeia
(ESA na sigla inglesa) e da Agência Espacial americana (Nasa), fez
descobertas incríveis em Saturno, mas nenhuma supera as revelações
extraordinárias sobre Enceladus.
O que esse satélite movido a plutônio já viu nessa lua congelada de 500 km de diâmetro é surpreendente. A Cassini detectou grandes jatos de vapor d'água e outros materiais jorrando de rachaduras no polo sul da lua de Saturno.
É um espetáculo único no Sistema Solar, afirma Carolyn Porco, que coordena o sistema de câmeras da espaçonave.
"Brincamos entre a nossa equipe que encontramos o 'parque
interplanetário de gêiseres de Enceladus', e que gerações futuras
poderão ir para lá em férias", afirmou.
Mas pesquisadores não
estão brincando ao afirmar que esse pequeno mundo está entre os melhores
locais para se buscar vida fora da Terra.
O "encanamento" dos jatos de vapor leva a um amplo reservatório de água que pode atingir até 40 km de profundidade.
Os instrumentos da Cassini puderam mostrar, sobrevoando e analisando as
emissões de materiais, que as condições e a química desse oceano
subterrâneo podem dar suporte à vida microbial.
Há fortes
indícios de que a água esteja interagindo com rochas no leito do oceano,
para produzir o tipo de coquetel de nutrientes que poderia alimentar
pequenos organismos.
"Eu me interesso há décadas pela busca por
vida no Sistema Solar e ainda estou espantado com o que estamos vendo em
Enceladus. É um pequeno mundo tão distante da Terra, expelindo uma
riqueza de material orgânico, água e indícios de habitabilidade. É
surpreendente, e as amostras estão bem ali, livres para coleta", disse
Chris McKay, astrobiólogo da Nasa.
Mas mesmo com toda sua
capacidade, a Cassini, com sua tecnologia dos anos 1980 e 1990, não pode
comprovar em definitivo a presença de micróbios sob a superfície gelada
de Enceladus. A sonda foi lançada em outubro de 1997 e chegou a Saturno
em julho de 2004.
Para isso, seria preciso um outro tipo de satélite, com sensores especiais.
A Cassini irá fazer uma última manobra de aproximação da lua na próxima
semana para coletar uma leva final de imagens detalhadas da superfície.
Depois irá se deslocar pelo sistema de Saturno em preparação para observações finais do planeta dos anéis.
Então estamos quase dando adeus a Enceladus, e -- claro -- isso já
motiva conversas sobre como podermos voltar um dia com equipamentos mais
potentes.
Jonathan Lunine é um cientista interdisciplinar na
missão Cassini na Universidade Cornell, nos EUA. Ele desenvolveu um
conceito para uma espaçonave que chamou de ELF (Enceladus Life Finder,
ou localizador de vida de Enceladus, em tradução livre).
Seria
uma sonda menor do que o satélite gigante que hoje orbita Saturno, mas a
perda em tamanho (e custo) seria compensada pela sofisticação.
Seus instrumentos seriam voltados à análise do conteúdo dos jatos de
vapor para verificar qualquer componente químico associado a processos
biológicos.
"Com espectrômetros de massa potentes, poderíamos detectar e identificar aminoácidos (matéria-prima das proteínas)", afirma.
"Teríamos capacidade de detectar ácidos graxos presentes em membranas
de células de bactérias; e seus 'primos', os chamados isoprenóides, que
estão na membrana das arqueobactérias, esses micróbios que habitam
ambientes extremos da Terra.
"Também poderíamos contar o número
de carbono dos jatos para verificar se seguem o padrão de vida. E
finalmente mediríamos os isótopos (espécies do mesmo elemento químico,
de mesmo número atômico e diferentes números de massa) de todo o
carbono, nitrogênio e oxigênio, para ver se a química é parecida com a
que ocorre na Terra, onde organismos preferem os isótopos mais leves ao
processar esse material em seus sistemas."
Desafios futuros
O ELF foi submetido a uma competição recente da Nasa para selecionar
missões planetárias futuras, mas não foi escolhido. Um dos problemas em
empreitadas desse tipo é a disponibilidade de energia em um ponto tão
longe do Sol (1,4 bilhão de km).
A sonda Cassini utiliza uma
"bateria nuclear", movida a plutônio-238, para todas as suas demandas de
energia. Essa fonte é cara e hoje praticamente não existe mais -- o
isótopo não existe naturalmente e parou de ser fabricado após o fim da
corrida nuclear no mundo.
Painéis solares são uma opção, porém o
desafio é grande: a intensidade da luz do Sol em Enceladus é um
centésimo da que atinge a Terra.
Apesar disso, a possibilidade
de voltar a essa lua branca e brilhante de Saturno é tão instigante que
um caminho certamente será descoberto. Não só porque Enceladus é um dos
melhores lugares para a busca de vida extraterrestre -- é também o mais
fácil.
Diferentemente de Marte ou de Europa (lua de Júpiter), em
Enceladus não há necessidade de pouso e perfuração do solo para coleta e
análise de amostras. As amostras são permanentemente lançadas no espaço
pelos jatos do polo sul.
Peter Tsou, do laboratório de
propulsão de foguetes do Instituto de Tecnologia da Califórnia, tem um
projeto para trazer essas amostras de volta à Terra para avaliação mais
detalhada em laboratórios de ponta.
Sua missão se baseia no modelo da sonda Stardust da Nasa, que em 2006 coletou amostras de poeira de estrelas e cometas.
Naquela ocasião, Tsou usou um arranjo de espuma de dióxido de silício,
chamado aerogel, para coletar as amostras enquanto a sonda Stardust
voava por nuvens de gás e poeira dos objetos.
"Na Stardust, eu
lancei aerogel em cubos de 2x4x3 cm. Tinha 132 deles. E descobri que um
ou dois cubos já davam conta do recado", recorda.
"Então não
precisamos de muitos (cubos de aerogel). Contudo, o desafio é a dimensão
reduzida das amostras, e que estamos tratando de vida. Qualquer
contaminação da Terra pode arruiná-las, porque poderíamos descobrir
(após a análise) 'É a minha saliva!'", afirma.
Tsou calcula que
uma missão de coleta de amostras de Enceladus poderia levar 14 anos, do
lançamento à presença de material lunar em um laboratório na Terra.
Origem da vida
"Se descobrirmos vida em um lugar como Enceladus obviamente será algo simples, como vida microbiana", afirma Carolyn Porco.
"Claro que seria fascinante se descobríssemos lagostas; quem sabe?
Talvez", afirma a pesquisadora. "Mas estamos mirando em algo simples,
apenas provas de vida microbiana."
"Seria uma mudança de
paradigma. Qual o tipo de vida que existe ali? É como a vida na Terra ou
não? É baseada no DNA ou não? Seria uma descoberta enorme,
provavelmente a maior descoberta científica que possamos fazer. Temos
que voltar."
Para Jonathan Lunine, se Enceladus revelar sinais de vida, isso trará a certeza de que "a vida teve uma segunda origem".
"Mas isso também nos permitirá, acredito, mover nossa atenção para a
galáxia, e perceber que se a vida pode começar duas, três ou quatro
vezes em nosso próprio Sistema Solar, quantos planetas habitáveis na
galáxia devem ter vida hoje?"
Fonte: UOL
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