Corrida de cães da raça saluki nos Emirados Árabes: influência humana para perpetuar certos traços foi danosa - KARIM SAHIB/AFP/19-12-2015
Transformações prejudiciais do DNA influenciaram formações das raças, diz estudo.
Para se tornar nosso melhor amigo, o cachorro passou por maus
bocados. De acordo com pesquisadores americanos, a domesticação de lobos
na pré-História, que deu origem aos cães, aparentemente levou a um
acréscimo de mudanças prejudiciais no genoma destes últimos.
Num estudo
publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”, a
equipe de cientistas explica de que maneira o homem interferiu na
seleção natural dos cães, favorecendo a formação de diferentes raças e
isolando umas das outras.
Sem esse contato, cada população se reproduziu
perpetuando mutações que aumentam a vulnerabilidade a determinados
problemas, como cegueira, doenças cardíacas e coronarianas. Essas
alterações também levaram a uma capacidade reprodutiva menos eficaz da
espécie hoje.
Os Canis lupus familiaris (nome científico do cachorro) são uma subespécie do Canis lupus
(nome científico do lobo). Autor principal do estudo, o cientista Kirk
Lohmueller, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, nos EUA,
rastreou a trajetória genética de cães e lobos para entender como essa
seleção artificial, induzida pelo homem, teria levado à mudança de
características dos caninos.
— A domesticação do lobo, que aconteceu há cerca de 15 mil anos na
Eurásia, provocou um gargalo populacional entre os cães, uma redução do
tamanho da população — explica Lohmuller, professor do Departamento de
Ecologia e Biologia Evolucionária da universidade americana. — Se a
população é diminuída, então aumentam as chances de que mutações
prejudiciais se manifestem.
CRIAÇÃO DAS RAÇAS
Nos últimos séculos, os cães
passaram ainda por outro gargalo populacional — a formação das raças.
Geneticista da Universidade de Washington, Joshua Akey ressalta como
estas transformações ocorreram ao sabor das vontades do homem.
— A maneira como foram criadas certas raças levou não apenas a
características consideradas desejáveis pelos humanos, como também a
mais mutações genéticas prejudiciais. Estas transformações poderiam ter
sido evitadas em outras circunstâncias — avalia Akey, que comentou o
estudo em entrevista à revista “The Scientist”.
O homem influenciou na evolução dos cães ao procurar traços
particulares, como docilidade e cor da pelagem. As mutações em
determinadas raças por conta disso foram comparadas através de análises
genéticas.
A equipe de Lohmuller averiguou as variações genéticas presentes em
19 lobos cinzentos, 25 cães vira-latas de dez países e 46 cães de
diferentes raças. No laboratório, eles procuraram alelos — segmentos do
DNA — que fossem prejudiciais. Seria um sinal de que a evolução daquela
espécie resultou no favorecimento inadvertido de determinados
aminoácidos, o que pode provocar algum tipo de falha no organismo.
Muitas dessas mudanças do DNA, destaca Lohmuller, reduzem a própria capacidade de reprodução da espécie.
Em média, os cães tinham 115 alelos danosos a mais do que os lobos.
Isto dá uma ideia de que eles sofreram com a seleção artificial
promovida pelo homem. Os lobos, por sua vez, puderam evoluir com menos
intervenções.
Nos poodles, por exemplo, as variações genéticas ligadas à cor da
pelagem estão associadas a outras que elevam o risco de carcinoma. Se a
raça não tivesse passado por tantas intervenções humanas, a incidência
de carcinoma não teria sido amplificada, dizem os cientistas.
De acordo com Lohumuller, o acúmulo de mutações prejudiciais nos cães
deve ser monitorado. No estudo, ele afirma que “a forte seleção para
(obter) características específicas de uma raça (...) pode favorecer o
que é uma moda, em vez de levar a algo necessariamente funcional ou
saudável”.
— É difícil prever o futuro da espécie. Mas alguns efeitos que
encontramos podem piorar ao longo do tempo — alerta o geneticista.
VARIEDADE APRIMORA ESPÉCIE
Pesquisador de
Genética e Doenças Infecciosas da Fiocruz, Milton Moraes assinala como a
domesticação dos cães e a formação das raças pode influenciar em cada
população:
— Quando a população é reduzida, os cães que apresentam as mesmas
características são cruzados entre si, e, com isso, aumenta a
concentração de determinados alelos — ressalta o cientista. — Isso não é
necessariamente ruim. A população pode ficar mais resistente a uma
determinada doença. No entanto, pode também ocorrer aumento de alelos
prejudiciais, que favoreceriam debilidades, como a cegueira. Estas
mutações poderiam ser eliminadas se não houvesse uma pressão artificial,
exercida pelo homem.
Moraes defende uma maior miscigenação das populações de cães.
— Quanto mais variações genéticas, maior é a possibilidade de
conservação de uma espécie — afirma. — Se a composição do DNA for
semelhante em toda a população, ela pode ser dizimada por uma mesma
doença.
Muitos outros seres vivos tiveram seus genomas modificados pela
domesticação promovida pelo homem. É o caso de culturas agrícolas, como
milho e arroz, “aprimoradas” para satisfazer nossas necessidades.
EVOLUÇÃO HUMANA
Lohumuller acredita que seu estudo pode ser adaptado para explicar a evolução do próprio Homo sapiens.
Assim como os cães, nós passamos por gargalos ao longo dos milênios,
como, por exemplo, o isolamento de cada população que deixou a África em
direção a diferentes locais do planeta na pré-História.
— Ainda não há consenso sobre como este movimento resultou em
mutações genéticas — comenta ele. — O aumento das transformações no DNA
pode ter sido igual àquele observado nos cães, quando estes tiveram sua
população diminuída.
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