sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Cientistas descobrem capítulo perdido na pré-história da Europa



Um dos esqueletos de europeus antigos, encontrado na França, que tiveram seu DNA mitocondrial analisado na pesquisa - Divulgação/L. Lang

 
Estudo genético indica que população do continente passou por grande mudança de perfil no fim da Idade do Gelo.
 
 
A História da expansão dos humanos modernos (Homo sapiens) pela Terra depois de deixarem seu berço na África há pelo menos 60 mil anos é cheia de mistérios e lacunas. 
 
 
Quando, por onde e como ocupamos lugares tão distantes como o extremo Leste da Ásia, Austrália e as Américas permanecem alvos de teorias por vezes contraditórias e intensos debates. Nos últimos anos, porém, estudos genéticos se mostraram uma ferramenta poderosa para revelar, ou ao menos limitar, as possíveis cronologia e rotas dessas antigas migrações.
 
 E, agora, uma dessas pesquisas sugere que todas as populações não africanas de hoje têm sua origem em uma rápida dispersão de um grupo de humanos modernos a partir do Leste da África para a Eurásia e Oriente Médio, e dali para o resto do mundo, por volta de 50 mil anos atrás.


Mas, segundo os cientistas, a descoberta mais surpreendente foi a indicação de uma grande mudança no perfil populacional da Europa há cerca de 14,5 mil anos, nos estágios finais da última Idade do Gelo e época de severas e relativamente abruptas mudanças climáticas.


— Desencavamos um capítulo antes totalmente desconhecido da História humana: uma grande transição populacional na Europa no fim da última Idade do Gelo — afirma Johannes Krause, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, na Alemanha, líder da pesquisa e principal autor do estudo, publicado ontem no periódico científico “Current Biology”.



DNA só de mães para filhos



Para chegar a estas conclusões, os pesquisadores analisaram o DNA encontrado nas mitocôndrias das células de ossos e dentes de 55 indivíduos que viveram em diversas regiões da Europa entre 35 mil e 7 mil anos atrás.


Verdadeiras “usinas de energia” de nossas células, as mitocôndrias carregam uma pequena parcela de nosso material genético que é passado exclusivamente pelas mães à sua prole, e por isso são importantes instrumentos para estudar a ancestralidade comum dos muitos povos do planeta.


— Havia uma falta de dados genéticos desse período do tempo, então, consequentemente, sabíamos muito pouco sobre a estrutura e a dinâmica populacionais dos primeiros humanos modernos na Europa — justifica Krause.


Hoje, fora da África, o DNA mitocondrial da Humanidade está dividido em duas “famílias” básicas, chamadas haplótipos, batizadas “M” e “N”.


Mas enquanto o haplótipo M é muito comum nas populações atuais da Ásia, Oceania e de nativos americanos, ele está estranhamente ausente nos povos europeus modernos. Isso levou os cientistas a teorizarem que todas populações não africanas de hoje são resultado de múltiplas ocasiões de sua dispersão pela Terra.


O novo estudo, no entanto, mostrou que três indivíduos que viveram no que são atualmente a Bélgica e a França antes do período mais frio da mais recente Idade do Gelo, conhecido como Último Máximo Glacial (LGM, na sigla em inglês), iniciado há cerca de 25 mil anos, pertencem ao haplótipo M.


Com a descoberta dessa linhagem maternal na Europa no passado antigo, os cientistas responsáveis pela pesquisa acreditam que todos os povos não africanos na verdade se dispersaram rapidamente a partir de uma única população há cerca de 50 mil anos, e que só depois esta “família” mitocondrial desapareceu da Europa.


— Quando o Último Máximo Glacial começou, por volta de 25 mil anos atrás, as populações de caçadores-coletores recuaram para o Sul para numerosos refúgios, e o consequente estrangulamento genético provavelmente resultou na perda deste haplogrupo — explica Cosimo Posth, pesquisador da Universidade de Tübingen e coautor do estudo.




Época de ‘revolução’ no clima



Mas, para os cientistas, a grande surpresa foi mesmo os sinais revelados pela pesquisa de uma grande alteração no perfil populacional dos europeus há cerca de 14,5 mil anos, quando o clima começou a se aquecer.


Conhecido como Interstício Bølling-Allerød, esse período mais quente e úmido do clima terrestre durou até aproximadamente 12,7 mil anos atrás, quando então teve início outro intervalo cronológico do planeta, chamado Dryas Recente, em que as temperaturas no Hemisfério Norte desabaram para os níveis glaciais em apenas uma década, até elas voltarem a subir e marcarem a transição da época geológica do Pleistoceno para a atual, o Holoceno, há 11,7 mil anos.


— Nossos modelos sugerem que durante este período de revolução climática, os descendentes dos caçadores-coletores que sobreviveram ao Último Máximo Glacial na Europa foram em grande parte substituídos por uma população de outra fonte — diz Adam Powell, também coautor do estudo e pesquisador do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana.


Os cientistas, porém, admitem que apenas o estudo do DNA mitocondrial é insuficiente para descartar algum grau de continuidade genômica entre as populações de caçadores-coletores europeus do fim do Pleistoceno e início do Holoceno, e assim para os povos modernos da Europa. Diante disso, eles preferem interpretar seus resultados como sinais maternais de uma grande alteração no perfil populacional do continente, e não uma substituição total.


Os dados também não são suficientes para identificar qual seria a origem desta outra população que “tomou” a Europa, em mais uma amostra dos mistérios que cercam a História da expansão humana pela Terra.


Desta forma, para tentar esclarecer mais a questão, os pesquisadores agora pretendem analisar o genoma completo dos indivíduos que serviram de base para o estudo, assim como acrescentar mais exemplares representantes de outras épocas e lugares.





Fonte: O Globo

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