Raimundo Nonato é o funcionário mais antigo da casa de ópera
Antônio Carlos Jr. produziu uma websérie sobre o Largo São Sebastião
O cenotécnico Raimundo Nonato é a principal fonte
desses causos de fantasmas que habitariam a casa de ópera amazonenses há
pelo menos 50 anos.
Já dizia o ator amazonense Aldemar Bonates, nos idos de
1960: toda ópera que se preza tem o seu fantasma. O Teatro Amazonas não
poderia fugir a essa tradição sobrenatural. Ainda hoje são muitos os
causos envolvendo espíritos e aparições nas dependências do prédio
histórico, e uma referência no assunto sem dúvida é o cenotécnico
Raimundo Nonato, funcionário mais antigo da casa de ópera.
Aos 81 anos – 43 somente de Teatro Amazonas – ele conta que chegou ao
local como pedreiro da Odebrecht durante a grande reforma de 1974.
Depois disso, assinou um contrato de três meses para trabalhar no teatro
e está até hoje por lá. “O pessoal fala muito em fantasma, mas eles
nunca me perturbaram. Eu nunca vi nada muito assustador, sinceramente,
mas é uma coisa em que eu acredito”, afirma.
Ainda assim, ele prefere tomar algumas precauções para não levar
sustos ao dobrar um corredor. Uma delas é, ao sinal de alguma presença
suspeita, nunca olhar para trás por cima do ombro, e sim virar o corpo
todo.
“Teve uma época em que eu passava no terceiro andar e sentia um
calafrio. Até que chamaram aqui um senhor que trouxe um aparelho, e
quando ele foi ao terceiro andar o negócio tremia na mão dele, gelada
que nem pedra de gelo. Ele me disse: ‘Meu filho, a corrente é muito
forte, mas é boa’. Agora eu passo a qualquer hora e não estou nem aí”,
recorda Nonato.
Em outro caso, o cenotécnico conta que o teatro teve três dias de
casa lotada, com todas as cadeiras vendidas. Curiosamente, em nenhum dos
dias o ocupante da cadeira 13 apareceu para assistir à apresentação. “A
gente até levava espectadores para sentar lá, mas eles nunca ficavam.
Quem sabe já não estava vindo alguém?”, questiona.
Nonato também enumera as vezes em que acontecimentos cheios de
mistério foram motivo para funcionários pedirem demissão. Foi o caso de
um vigia que não se recuperou depois de ter visto algumas assombrações
flanando pelo lugar.
“Nos anos 90 tinha uma companhia de conservação que prestava serviço
aqui, e aos sábados os funcionários saíam cedo e podiam trazer seus
filhos. Uma dessas crianças entrou num banheiro do terceiro andar
(sempre ele!) e depois só ouvimos o grito. Quando chegamos lá ela estava
ardendo em febre”.
Raimundo também atribui à imaginação das pessoas parcela desse medo.
Quem anda em algumas partes do teatro, por exemplo, ouve as tábuas
rangendo e tem a impressão de que está sendo seguido. “Se botar coisa na
cabeça, a gente vai embora na imaginação”, diverte-se ele.
Núcleo de arrepiar
Quem se debruçou sobre essas
histórias de fantasma contadas por Raimundo Nonato foi o jornalista
Antônio Carlos Junior, autor do livro “Dos fantasmas ao tacacá: uma
visão sobre o Largo”, publicado pela Prefeitura de Manaus em 2011. O
trabalho nasceu depois que o amazonense foi selecionado para participar
do programa Rumos Itaú Cultura, que na época contava com uma categoria
para estudantes de jornalismo.
“Escrevi uma matéria chamada ‘Os fantasmas de cada um’, que foi o
embrião desse livro. A ideia da obra é mostrar esse mosaico em torno do
Largo São Sebastião, passando pelo Teatro Amazonas, Bar do Armando e
outros. É como se a praça tivesse uma personalidade. O lado místico está
representado pelas histórias sobrenaturais que envolvem o teatro”,
explica.
Outro guardião desses causos era Joaquim Caldas, a quem Antônio
Carlos chegou por indicação de Nonato. Caldas trabalhara durante mais de
20 anos no Teatro Amazonas e, na época, pertencia aos quadros do Teatro
Américo Alvarez. “Ele chegou para mim e disse que era amigo dos
fantasmas, que conversava com eles e tudo. Foi um baque ouvir isso”,
lembra o jornalista.
Uma das primeira histórias que ele ouviu do “seo” Caldas foi sobre
uma loira misteriosa, que certa vez surgiu na frente do iluminador. Ela
estendeu a mão, e quando ele foi cumprimentá-la, ela desapareceu tão
misteriosamente quanto aparecera.
Em outra ocasião, ainda no Teatro Amazonas, o funcionário avistou em
uma das frisas um homem de bata preta, ao estilo do século 19, que
também cumprimentou Caldas com um aceno de cabeça. “E o Caldas era tão
amigo dos fantasmas que quando ele foi trabalhar no Américo Alvarez
alguns foram junto”.
Vocação para ser fantasma
Foi o escritor Márcio Souza quem registrou, em um artigo publicado
nos anos 90, a frase de Aldemar Bonates, ex-administrador do TA, de que
toda ópera que se preza tem fantasmas. Márcio admite ser cético diante
do assunto, mas não nega sua crença na fantasia.
O primeiro contato dele com esses fenômenos foi em 1965. A atriz
Glauce Rocha estava em Manaus com a peça “Um uísque para o Rei Saul” e,
enquanto ensaiava no palco, um dos contra-regas do espetáculo soltou um
grito que alarmou toda a equipe.
Segundo o relato, ele vira um
cavalheiro em trajes de época atravessar a parede depois de lhe dirigir
um cumprimento. A mesma figura teria aparecido para a pianista Gerusa
Mustafa durante um solitário ensaio no local. Ao fim de uma das músicas,
ela ouviu aplausos vindos da plateia. Quando se virou, conseguiu
avistar um espectro, que as histórias diziam pertencer a um ator
italiano vítima da malária durante sua passagem por Manaus.
Márcio Souza também lembra que quando o TA entrou em reforma, nos
anos 70, o Tesc resolveu encenar um espetáculo à meia-noite, para o qual
foram convidados os fantasmas da casa de ópera. Assim, o teatrinho da
rua Henrique Martins poderia se tornar a morada provisória daqueles
espíritos enquanto durassem as obras.
“Digo que aceitaram o convite,
porque o incrédulo ator Moacir Bezerra, depois de declarar que não
acreditava em fantasmas, teve uma prova cabal de que eles estavam todos
lá, e com o senso de humor teatral afinadíssimo”, escreveu Souza, que
espera se juntar ao elenco de espíritos do TA quando for a hora.
Funcionário mais antigo do Teatro Amazonas relata historias de assombração na casa de ópera
Fonte: A Critica
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