sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Análise feita por biólogos identifica seis novas espécies de jararaca no Brasil

Cinco subespécies subiram para 'primeira divisão' e uma era desconhecida. Conhecimento é essencial para projetar antídoto eficaz contra venenos.


Uma análise monumental, envolvendo quase 1.800 serpentes do Brasil e de outros países da América do Sul, levou à identificação de seis novas espécies de jararaca.


A pesquisa, além de acabar com um certo grau de bagunça que rondava a classificação dos répteis, pode ter implicações importantes para a saúde pública e até para a biotecnologia.


Afinal, o veneno de cada espécie de cobra é único, e identificar com precisão o bicho responsável por uma picada é essencial para produzir um antídoto eficaz contra a peçonha.

Indivíduo da nova espécie de jararaca, Bothrops marmoratus, clicado na Serra da Mesa (GO) (Foto: Otávio Augusto Vuolo Marques/Instituto Butantan)


Todos os bichos estudados por Vinícius Xavier da Silva, da Universidade Federal de Alfenas (MG), e Miguel Trefaut Rodrigues, da USP, pertencem ao chamado complexo Bothrops neuwiedi, conhecidas popularmente como jararacas-pintadas.


Antes, os répteis estavam classificados em 12 subespécies, o que era duplamente insatisfatório para os cientistas, conta Silva. "Um dos problemas é que a divisão em subespécies era puramente política.


Você olhava o mapa da distribuição dos bichos e via que uma subespécie ia até a fronteira de um estado [entre São Paulo e Paraná, por exemplo] e a outra começava do outro lado da fronteira. É claro que isso não acontece na natureza", diz ele.

De quebra, a própria idéia de subespécie está sendo cada vez mais questionada pelos especialistas em biodiversidade. "Havia a idéia de que as subespécies podiam se transformar em espécies totalmente separadas ao longo do tempo, o que não é bem verdade.


E também há o perigo de você cair numa regressão infinita, porque há sempre variabilidade entre os indivíduos de uma mesma espécie. Como é que você vai decidir o que é subespécie e o que não é?", diz o pesquisador de Alfenas.

Por causa desses problemas conceituais, a maior parte dos pesquisadores hoje tende a adotar o chamado conceito evolutivo de espécie -- a idéia de que populações de seres vivos com uma história distinta das demais "merecem" ser vistas como espécies únicas, mesmo que ocasionalmente elas possam produzir híbridos com outros animais separados delas pela evolução.


"Hoje a gente sabe que até cobras bem diferentes, como jararacas e urutus, podem produzir híbridos de vez em quando", lembra Silva.


Pintas da serpente


Silva e Rodrigues puseram-se a examinar 1.759 espécimes de jararacas-pintadas, em busca de padrões capazes de diferenciar com precisão uma espécie da outra. Nesse ponto é que foi crucial a ajuda dos desenhos e manchas nas escamas dos bichos.


"Dá para comparar com as pintas das onças e as listras dos tigres: cada desenho é único", diz Silva. Segundo ele, as manchas certamente ajudam as serpentes a se camuflar, e é possível que também ajudem os indivíduos a reconhecer seus companheiros de espécie, embora isso ainda precise ser investigado.


Padrões de manchas nas escamas ajudam a diferenciar as espécies de jararaca, como impressão digital (Foto: Reprodução)


De qualquer maneira, os padrões de manchas nas escamas ajudaram a reconhecer sete espécies bem definidas no grupo, cuja "cara" característica se soma a uma distribuição geográfica específica.


"Nós achamos indivíduos com padrões intermediários, provavelmente híbridos, mas eles são relativamente poucos e não derrubam a idéia de que são mesmo espécies diferentes", explica o pesquisador.

No fim das contas, além da B. neuwiedi "original", cinco subespécies subiram para "primeira divisão", por assim dizer. Além disso, uma serpente até então não estudada, comum no cerrado de Goiás, Tocantins e Minas Gerais, foi descrita pela primeira vez, ganhando o nome de B. marmoratus, ou jararaca-marmorizada.


"O padrão de escamas lembra mármore ou granito, daí o nome", diz Silva. O novo bicho pode alcançar os 80 cm de comprimento. Análises preliminares de seu veneno, aliás, indicam que ele tem composição diferente do produzido pelas outras jararacas do grupo e, pelo visto, é bem mais potente.

"É importante identificar cada espécie e ter condições de produzir um soro antiofídico específico para ela. Soros muito genéricos podem não ter o efeito desejado", conta Silva. Além disso, o veneno de cobras, por sua potente ação sobre o organismo, já inspirou medicamentos para hipertensão, por exemplo. Não é impossível que novos avanços médicos sejam o subproduto da descrição de novas espécies.

O trabalho foi publicado na revista científica brasileira "Phyllomedusa" .


Fonte: G1


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