Ele observou que ovos de artrópode não apodreciam ao ficar ao relento.
Um estudante do terceiro ano do ensino médio descobriu em ovos de aranha um antibiótico promissor.
No ano passado, Ivan Lavander Candido Ferreira bateu à porta do Laboratório Especial de Toxinologia Aplicada do Instituto Butantã.
Uma amiga da família já recomendara o jovem de 17 anos ao pesquisador Pedro Ismael da Silva Junior. O cientista decidiu ouvir a proposta do rapaz.
"Eu queria investigar ovos de opilião", conta Ferreira, que desde os 16 anos cria em casa esses animais - um parente inofensivo das aranhas.
Interessado em artrópodes, o estudante leu um artigo sobre proteínas antibióticas encontradas no veneno de vespas: além de paralisar a presa, as toxinas também desinfetavam o alimento.
A hipótese de Ferreira era simples. Partia da observação de que os opiliões deixam os ovos ao relento e eles não apodrecem.
Deveria haver alguma substância para proteger os ovos de fungos e bactérias, ávidos por matéria viva.
O trabalho sobre vespas mostrava que a seleção natural é um laboratório eficaz para a síntese de potentes microbicidas.
Em pouco tempo, o estudante percebeu que fora ao lugar certo. No doutorado, Silva Junior investigou a hemolinfa - o equivalente ao sangue - de uma espécie de caranguejeira.
Descobriu uma proteína que está sendo testada no tratamento de leishmaniose, doença de Chagas e câncer.
ROTINA
Antes de gastar tempo com o garoto, Silva Junior resolveu testar sua disposição. Entregou-lhe uma bibliografia exigente e solicitou um projeto de pesquisa detalhado.
Ferreira não decepcionou. Semanas depois, voltou ao laboratório com os livros lidos e o projeto impresso.
O pesquisador ficou surpreso. Leu a proposta e, animado, organizou sua rotina para receber o aprendiz vários dias por semana.
Ensinou-lhe a usar vários equipamentos do laboratório. Duas vezes por semana, Ferreira deixava o colégio, almoçava em casa e, à tarde, pegava um ônibus para o instituto.
Ao chegar, vestia o jaleco branco como os demais pesquisadores. Todos ajudavam na sua formação, especialmente o aluno de mestrado Raphael Sayegh, designado como tutor.
Silva Junior convenceu Ferreira a trocar os ovos de opilião por ovos de armadeira, aranha agressiva responsável por cerca de 3 mil envenenamentos em 2007. "No laboratório, já criávamos armadeiras para outras pesquisas", explica o cientista.
Ferreira testava as substâncias que conseguia isolar em colônias do fungo Candida albicans - causador de uma micose conhecida popularmente como "sapinho" - e da bactéria Microccocus luteus.
Quase inofensivos para pessoas saudáveis, os dois organismos podem produzir quadros graves em pacientes imunodeprimidos.
A paciência e a laboriosidade foram recompensadas. Colônias do fungo e da bactéria apareceram mortas. O jovem pesquisador havia encontrado a substância que procurava.
FUTURO
A pesquisa rendeu-lhe quatro primeiros lugares na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace 2009), realizada em março na Escola Politécnica da USP, e um segundo lugar na categoria microbiologia da Feira Internacional de Ciências e Engenharia patrocinada pela Intel (Intel Isef 2009), em Nevada, nos Estados Unidos. Foi a premiação mais alta concedida a um estudante brasileiro no evento americano.
Agora, com 18 anos, pretende sintetizar em laboratório a substância que identificou nos ovos da aranha e, assim, realizar mais testes para determinar a toxicidade do composto.
Também sonha em cursar Biologia na Universidade de São Paulo (USP). "A oportunidade de realizar um trabalho de pesquisa científica mostrou para mim que essa é a minha vocação", afirma Ferreira.
Silva Junior pretende receber outro estudante do ensino médio em seu laboratório. O rapaz já foi escolhido.
Tanto ele como Ferreira estudam na rede particular de ensino de São Paulo.
"Vale a pena: os jovens hoje ficam empolgados com futebol, com vôlei, com música... Por que não empolgá-los com ciência também?", questiona o pesquisador.
Fonte: Estadão
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