Captação de estouro de raios gama nunca havia sido realizada em terra, como ocorreu no Rio.
No dia 16 de março, uma segunda-feira, o físico Carlos Navia chegou ao Laboratório de Altas Energias da Universidade Federal Fluminense (UFF) por volta das 9 horas, como de costume. Aquele era para ser um dia de trabalho como qualquer outro.
Mas, ao ligar o computador, ele teve uma agradável surpresa: descobriu que um dos telescópios que ficam na sala havia captado um fenômeno raríssimo no mundo.
Trata-se da detecção, em solo, de um estouro de raios gama, originados das "mortes" de estrelas ocorridas há milhões de anos-luz em outras galáxias.
Oito satélites fazem isso fora da atmosfera terrestre com frequência - a média é de uma ocorrência por dia.
A relevância do evento se deve ao fato de isso ter acontecido em terra pela primeira vez. Já houve tentativas em outros países, mas ninguém havia tido êxito.
O professor do Instituto de Física da universidade, um boliviano naturalizado, há mais de 20 anos por aqui (é doutor pela Unicamp, especialista em raios cósmicos), só teve certeza de sua descoberta depois de contactar o pesquisador Kevin Hurley, da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), que é líder da Interplanetary Network (IPN), administradora de vários satélites.
Hurley não só a atestou, como convidou a equipe da universidade brasileira a assinar uma circular anunciando a novidade.
A confirmação foi possível graças ao cruzamento de dados captados por quatro satélites - um do Japão, um da Rússia e dois dos Estados Unidos -, que detectaram a explosão de raios gama no mesmo horário.
Telescópio Tupi
O laboratório de apenas 40 metros quadrados de área tem dois telescópios contadores de partículas, um inclinado a 45 graus e o outro a 90 graus - cada qual com dois detectores nas suas extremidades.
Foi o inclinado, o Tupi, em funcionamento há cinco anos, que captou as partículas. Isso ocorreu na madrugada de 15 de março, pouco depois de 1 hora (o equipamento funciona 24 horas por dia).
As informações geradas pelas partículas que atravessaram primeiro a atmosfera e, depois, as duas extremidades do telescópio, foram para o computador conectado ao equipamento.
O professor percebeu que havia algo de novo quando notou um pico branco no gráfico que registra as emissões de luz provocadas pelo fenômeno, já transformadas em pulsos elétricos.
Os múons, resultado da interação dos raios cósmicos com a atmosfera, têm energia suficiente para "furar" superfícies como a laje de concreto do prédio da UFF (chegam até mesmo a cavernas e minas).
A descoberta, que será publicada em breve no Astrophysical Journal, um periódico mensal especializado em artigos de astrofísica e astronomia, rendeu R$ 100 mil do Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ao laboratório, tocado por Navia e pelo professor Carlos Roberto Alves Augusto. O CNPq já financiava o experimento.
O dinheiro será usado para a montagem de outros telescópios - serão 16, no total, contando os já existentes.
Os novos serão posicionados de modo a ter angulações diferentes. "É como quando você está pescando. Quanto mais anzóis tiver na água, mais chances terá de pegar um peixe", compara Navia.
Utilidade
Uma possível aplicação disso tudo? Ainda não se sabe. Normalmente, pesquisas como as do laboratório têm valor científico-acadêmico, apenas.
Destinam-se a desvendar as origens do universo. Mas Navia lembra que, se hoje temos a internet e os aparelhos de raio X, é porque, um dia, pesquisadores se deram conta de que o que desenvolviam poderia ter um uso bem diferente.
Fonte: Estadão
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