Planeta tem neve, geada e nevoeiro, mostram dados da Phoenix; sonda também encontra sinais de água salgada.
Marte tem neve de madrugada: cristais de gelo caem das nuvens sobre o ártico. Eles não chegam a tocar ao solo, evaporando-se no caminho e saturando a atmosfera de água.
Essa neblina espessa produz uma geada que vira vapor ao amanhecer, devolvendo a água à atmosfera. Por volta da meia-noite, as nuvens formam-se outra vez, nutrindo os cristais que cairão na madrugada seguinte.
"São cristais grandes, caindo e movendo-se com o vento", descreve o cientista brasileiro Nilton Rennó, da Universidade de Michigan.
"Às vezes, o nevoeiro cobre tudo, da superfície até as nuvens", explica ele, que é um dos autores do trabalho que registra o ciclo das águas marciano, publicado na edição desta semana da revista Science.
A revista traz uma série de quatro artigos, resumindo as principais descobertas feitas pelos instrumentos da sonda Phoenix, da Nasa, que operou em Marte no ano passado.
O texto sobre a água marciana confirma a presença, no ártico, de uma camada de gelo no subsolo, começando a uma profundidade de 5 centímetros.
Também menciona a teoria, defendida por Rennó, de que água líquida ainda pode existir no planeta, sob a forma de gotículas, ou em poças. O ponto de congelamento da substância cai por conta da grande concentração de sais dissolvidos.
"Pode existir líquido em qualquer ponto do planeta onde a temperatura mínima fique acima dos 70º C negativos e exista uma fonte de água", como gelo subterrâneo, diz o cientista, que detalha as evidências a favor da presença atual de água líquida em Marte em dois outros artigos: um que será publicado na revista especializada Journal of Geophysical Research e outro que será apresentado, em agosto, num congresso de astrobiologia - a ciência da busca pela vida em outros planetas.
"A presença de água em estado líquido facilita muito" a presença de vida, diz o brasileiro. Ele defende que a Nasa deveria atualizar seu lema para a busca de sinais de vida em Marte - "siga a água" - para "siga a água líquida".
Rennó apresenta como smoking gun - prova cabal - da presença de água em estado líquido em Marte uma sequência de três imagens do apoio de uma das pernas da Phoenix.
Elas mostram o desaparecimento de um glóbulo de gelo que havia se formado na peça. O glóbulo escurece antes de sumir - e, como a água em estado líquido é mais escura do que gelo, aí estaria um indicador de que a pequena esfera congelada teria, de fato, derretido e escorrido.
O glóbulo de gelo (esq), o gelo provavelmente derretido (escuro, centro) e o espaço vazio. "Sol" é o nome dado aos ciclos marcianos de dia e noite, que duram pouco mais de 24 horas terrestres. Imagens: Nasa
O artigo sobre astrobiologia, assinado pelo brasileiro e por mais três colegas da Universidade de Michigan, sugere que a busca por vida em Marte privilegie a estratégia de tentar encontrar água, salgada e em estado líquido, na vizinhança nos locais da onde se originam as emanações de gás metano - a mais simples das moléculas orgânicas - já detectadas em Marte por sondas orbitais.
PERCLORATO
Simulações realizadas aqui na Terra por uma outra equipe de cientistas, imitando condições marcianas, mostram uma dinâmica de congelamento e derretimento de gotículas de água saturada com um tipo de sal - perclorato - que segue de perto as explicações oferecidas por Rennó para o que estava acontecendo na perna da Phoenix.
A escolha do perclorato para a simulação faz sentido: o sal é outra estrela da família de artigos publicada na Science sobre as descobertas da sonda em Marte. Sua detecção no solo marciano veio como uma surpresa para os cientistas.
"Os únicos solos que conheço e que são tão ricos em perclorato (quanto o marciano) estão no deserto de Atacama, no Chile", diz o cientista da Nasa Michael Hecht.
Além de ser capaz de manter água em estado líquido mesmo em condições climáticas extremas, o sal é uma possível fonte de energia - alimento - para micro-organismos.
A substância também poderá ser útil para astronautas que venham a visitar Marte no futuro, diz Hecht. Eles poderão processar os percloratos do solo e obter, por exemplo, combustível para seus veículos ou oxigênio para respirar.
A descoberta dos percloratos também mexe com um antigo mistério marciano, os resultados dos primeiros experimentos realizados na tentativa de detectar vida no planeta, executados pelas sondas Viking, há mais de 30 anos.
Segundo Hecht, é possível que a presença desses sais, desconhecida na época, tenha enganado os sensores que examinaram as amostras de solo em busca de sinais de vida.
"O perclorato pode ter mascarado a presença de carbono orgânico no espectrômetro de massa", diz Hecht. "Isso ainda está em estudo".
Fonte: Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário