Nos oceanos de uma lua a centenas de milhões de quilômetros do sol, algo complexo pode estar vivo - neste momento. Embaixo da crosta gelada da lua Europa, de Júpiter, acredita-se que haja um oceano global de até 160 quilômetros de profundidade, sem terra à vista na superfície.
Esse oceano extraterrestre está atualmente sendo alimentando com oxigênio a níveis mais de 100 vezes maiores do que modelos anteriores sugeriam, de acordo com uma nova e instigante pesquisa.
Essa quantidade de oxigênio é suficiente para manter mais do que formas de vida microscópicas: pelo menos três milhões de toneladas de criaturas semelhantes a peixes podem teoricamente viver e respirar em Europa, afirma o autor do estudo, Richard Greenberg, da Universidade do Arizona, em Tucson.
"Não há nada dizendo que existe vida lá agora", disse Greenberg, que apresentou seu trabalho mês passado em um encontro da Divisão para Ciências Planetárias da Sociedade Astronômica Americana. "Mas sabemos que existem condições físicas para sustentá-la."
Na verdade, com base no que sabemos sobre a lua jupiteriana, parte do leito marítimo de Europa deve se parecer muito com os ambientes ao redor das chaminés hidrotérmicas do oceano profundo, afirma o ecologista molecular de oceano profundo Timothy Shank.
"Ficaria chocado se não existisse vida em Europa", disse Shank, da Instituição Oceanográfica Woods Hole, que não esteve envolvido no estudo.
Apesar das novas e promissoras estimativas, é cedo demais para ir além das especulações sobre como a vida em Europa pode ter evoluído.
Um olhar mais próximo - talvez por meio de uma missão da Nasa em desenvolvimento - será necessário para dizer exatamente como as substâncias químicas estão distribuídas em Europa e como a história geológica da lua pode ter contribuído para as chances de vida no local.
A Nova e Brilhante Cobertura de Europa
O astrônomo Galileu Galilei descobriu Europa em 1610. Mas foi apenas quando Galileo, a espaçonave da Nasa, alcançou o sistema de Júpiter em 1995 que os cientistas foram capazes de estudar a lua em detalhes.
O que a sonda Galileo descobriu foi tão empolgante que a Nasa deliberadamente fez a espaçonave colidir com Júpiter em 2003 para evitar que ela contaminasse uma de suas próprias descobertas: o oceano salgado sob a superfície de Europa.
Embora a sonda não tenha visto diretamente o oceano, cientistas estão certos de que ele está lá, com base na idade, composição e estrutura da superfície gelada da lua.
Por exemplo, imagens da superfície brilhante da lua sugerem uma formação relativamente recente, afirma Greenberg, que também é autor de "Unmasking Europa: The Search for Life on Jupiter's Ocean Moon".
Europa, como os outros planetas e luas do nosso sistema solar, tem mais de quatro bilhões de anos de idade. Mas a relativa falta de crateras de impacto implica que a crosta gelada tem apenas 50 milhões de anos.
"Hoje, existe uma superfície completamente diferente da que havia no tempo em que os dinossauros foram extintos da Terra", disse Greenberg.
A "Repavimentação" Envia o Oxigênio Constantemente para Baixo?
A superfície lisa de Europa é maculada apenas por fissuras escuras entrecruzadas que sugerem que a camada de gelo está sendo expandida e comprimida pela força das marés.
"Na Terra, estamos acostumados a pensar nas marés como algo observado no litoral", explica Greenberg.
Mas em uma escala maior, a gravidade do sol e da luz constantemente contrai e expande a Terra como um todo. Europa, que tem mais ou menos o tamanho da nossa lua, também sofre com marés, porém não do sol, mas da gravidade de Júpiter.
A fricção causada por todo esse estiramento das marés provavelmente aquece Europa o bastante para manter a água líquida, afirma Greenberg, mesmo com a lua jupiteriana estando a 778 milhões de km do sol.
O material oceânico mais quente pode verter através das fissuras do gelo e congelar na superfície na mesma velocidade em que o gelo velho afunda e derrete no líquido interior.
Esse ciclo de "repavimentação" explicaria a aparência jovem da superfície gelada e abre a porta para que o oxigênio da superfície permeie o oceano escondido.
O oxigênio é criado quando partículas carregadas do campo magnético de Júpiter atingem o gelo. Com suas estimativas do ritmo de repavimentação da lua, Greenberg acredita que levaria de um a dois bilhões de anos para o primeiro oxigênio da superfície alcançar o oceano abaixo.
Hora de Crescer
Segundo a hipótese de Greenberg, alguns milhões de anos depois do processo de pavimentação do gelo ter começado, os níveis de oxigênio nos mares de Europa alcançaram seus níveis atuais - que excedem os níveis dos oceanos da Terra.
Esse período na verdade aumenta as chances de que a vida como conhecemos tenha lançado raízes em Europa.
Para começar, a maioria das formas de vida primitiva precisa da ausência de oxigênio para se formar, explica Greenberg.
"O oxigênio tende a causar o rompimento de outras moléculas", disse ele, logo, material genético como DNA não pode se agregar livremente com a presença de oxigênio.
"Você precisa desse atraso para que material genético e estruturas possam tomar forma", disse ele. "Assim, quando o oxigênio chegar, os organismos vão pelo menos ter uma chance de sobrevivência."
De forma semelhante, uma abundância repentina de oxigênio pode simplesmente matar formas de vida que não estão acostumadas com o elemento altamente reativo.
Mas se o oxigênio for introduzido lentamente, as criaturas podem evoluir para tolerá-lo e mesmo passar a depender dele, em um processo que se acredita ter acontecido nos primórdios da Terra.
A Posição Contra Animais em Europa
Para que a generosa estimativa de oxigênio de Greenberg no oceano de Europa - e a hipótese resultante de que criaturas parecidas com peixes podem existir por lá - seja viável é necessário que a repavimentação da superfície tenha acontecido a uma taxa relativamente estável, no caso, uma renovação completa a cada 50 milhões de anos.
Mas o cientista planetário Robert Pappalardo afirma que o processo talvez tenha sido mais intermitente, portanto, o nível de oxigênio - e a chance de peixes - seria menor.
"Talvez há 50 milhões de anos ela estivesse se revolvendo e, agora, ela tenha desacelerado e se tornado muito mais letárgica", disse Pappalardo, um graduado pesquisador do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa em Pasadena, Califórnia.
Como exemplo, Pappalardo cita a prisão gravitacional de Europa à sua lua vizinha Io, que tem uma órbita excêntrica ao redor de Júpiter.
Isso significa que Io pode estar atraindo e repelindo Europa em ciclos extremos, resultando em períodos de alta e baixa fricção de maré sobre Europa.
Mesmo nesse cenário, o oxigênio pode alcançar o oceano, embora talvez não em quantidades que favoreçam formas de vida complexas.
Já que o gelo se comporta como um fluido durante períodos longos de tempo (pense em geleiras), segundo ele, elementos de superfície poderiam alcançar o oceano de Europa por meio do gelo sólido.
"Imagine uma lâmpada de lava: aglomerados de material mais quente sobem, e aglomerados mais frios descem. A diferença é que, no gelo, pode levar uma centena de milhares de anos para um aglomerado subir."
Enquanto isso, se a atividade das marés sobre Europa ocorrer intermitentemente, haveria uma mudança das taxas nas quais calor e nutrientes do manto rochoso se fazem presentes, diz ele.
"Digamos que haja micróbios lá embaixo", acrescentou Pappalardo. "O que significaria para sua evolução se a cada centena de milhares de anos houvesse muito mais calor e elementos químicos? Isso levaria a organismos muito mais resistentes", mas não necessariamente à vida complexa.
Para avaliar as chances de vida em Europa também é preciso saber se o calor da fricção das marés chega até o seu núcleo rochoso.
Se o núcleo sólido for mesmo quente, disse ele, "então talvez haja alguma fonte de fumaça preta liberando calor e substâncias químicas". Se não for, os nutrientes dissolvidos necessários para sustentar a vida seriam muito mais limitados.
Na verdade, mesmo com vastas quantidades de oxigênio na água, segundo a astrobióloga Cyntia Phillips do Instituto SETI, é improvável que Europa abrigue alguma coisa maior que micro-organismos, considerando sua quantidade estimada de nutrientes químicos básicos para a vida.
"Embora seja realmente excitante pensar em uma lula gigante em Europa, há poucas chances de haver alguma coisa desse tamanho", disse Phillips.
Procura-se: Espaçonave que Perfure Gelo, Nade e Aspire
Para alguns, entretanto, a ideia de que exista pelo menos vida microscópica em Europa é plausível o bastante para que pesquisadores, inclusive Shank (de Woods Hole), já fiquem de olho nas chaminés hidrotérmicas superaquecidas como analogias possíveis.
Alguns micro-organismos podem prosperar nos gases criados pelas substâncias químicas expelidas por essas chaminés.
Em Europa, tais substâncias podem ser a base de uma cadeia alimentar que, com oxigênio na água, poderia manter vida complexa.
Um dia, uma espaçonave pode ser enviada a Europa para penetrar o gelo e explorar o oceano, de forma semelhante aos veículos operados remotamente que aspiram o oceano profundo da Terra, em busca de nutrientes liberados por chaminés hidrotérmicas ocultas, afirma Shank.
Mas primeiro, os cientistas precisariam desenvolver sensores que possam detectar DNA, RNA e outras marcas químicas da vida.
Um submersível enviado a Europa também precisaria ser menor, mais leve e ter baterias de vida útil maior do que os modelos existentes - sendo ainda capaz de perfurar seu caminho pelo que podem ser quilômetros de gelo.
Capacidades robustas de comunicação também seriam essenciais, afirma Shank. "Não há vantagem alguma em descer lá, descobrir vida e não conseguir contar sobre isso para ninguém."
Missão: Europa
O próximo passo na exploração de Europa pela Nasa, porém, será provavelmente orbital - ou seja, nada de missões marítimas -, em uma missão conjunta com a Agência Espacial Europeia.
Uma missão dessas, apesar de desejada, enfrentaria uma série de dificuldades, observa Phillips, do SETI. Quando próximos, Júpiter e suas luas ficam a aproximadamente 588 milhões de quilômetros da Terra, então chegar lá pode demorar de cinco a seis anos com a atual tecnologia.
A essa distância, não há luz solar o bastante para uma sonda abastecida pelo sol, então a nave precisaria levar sua própria fonte de energia nuclear, afirma Phillips. Ainda seria preciso lidar com a radiação constante da magnetosfera de Júpiter.
"Se você quiser orbitar Europa, a radiação vai acabar fritando sua espaçonave", disse Phillips. "Depois que finalmente chegar a Europa, você pode esperar manter uma órbita de dois meses, se tiver sorte."
Pappalardo, o cientista do estudo que propôs a missão a Europa, afirma que o satélite planejado pela Nasa deve ser robusto o suficiente para durar quase um ano antes de sucumbir à radiação ou outra pressão ambiental.
Uma missão dessas, acrescenta, pode encontrar provas concretas de vida complexa em Europa. Segundo ele, porém, essa é a visão otimista.
"Uma visão conservadora seria perguntar: existe energia química o bastante para organismos de qualquer tipo prosperarem?", pergunta Pappalardo. "Isso não está fora de questão, mas primeiro vamos ver o que está lá."
Fonte: Terra
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