sábado, 20 de fevereiro de 2010

Empresário americano quer transportar astronautas ao espaço

A SpaceX promete oferecer viagens espaciais a bordo de seus foguetes Falcon 9 ao preço de US$ 20 milhões por pessoa


O debate que está por se iniciar sobre o futuro do programa espacial dos Estados Unidos dependerá, em boa medida, da resposta a uma única pergunta: será que o governo deveria contratar Elon Musk para fornecer um serviço de táxi aos astronautas norte-americanos, ao custo de alguns bilhões de dólares?

A proposta orçamentária do presidente Obama para 2011 prevê o fim do programa Constellation - o sistema de espaçonaves que a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) vinha desenvolvendo para levar o homem de volta à Lua- , e o recurso à iniciativa privada para garantir o transporte de e para a Estação Espacial Internacional.

O orçamento oferece uma verba de US$ 6 bilhões para esse fim, em cinco anos, e o dinheiro provavelmente seria dividido entre dois ou três concorrentes.

E é essa a oportunidade pela qual Elon Musk, 38, e a SpaceX, a empresa que ele criou oito anos atrás, vinham esperando.

Inteligente, arrogante e áspero, e com uma voz marcada pelo sotaque de sua África do Sul natal, Musk promete que a SpaceX será capaz de oferecer viagens espaciais a bordo de seus foguetes Falcon 9 ao preço de US$ 20 milhões por pessoa - uma pequena fração do custo de uma travessia em ônibus espacial ou nos foguetes russos Soyuz. E Musk afirma que poderia fazê-lo em apenas dois ou três anos, quando o seu contrato com a Nasa estiver assinado.

"De fato, o propósito todo o SpaceX, desde o começo, era o voo espacial humano", disse Musk em junho passado a um comitê de revisão do programa de voos espaciais tripulados da Nasa.

Quando criou a SpaceX, em 2000, Musk era um empresário de Internet que havia feito fortuna ao criar o sistema de pagamentos online PayPal.

A SpaceX já conta com cerca de 900 funcionários. Em 2008, ela colocou com sucesso em órbita um pequeno foguete Falcon 1, e no ano passado levou com sucesso um satélite ao espaço.

A empresa tem um contrato de US$ 1,6 bilhão com a Nasa para transportar suprimentos à estação espacial, usando o Falcon 9, um foguete de maior porte.

"Tenho certeza absoluta de que ele é capaz de fazer tudo que promete", disse Peter Diamandis, fundador e presidente da X Prize Foundation, que busca encorajar o desenvolvimento espacial por meio de concursos tecnológicos. "Sou fã da abordagem empregada pela SpaceX".

Gigantes do setor aerospacial como a Boeing e a Lockheed Martin quase certamente oferecerão propostas nas novas concorrências da Nasa, mas a SpaceX atraiu boa parte da atenção quanto a elas, tanto negativa quanto positiva.

O senador Richard Shelby, republicano do Alabama - o Estado que abriga o Centro Marshall de Voo Espacial da Nasa, responsável pelo desenvolvimento do programa Constellation - é forte defensor do programa em sua forma atual e desconsidera o trabalho de potenciais concorrentes vindos da iniciativa privada, como a SpaceX.

Em declaração quanto à proposta do governo, Shelby afirmou que o novo plano representava uma "marcha da morte" para a divisão de astronautas da Nasa e criticou severamente as alegações de companhias comerciais, classificando-as como "exageros e falsas panaceias".

Musk declarou ao comitê de avaliação, em junho, esperar que todos os componentes do Falcon 9 chegassem à plataforma de lançamento da SpaceX, na Flórida, até o terceiro trimestre de 2009, para um lançamento inicial antes do final do ano passado.

O primeiro voo do Falcon 9 ainda não aconteceu. O segundo estágio chegou ao Cabo Canaveral no mês passado, cerca de seis meses mais tarde do que Musk havia declarado ao comitê. O lançamento inicial agora está marcado para no máximo 22 de março.

A data planejada para a primeira entrega de carga à Estação Espacial Internacional agora ficou para o primeiro semestre de 2011. E isso representaria ainda assim uma realização impressionante.

"Como transporte de cargas, creio que eles estejam se saindo muito bem", disse Joseph Fragola, consultor de segurança que trabalha para a Nasa no programa Constellation e também ofereceu assistência técnica a Musk quanto aos foguetes da SpaceX.

Mas ele duvida que o Falcon 9 seja capaz de transportar astronautas com a rapidez e facilidade prometidas por Musk.

Teoricamente seria possível, disse Fragola, "mas a história do desenvolvimento de veículos tripulados de lançamento leva a considerar que seja altamente improvável".

A sede da Space Exploration Technologies Corp. - o nome oficial da SpaceX- é certamente futurista. Próxima ao Aeroporto Internacional de Los Angeles, ela tem um saguão digno de um hotel de luxo.

A porção frontal é basicamente um largo espaço aberto, repleto de baias para os engenheiros. Musk mesmo trabalha em um espaço semelhante, embora a baia que utiliza seja grande o suficiente para abrigar uma escrivaninha executiva e um sofá.

No final de um corredor, a área de escritórios se abre para uma espaçosa fábrica na qual antigamente eram construídas fuselagens para o Boeing 747.

Hoje, ela responde pela fabricação dos cilindros de 3,60 metros de largura usados para os motores dos foguetes, os estágios do foguete e a cápsula Dragon, que será usada inicialmente para o transporte de cargas e posteriormente para o de astronautas.

No refeitório, os mundos de Musk se encontram. Como uma empresa de Internet, a SpaceX oferece aos seus funcionários refrigerantes gratuitos e iogurte congelado. E ele também exibe alguns lembretes de suas conexões com Hollywood.

Há uma estátua do Homem de Ferro, o herói dos quadrinhos, trazendo no pescoço um crachá de funcionário.

Musk serviu como modelo para o personagem de Tony Stark, o industrial tornado super-herói no filme "Homem de Ferro". A fábrica da SpaceX aparece na continuação do projeto, e Musk interpreta uma ponta.

Ele também já enfrentou os riscos de uma vida como celebridade. Sua vida pessoal - o divórcio de Justine Musk, uma escritora de romances de fantasia, e noivado com a atriz britânica Talulah Riley - viraram tema para os blogs de fofocas tecnológicas, da mesma forma que as maquinações empresariais da SpaceX e da Tesla, a fabricante de carros elétricos também comandada por Musk.

Musk afirma que não tinha a intenção de se tornar um fabricante de foguetes. Em lugar disso, planejava investir parte dos milhões de dólares que faturou ao vender o PayPal para o eBay no estabelecimento de uma pequena estufa em Marte - uma experiência científica particular para determinar se vegetais terrestres poderiam crescer em solo marciano.

Para além da ciência, ele diz ter imaginado de que a imagem de uma planta crescendo em Marte pudesse cativar a imaginação das pessoas e revigorar o interesse pela exploração espacial.

"Eu achava que seria possível realizar essa ideia com alguns milhões de dólares em investimento", conta. Mas um foguete para levar o Mars Oasis ao planeta de destino provou ser dispendioso.

Na época, em 2001, uma viagem em foguete Delta II custaria US$ 65 milhões, disse Musk. Ele visitou Moscou três vezes para estudar a possibilidade de utilizar um míssil balístico intercontinental russo reformado, mas mesmo isso teria requerido o desenvolvimento de um terceiro estágio, para conduzir o aparelho ao espaço exterior.

Ele começou a imaginar se não faria mais sentido construir um foguete por conta própria, e passou a conversar com pessoas no setor de foguetes, entre as quais Diamandis.

"Na verdade, eu estava tentando convencê-lo a desistir", recorda Diamandis, "porque lhe disse que a coisa demoraria duas ou três vezes mais do que ele imaginava e o custo também seria duas ou três vezes mais alto.

A realidade é que demorou ainda mais, e custou muito mais, mas estou extraordinariamente grato por ele não ter aceito meu conselho".

A maior parte dos relatos concorda em que a equipe montada pela SpaceX demonstra extraordinário talento, e em que a empresa conseguiu enxugar custos sem dispensar uma alta confiabilidade. Em lugar de recorrer à terceirização, a SpaceX constroi ela mesma quase todos os seus componentes - cerca de 80%, em termos de valor -, na sua fábrica californiana.

"Em resumo, eles criaram sozinhos uma companhia produtora de aviônicos e foguetes, com custo bem baixo", disse Douglas Stanley, engenheiro de pesquisa aerospacial no Instituto Tecnologia da Geórgia que fez diversas visitas à fábrica da SpaceX.

Stanley estima que a SpaceX tenha sido capaz de desenvolver os seus motores Merlin, que oferecem a propulsão de primeiro estágio do Falcon 1 e do Falcon 9, por entre um quarto e um terço do custo que uma fabricante tradicional de propulsores teria requerido.

Musk aponta para o fato de que a SpaceX já fabrica mais motores para foguetes do que todas as demais companhias do Estados Unidos combinadas, e pode ultrapassar a produção da Rússia este ano.

Embora a SpaceX tenha conseguido cortar custos, não evitou os fracassos que costumam afligir o desenvolvimento de foguetes.

Os três primeiros voos do Falcon 1 foram insucessos. Musk diz ter investido quase US$ 100 milhões de seu capital pessoal na SpaceX, quase duas vezes o montante que havia planejado originalmente.

E alega que a empresa seria capaz de sobreviver a até quatro fracassos no desenvolvimento do Falcon 9.

Mas Musk também expressou confiança em que o desenvolvimento do Falcon 9, a despeito do tamanho e complexidade maiores do aparelho, transcorreria de maneira mais suave que o do Falcon 1.

As lições aprendidas com os erros anteriores foram aplicadas ao Falcon 9, que aproveita muitos dos componentes do Falcon 1, como os propulsores Merlin.

E assim que o Falcon 9 se provar pronto para o transporte de cargas, será um processo simples acrescentar assentos, um filtro de dióxido de carbono e outros sistemas requeridos para tornar a cápsula apropriada ao transporte de astronautas, disse Musk.

"O sistema de escapa e os testes em voo do sistema de escape seriam os dois únicos problemas de maior monta", ele disse.

Musk critica severamente as pessoas que discordam de sua avaliação. "Joe Dyer devia se envergonhar", ele afirmou sobre o almirante Joseph Dyer, presidente do Conselho de Consultoria de Segurança Aerospacial da Nasa, depois que a organização divulgou um relatório no qual apelava pela manutenção do Ares I, o foguete do projeto Constellation, alegando que nenhuma das alternativas comerciais em desenvolvimento havia atendido às exigências de segurança da Nasa para o transporte de seres humanos.

Musk disse que o conselho de segurança havia dedicado apenas algumas horas à sua visita das instalações da SpaceX, e não tinha qualquer conhecimento sobre o que a empresa havia ou não feito, ou que os engenheiros da companhia haviam projetado tanto a cápsula Dragon quanto o foguete Falcon 9 de forma a atender os requisitos de segurança publicados pela Nasa.

O conselho, afirma Musk, "parece estar falando na mais completa ignorância". Fragola disse que a SpaceX havia de fato estipulado que a confiabilidade fosse uma das prioridades dominantes em seu trabalho, mas acrescentou que números como as margens estruturais de segurança representavam apenas um primeiro passo na avaliação da segurança de passageiros. A Nasa ainda não desenvolveu um procedimento de certificação de segurança para foguetes comerciais.

A SpaceX ainda "não compreende plenamente a dramática diferença entre um veículo de carga e um de passageiros", disse Fragola.

Por exemplo, os projetistas da cápsula precisam estudar cuidadosamente as condições posteriores a um acidente, entre as quais calor de detonação, fragmentos do propulsor explodido e ondas de pressão da explosão.

Embora nada disso afete a carga, "a tripulação se importa muito com essas condições, porque elas influenciam sua possibilidade de sobrevivência", disse Fragola.

O Complexo de Lançamento 40 na Base Aérea de Cabo Canaveral é bem diferente da moderna sede da SpaceX. A força aérea utilizava o local até recentemente para lançar os foguetes Titan, que se tornaram obsoletos.

A SpaceX alugou o local por dois anos, derrubou a torre de lançamento e em seu lugar construiu um hangar de 70 metros de comprimento e 23 metros de largura onde os dois estágios de um foguete Falcon 9 podem ser acoplados, e unidos a uma cápsula Dragon.

Boa parte da plataforma de lançamento parece ter sido montada com pedaços usados de outras instalações.

Um tanque de oxigênio líquido de 475 mil litros, fabricado na era do projeto Apollo, foi comprado por US$ 86 mil -ou seja, a preço de sucata -, e reformado.

A empresa adquiriu alguns vagões ferroviários enferrujados que a Nasa usava para transportar hidrogênio, e também os reformou.

O foguete montado, ainda em posição horizontal, será rolado para fora do hangar usando os mesmos trilhos que eram empregados na movimentação dos Titan, e depois posicionado na vertical.

Dentro de duas semanas, o primeiro Falcon 9 será rolado para fora do hangar e erguido para um breve teste de disparo dos propulsores.

Depois, retornará ao hangar para os preparativos finais, entre os quais a instalação de cargas explosivas que possam destrui-lo se algo escapar ao controle.

Em press release divulgado na semana passada, a SpaceX anunciou que o lançamento inicial deve ocorrer dentro de um a três meses.


Fonte: Terra


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