O que se esconde atrás desse espantoso senso estético? Uma expedição de GEO, chefiada por Uwe George, leva às florestas tropicais úmidas da Nova Guiné, ao encontro de uma das criaturas mais incomuns da Evolução.
O Amblyornis inornatus é uma das 20 espécies de passeriformes. Suas construções, em clareiras da mata fechada, impressionam devido ao telhado bem elaborado, sob o qual o pássaro distribui diversos materiais, de pedaços de carvão e frutas silvestres a lixo humano, na esperança de seduzir a fêmea.
O Amblyornis inornatus trabalha com dedicação em sua composição azul. Os passeriformes desenvolveram-se a partir das magnificamente coloridas aves-do-paraíso (abaixo, à direita: ave-do-paraíso menor, Paradisaea minor). Segundo a teoria, eles agora compensam sua plumagem simples com construções artísticas. O Chlamydera maculata ainda ostenta um resto de sua plumagem enfeitando a parte traseira de sua cabeça. Mas para impressionar uma fêmea, ele prefere exibir sua vasta coleção de casinhas ocas de caracóis.
Uma ruidosa trovoada agita violentamente as copas de árvores gigantescas, cujos galhos são recobertos por toneladas de musgos, samambaias e orquídeas.
A chuva pesada cai barulhenta sobre a lona que cobre uma parte de nosso acampamento, aberto no meio da floresta tropical. Nos encontramos pouco abaixo de um cume de 2.500 m da Cordilheira Arfak, na Nova Guiné.
Estou sentado ao redor de umafogueira crepitante com Thomas Schultze-Westrum, biólogo e etnólogo que há 40 anos explora a natureza selvagem da Nova Guiné. Uma dezena de homens do povo Hatam, de Papua, nos escoltam nessa viagem.
O jogo de luzes das inquietas labaredas, e as sombras que elas produzem, refletem em suas feições, e tornam ainda mais impressionante nossa experiência nesse mundo primitivo.
Arcos e flechas estão encostados nos pilares que sustentam a lona. Algumas das flechas são equipadas com longas e afiadíssimas pontas de lascas de bambu.
Elas se destinam à caça, especialmente de porcos selvagens e casuares (Casuarius spp.), grandes aves incapazes de voar, que perambulam pelas florestas da Nova Guiné.
Outras flechas, munidas de pontas de madeira dura e rebarbas, são usadas no combate contra inimigos humanos. Arrancar do corpo uma dessas flechas abriria feridas terríveis na carne.
Para passar a noite, os Hatam nos construíram leitos confortáveis, feitos com as folhas macias de enormes samambaias arbustivas.
Ao deitarmos, sentimos como se estivéssemos acomodados em ninhos, com a barriga cheia do ensopado de batatas doces, inhames, feijões, cogumelos e diversas ervas.
As mulheres que o prepararam desceram pouco antes do anoitecer, para o seu vilarejo no vale. Amanhã voltarão com as verduras frescas colhidas em suas hortas.
Embora a fumaça da fogueira do acampamento penetre irritantemente nos meus olhos, sinto-me protegido em meio a essas pessoas que vivem de modo ancestral.
Os homens conversam sobre os orang barat, ou seja, nós, pessoas do Ocidente distante, que fizeram uma longa viagem para observar um pássaro incomum.
Eles próprios também encaram essa ave como um ser estranho na floresta em razão de ser tão diferente dos outros animais.
Enquanto o fogo se extingue lentamente e os Hatam silenciam, a escuridão começa a brilhar, misteriosamente, aqui e ali, como as estrelas da Via Láctea.
Camadas de névoa fosforescente parecem estacionadas sobre vários pontos acima do chão da floresta. Quanto mais os olhos se acostumam à estranha luz, mais eles distinguem os contornos de galhos e folhas.
A luz é produzida por bactérias e micélios (conjunto de talos ou filamentos emaranhados de um fungo), que decompõem substâncias mortas no chão da floresta, como um subproduto de seu metabolismo. Com essa imagem diante de mim, finalmente adormeço.
Por volta das quatro horas da manhã, a fumaça acre de um fogo recém-alimentado me acorda. É hora de partir.
Guiado por um dos papuas, abro meu caminho, auxiliado pela luz de uma lanterna, em meio à cerrada mata tropical. Meu companheiro quer me levar a uma dessas estranhas criaturas emplumadas: o motivo de minha viagem.
Todo habitante nativo sabe onde encontrar esses pássaros, pois eles estão sempre no mesmo lugar, ao menos de manhã cedo.
Em aproximadamente de uma hora chegamos a um esconderijo de observação, que meu guia construiu para mim no dia anterior com folhas da árvore-samambaia (Cyathea cooperi).
Ele fecha a entrada cuidadosamente atrás de mim, com a vegetação. Depois retorna ao acampamento. Combinamos que voltaria em quatro horas para me buscar.
Passados 30 min, ouço os primeiros pios de um passarinho que anuncia a chegada de um novo dia. Uma hora mais e a luz do sol conseguirá atravessar a densa copa das árvores, e iluminará o chão da floresta.
Mas o que acontece por volta das seis horas teria me assustado, se eu não tivesse sido preparado para isso.
Do matagal ao redor do meu esconderijo saem os sons mais estranhos que já escutei. De longe, parecem chocalhos e timbales, violinos, saxofones e címbalos, como se metais estivessem sendo ruidosamente friccionados uns contra os outros, ou como se alguém estivesse jogando um punhado de pedrinhas contra uma vidraça, ou ainda como se um ventríloquo quisesse apresentar seus sons guturais.
Todos esses ruídos são emitidos por uma ave do gênero Ptilonorhynchidae macho. Mas o que escuto não é, de forma alguma, o canto próprio de uma determinada espécie, como ocorre com a maioria dos passarinhos.
Também não se trata de imitações de sons estranhos, como fazem os papagaios ou os estorninhos. São criações acústicas, características dessa espécie de aves, perfeitamente comparáveis a qualquer composição musical de vanguarda.
Cada macho dessa espécie de aves é um músico inato, com sua própria nota musical, como demonstram as gravações feitas no decorrer dos anos pelo zoólogo Thomas Schultze-Westrum.
Na luz solar, que agora penetra cada vez mais intensamente pela floresta, finalmente consigo ver o músico emplumado por um dos pequenos orifícios de espreita, em meu esconderijo.
E observo como ele bate sonoramente com as asas contra folhas largas, ou agita rapidamente pauzinhos uns contra os outros.
Portanto, ele não utiliza apenas sua garganta como instrumento musical, também "instrumentos" do mato.
O concerto matutino termina tão subitamente como começou. Olho para determinada clareira de uns poucos metros quadrados, que parece ter sido varrida.
Não há sequer uma folha em lugar algum. Na extremidade dessa área limpa vejo uma estranha construção, de cerca de 1 m de altura, que se ergue em linhas perfeitamente curvas, como um diminuto pagode.
A edificação, visivelmente planejada, é formada por centenas de galhos e gravetos muito finos, e erigida ao redor do tronco de uma árvore jovem, o elemento central de sustentação da estrutura.
Uma larga abertura na ampla base do "caramanchão" leva ao seu interior escuro. Na frente da entrada, a ave instalou um "jardim", de alguns metros quadrados, decorado com flores e frutos silvestres.
E então o famoso Amblyornis inornatus surge em cena, discreto, mais ou menos do tamanho de um melro, de cor amarronzada.
No bico carrega uma brilhante flor cor de laranja, que desabrochou lá em cima, no dossel da floresta.
ave deposita seu troféu, criteriosamente, sobre um "canteiro" cercado de flores idênticas. Depois se dirige saltitante a um outro sulco escavado na terra, onde estão depositados polidos frutos silvestres pretos, do tamanho de tâmaras, enfeitado com pequenas sementes reluzentes amarelas e vermelhas.
Depois de observar esse arranjo durante algum tempo, e por todos os ângulos possíveis, ele começa a rearranjá-lo, e reposiciona ligeiramente as sementes.
Sua concentração nessa tarefa é tão grande quanto a de um discípulo do Zen-Budismo ao mergulhar na arte de Ikebana de arranjos florais.
Os canteiros do pequeno jardim se estendem até a entrada do caramanchão. Colagens de frutos de uma cor metálica preta, bem como flores azuis e violetas se somam à beleza do arranjo.
Diversas vezes o pássaro desaparece durante vários minutos no interior de seu castelo de gravetos.
Então, depois de ter eliminado algumas folhas murchas de seu jardim, e arrancado duas minúsculas mudas de árvore do chão, ele sai voando floresta adentro.
Saio do esconderijo e inspeciono com uma lanterna o impressionante interior do caramanchão. As paredes são cuidadosamente forradas com musgos, líquenes e asas lindamente coloridas de besouros, o pássaro colou tudo isso no lugar com resinas de árvores.
Nos dias seguintes, os papuas nos levam a outras instalações de Amblyornis inornatus. Inspecionamos seis delas de forma mais detalhada. Cada uma revela ser uma criação única, tão individual quanto as composições sonoras de seus donos.
Na verdade, nem todas as espécies desses "jardineiros" emplumados têm vocação para o desenvolvimento da beleza artística, alguns deles são mais puristas.
São pássaros que, por exemplo, depositam uma única grande flor vermelha, ou um cogumelo rubro como fogo, sobre uma base preta como ébano, composta de frutos, ou sobre um mosaico cuidadosamente arranjado de restos de carvão vegetal, arrebatados de alguma fogueira de acampamento, ou de áreas desmatadas e queimadas pelos papuas.
A cor de base da maioria das colagens parece ser o preto. E impressiona o fato de que os frutos só adquirem sua tonalidade escura depois de algum tempo, a partir de uma cor verde original, e isso somente depois de terem sido colocados nos "jardins".
Em um deles nossa atenção recai sobre uma linha enfileirada de frutos vermelhos sobre uma base escura. Ao lado, lindas linhas arqueadas em azul e vermelho.
O canteiro dá a impressão de ser um quadro. As "linhas" não passam de fios das sacolas tipo rede que as mulheres papuas trançam com fibras naturais tingidas.
Os papuas constroem outro "observatório" na frente do jardim de um purista emplumado. Aqui, quero fazer um teste. Comparativamente, o jardinzinho é muito simples.
Talvez ainda incompleto. Embora à direita da entrada do caramanchão o pássaro tenha construído uma área preta de carvão, não há nenhuma decoração.
À esquerda, já na entrada, descubro duas pilhas com invólucros azuis, que o passarinho deve ter trazido no bico de algum assentamento papua.
Enquanto observo como ele limpa seu jardim, eliminando folhas mortas e mudinhas indesejadas, atiro meu relógio com uma pulseira sintética azul tão longe quanto possível, rumo ao centro da clareira.
Imediatamente, o pássaro se lança sobre o objeto e, como este provavelmente é pesado, ou desajeitado demais para ser transportado com o bico, a ave o arrasta penosamente até a área preta de carvão, diante do caramanchão.
Depois voa para uns galhos baixos e analisa o conjunto de sua obra das mais variadas perspectivas. Meu relógio é reposicionado diversas vezes, até aparentemente estar no lugar desejado.
Hoje em dia, os pássaros aproveitam o lixo da civilização dos vilarejos para enriquecer seus repertórios artísticos.
Gosto da colagem resultante, mas o pássaro, pelo jeito, continua insatisfeito. Decidido, ele arrasta o relógio para o lado das embalagens azuis de pilhas. É lá que, finalmente, o deixa, até eu o pegar de volta.
Infelizmente, me foi negado ver como o artista é recompensado por seu trabalho. Afinal, todo o esforço desses pássaros, tanto as composições musicais, como as artísticas, não são simplesmente uma questão de arte pelo prazer da arte.
Ao contrário: é assim que eles tentam seduzir as fêmeas. Eles constroem, orquestram e praticam paisagismo para despertar os desejos de acasalamento em uma fêmea. Lamentavelmente, nenhuma delas apareceu voando diante do meu esconderijo.
Até onde se sabe, a maioria dessas espécies de aves é polígama. Portanto, os caramanchões dos machos estão abertos a qualquer fêmea interessada; e graças a essa intensidade de namoro, bastam apenas uns poucos machos em cada geração para garantir a continuidade da espécie.
Os caramanchões destinam-se apenas à sedução e ao acasalamento; o ninho para chocar é construído pelas fêmeas, em um lugar seguro, muito acima do chão da floresta, na densa folhagem da cobertura das árvores.
Geralmente, elas também criam os filhotes sozinhas, enquanto o macho continua elaborando seu caramanchão, cuidando dos jardins e esperando pela nova parceira.
Minhas observações, e especialmente o desfecho de meu pequeno experimento, me convencem de que os passeriformes estão bem mais capacitados para agir livre e criativamente, do que foi determinado por suas características e orientações genéticas.
Essa suposição é apoiada pelas verificações de Joah Madden, da Universidade de Sheffield.
Em suas experiências de campo, Madden constatou que os machos do gênero Chlamydera maculata não aceitam frutos que lhes são oferecidos para incorporar às suas decorações.
Além disso, quando ele depositava suas oferendas diretamente na frente do caramanchão, os concorrentes atacavam e destruíam as construções, roubando os enfeites.
Esse comportamento levou Madden a concluir que reina uma hierarquia entre os machos, e que os pássaros têm uma espécie de "consciência" de seu lugar nesse ordenamento.
Cada caramanchão é construído de acordo com a posição do macho na escala hierárquica. Segundo o cientista, "quando um macho se exibe demais, ele é colocado brutalmente em seu lugar"
Em meados do século XIX, quando pesquisadores viajantes e aventureiros encontraram pela primeira vez essas estranhas construções aviárias, com seus jardinzinhos, eles julgaram tratar-se de casinhas de brinquedo das crianças papuas.
Foi somente o colecionador de pássaros italiano Odoardo Beccari quem reconheceu as criações artísticas como sendo obras do Amblyornis inornatus.
Beccari escreveu, entusiasmado, sobre a ave: "A paixão por flores e jardins é um sinal de bom gosto e uma forma de vida refinada".
Desde então, biólogos têm esclarecido, de modo convincente, que características exclusivamente humanas como a fala, a socialização ou a noção de família, aparentemente resultam de um longo processo evolucionário.
Embora talento musical e vocação para a criação artística possam figurar mais ou menos intensamente em diversos dos nossos parentes animais, tomando-se o caso dos Amblyornis inornatus fica claro que essas não são conquistas exclusivamente humanas, outras criaturas também podem desenvolvê-las.
São conhecidas pelo menos 19 espécies de passeriformes, todas endêmicas da Nova Guiné e da Austrália.
O tipo de construção dos caramanchões é diferente entre as espécies, porém praticamente todas são "jardineiras".
O macho do Scenopoeetes dentirostris, por exemplo, corta com os cantos do seu bico, parecidos com dentes, folhas de determinadas árvores e as deposita no chão da floresta, em um lugar previamente muito bem limpo, de cerca de 1,5 m de diâmetro.
Depois, ele passa a substituir as folhas murchas por outras novas e frescas. O pássaro também cerca essa área com um "muro" de gravetos entrelaçados.
Outras espécies, por sua vez, enfeitam seus quintais com cascas vazias de caracóis e asas de besouros.
A ambição artística do Amblyornis macgregoriae é, contudo, ainda maior. Usando milhares de gravetos e galhos pequenos ele constrói, em volta de uma muda de árvore, em meio a uma grande depressão forrada de musgos, um edifício parecido com uma árvore, que pode atingir mais de 1 m de altura e é ornamentado com enfeites naturais.
Para o ornitólogo inglês Derek Goodwin, o caramanchão do Amblyornis subalaris, descoberto em 1884, na cordilheira Owen-Stanley, da Nova Guiné, era a mais linda construção que um pássaro jamais poderia ter erguido em qualquer circunstância.
Por cima desse caramanchão é montado um telhado, parecido com uma barraca, de cerca de 1 m de diâmetro.
Os materiais de construção utilizados formam uma colorida mistura de fibras de árvores, folhas, frutos silvestres, asas de besouros e flores de orquídeas.
O quintal, forrado de musgos, é criteriosamente coberto de flores e frutos, que a ave renova constantemente com artigos frescos.
Algumas espécies, por fim, dedicam-se à construção de alamedas. Sobre uma base de fibras de plantas e gravetos entrelaçados, elas erguem, também com galhos emaranhados, duas paredes verticais paralelas que vão afunilando.
As paredes distam apenas o suficiente para que seus construtores consigam passar apertadamente pela "alameda", de laterais ornadas com uma variedade de objetos coloridos, inclusive ossos desbotados e, eventualmente (mediante disponibilidade), carapaças de siris e brilhantes cascas de mexilhões.
Dois construtores de alamedas, o Sericulus chrysocephalus, ave de reluzente coloração preta e amarela, e o Ptilonorhynchus violaceus, popularmente chamado de pássaro-cetim, até pintam seus caramanchões, com pincéis!
O macho azulado do Ptilonorhynchus violaceus, que tem uma predileção por tudo o que é azul, faz sua mistura de cores com pedacinhos de carvão, frutos silvestres azuis esmagados e saliva; depois segura no bico um pedacinho de graveto desfiado, instrumento com o qual aplica a tinta nas paredes de sua casa.
Mas como flores e frutos silvestres azuis são raros nas matas tropicais, esse pássaro, nativo da região Leste da Austrália, serve-se há bastante tempo de toda forma de lixo da civilização.
Em assentamentos, nas ruas e áreas de escape das rodovias, em zonas protegidas da natureza, ele coleta tudo o que seres humanos jogam fora ou abandonam, desde que seja azul e transportável.
Por isso, é possível encontrar nos arranjos diante dos caramanchões artigos como canetas esferográficas, tampas de garrafas, canudos, embalagens de filmes, prendedores de roupa e até balas e remédios.
Em meados do século XIX, os ornitólogos Alan John Marshall e E. Thomas Gilliard descreveram, pela primeira vez, como a Evolução poderia ter transformado pássaros em arquitetos paisagistas.
Segundo eles, os passeriformes são descendentes das aves-do-paraíso, e ainda hoje são estreitamente vinculados a elas.
Enquanto os machos das aves-do-paraíso podem exibir sua magnífica plumagem durante o procedimento de sedução e o subsequente acasalamento, os machos do Amblyornis inornatus dependem da primorosa "arte arquitetônica" de seus caramanchões do amor.
Assim, de acordo com a definição biológica, essas obras de arte seriam características sexuais masculinas secundárias, transferidas a objetos coletados nas redondezas.
Para os pesquisadores, machos dessa espécie, donos dos impressionantes caramanchões e jardins, exibem não apenas uma plumagem, mas também um comportamento simples e discreto.
O Chlamydera nuchalis ainda ostenta restos da plumagem sedutora de suas ancestrais aves-do-paraíso: um penacho cor-de-rosa na nuca, que ele exibe orgulhosamente à fêmea durante o processo de sedução, ao girar a cabeça sem parar.
Esse movimento com o pescoço também é executado pelo macho do Chlamydera cerviniventris durante a sedução da parceira, embora ele não tenha mais plumagem alguma para exibir. Suas penas coloridas já desapareceram há tempos.
Pesquisadores evolucionários acreditam que essa formação retrógrada oferece uma vantagem aos passeriformes, no sentido do princípio de seleção darwiniano; ou seja, ela os tornou menos atraentes aos olhos aguçados das numerosas aves de rapina das florestas tropicais úmidas.
Segundo minhas observações, esta não é uma constatação convincente, pois com seus chamativos caramanchões e jardins, construídos em clareiras, eles estão tão expostos e vulneráveis como seus parentes exuberantes, as aves-do-paraíso.
Acho mais provável que a noção de beleza e o senso artístico dos passeriformes não seja, ou não seja apenas, o resultado de simples mecanismos evolucionários.
Aparentemente, no decorrer da evolução amadureceu nessas aves uma capacidade de sobrevivência e uma habilidade para a criação artística.
Quando o autor Uwe George ofereceu seu relógio de pulso como elemento de decoração, o pássaro primeiro o colocou no meio do tablado de carvão, mas isso pareceu não lhe agradar. Após minuciosa análise, ele mudou a decoração e colocou o relógio perto de uma pilha azul
O fato de justamente a Nova Guiné ter produzido obras de arte evolucionárias tão magníficas como as aves-do-paraíso e os passeriformes, não é coincidência, e sim consequência de condições geológico-tectônicas especiais e de suas resultantes características topográficas e climáticas. Enfim, eles foram uma resultante dos impulsos básicos da Evolução como um todo.
Do ponto de vista geológico, esta ilha, a segunda maior do mundo, e também a mais elevada, situa-se na extremidade setentrional da Placa Tectônica Australiana, que apresenta uma forte inclinação rumo ao norte.
Nesse processo, ela colide com partes das placas que formam o leito do Oceano Pacífico, empurra fragmentos continentais, ilhas vulcânicas e pedaços do leito marinho profundo à sua frente, erguendo e dobrando-os ao longo da margem setentrional da Placa Australiana, dando origem a imponentes cordilheiras montanhosas.
Na Nova Guiné, fragmentos das placas tectônicas da Terra se erguem a mais de 5.000 m de altitude, formando cristas e espinhaços, desfiladeiros de profundidade estonteante, em cujas bases turbilhonam águas selvagens.
O clima nas regiões costeiras, com seus pântanos, manguezais e florestas úmidas de terras baixas, praticamente na Linha do Equador e banhada por mares tropicais, é quente e úmido.
No interior das florestas, a umidade relativa do ar é, constantemente, de 100%, e as montanhas íngremes forçam uma rápida ascensão das massas de ar.
Em consequência disso, ocorrem precipitações monumentais: chuvaradas de até 8 mil mm por ano nas terras baixas.
E no interior acidentado da ilha é provável que cheguem a cair mais de 10 m (10.000 mm) de água anualmente.
Nas altitudes acima de 3.800 m neva regularmente, e em alguns lugares das altas montanhas existem geleiras.
Neste isolamento topográfico e climático, surgiram, em apenas poucos milhões de anos, como fogos de artifício da Evolução, milhões de espécies de plantas e animais.
Até os homens primitivos, que chegaram à ilha em tempos ancestrais cederam à pressão dessas transformações.
Em um tempo relativamente curto eles se dividiram em numerosas tribos e grupos, e ocuparam todo o espaço habitável.
Esperando: o líder da expedição de GEO UWE GEORGE observou os passeriformes de dentro de esconderijos montados pelos papuas, com enormes folhas de árvores-samambaia
Tal diferenciação se traduz nos mais de 740 idiomas, no estilo de construção das cabanas e casas, na rica diversidade das pinturas nos corpos e rostos, na fantasia, e nos arranjos ornamentais de plumas - com penas de aves-do-paraíso.
Em um estágio de desenvolvimento cultural da Evolução biológica como esse, reconheço o mesmo mecanismo que produziu as admiráveis habilidades artísticas e a impressionante individualidade dos passeriformes.
Fonte: Revista GEO
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