Estudo contraria teoria de que mal surgiu na época das grandes navegações; data provável seria de 16,5 mil a 5 mil anos atrás.
Mas pesquisadores brasileiros questionam o consenso e apontam uma origem mais antiga: a sífilis teria emergido entre 16,5 mil e 5 mil anos atrás.
O estudo, divulgado na revista Public Library of Science Neglected Tropical Diseases (www.plosntds.org), propõe um método inovador: a conjugação de duas ciências - a paleopatologia e a genética - para desvendar a história das doenças infecciosas.
Basta visitar a sala da bióloga Sabine Eggers, na USP, para compreender o que é a paleopatologia. As bancadas estão cobertas por ossos humanos coletados em um sambaqui catarinense. Carregam informações valiosas sobre o modo de vida dos povos que habitaram a região há três mil anos.
Sabine mostra a tíbia de um indígena que conviveu com a sífilis. Na fase mais avançada da doença, os ossos sofrem danos.
O volume da tíbia costuma aumentar - uma consequência do tecido ósseo que tenta se regenerar - e assume a forma curva, comparada muitas vezes à lâmina de um sabre. Apesar do tempo, as marcas continuam ali. "No crânio, é ainda mais evidente", diz Sabine, indicando as lesões características da sífilis.
A ideia da pesquisa surgiu quando Sabine lecionava a disciplina Variabilidade biológica do Homo sapiens para os alunos da pós-graduação do Instituto de Biociências da USP.
Uma das propostas do curso era estudar a origem da sífilis com base nos registros paleopatológicos. Mas o doutorando Fernando Lucas de Melo sugeriu acrescentar mais uma ferramenta: a análise filogenética.
Três doenças são causadas por diferentes subespécies da bactéria Treponema pallidum: sífilis, bouba e bejel.
Fernando sabia que, com programas de computador, seria possível comparar o genoma das três subespécies e estimar a taxa de evolução necessária para que elas se diferenciassem, dando origem às diferentes doenças.
A análise filogenética serviria assim para confirmar ou descartar as hipóteses já validadas pela paleopatologia.
Sob a coordenação de Sabine, as alunas Joana Moreira de Mello e Ana Maria Fraga realizaram uma pesquisa exaustiva dos artigos já publicados com indícios arqueológicos de doenças causadas por Treponema antes da chegada de Colombo à América.
Encontraram 128 registros ao redor do mundo. Os locais onde os ossos foram encontrados tornaram-se referenciais em um mapa do Google Maps.
Os estudos levantados pelas duas alunas validaram as três hipóteses principais já formuladas para a data de surgimento da sífilis.
Melo e a doutoranda Kelly Nunes testaram-nas também em programas de computador usados para análise filogenética.
Ficou claro que apenas uma hipótese gozava de verossimilhança: a sífilis teria surgido há, no mínimo, cinco mil anos.
A hipótese da origem recente da doença no Novo Mundo, próxima à época das grandes navegações, revelou-se improvável, pois exigiria uma taxa de evolução muito alta do microrganismo.
Na realidade, mesmo a revisão de artigos em paleopatologia já oferecia obstáculos à essa hipótese: em 1994, um estudo apontou evidências históricas de um caso francês de sífilis congênita já no século 4º.
"Mas ainda não conseguimos descobrir em qual continente a doença surgiu", afirma Sabine. Ela aponta a necessidade de uniformização dos critérios para diagnóstico de sífilis e outras treponematoses para aumentar a confiabilidade das análises.
Estudar como as doenças surgiram e se espalharam pelo mundo pode trazer informações valiosas sobre a evolução futura das patologias.
O método criado pelos brasileiros também poderá servir para analisar outras doenças como tuberculose e hanseníase.
Fonte: Estadão
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