segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CIA ensinou truques de mágica a seus agentes secretos durante a Guerra Fria

Mão esquerda abaixada para a ação, imediatamente após o fósforo ser riscado e distrair alvo



Precisa colocar uma pílula secreta na bebida de um chefe de Estado sem ser percebido? O truque é agir com movimentos calmos, distraindo seu alvo com outra ação espontânea, em um cenário preparado com antecedência. Ou seja, da mesma maneira que um mágico enganaria sua plateia.

Esse é o espírito das lições que foram passadas aos agentes secretos norte-americanos pelo ilusionista profissional John Mulholland, em um “manual” ultrassecreto escrito a pedido do governo dos EUA no auge da Guerra Fria – e que agora, seis décadas depois, foi divulgado por pesquisadores norte-americanos.

"CIA - Manual Oficial de Truques e Espionagem" (Lua de Papel, R$ 34,90), publicado no Brasil este mês, é o resultado da pesquisa dos especialistas H. Keith Melton e Robert Wallace, responsáveis por encontrar a única cópia de que se tem notícia destes textos.


Fim do “jogo limpo”



O livro conta que durante a década de 1950, o acirramento da tensão entre os americanos e a União Soviética levou os EUA a revisarem os procedimentos de sua recém-criada agência de inteligência.


Um objeto é passado sob a camuflagem de outro. As posições do doador e do receptor deixam a troca fácil, garantida e imperceptível



“Se os Estados Unidos quiserem sobreviver, os sagrados conceitos norte-americanos de ‘jogo limpo’ devem ser reconsiderados.

Devemos aprender a subverter, sabotar e destruir nossos inimigos mediante métodos mais engenhosos, mais sofisticados e mais eficazes do que aqueles utilizados contra nós”, defendia um relatório militar entregue ao presidente Dwight D. Eisenhower em 1954.

Os EUA se sentiam ameaçados por uma potência soviética que não hesitava em matar lideranças políticas e perseguir civis quando era conveniente.

Em resposta, aplicou uma postura ofensiva. “As ações clandestinas da CIA se expandiram da Europa para Oriente Médio, África, América Latina e Extremo Oriente”, contam os autores.

Essa expansão coincide com o desenvolvimento do MKULTRA, um dos programas mais delicados da Guerra Fria, que acabou englobando 149 subprojetos e se manteve como um dos segredos mais bem guardados da CIA por mais de 20 anos.


Pílulas, pós e ilusionismo



O objetivo dessas agências era pesquisar e desenvolver produtos químicos, biológicos e radioativos com efeitos no comportamento – inclusive almejando algum tipo de “controle da mente”.

Manipulação e experiência psicofarmacêutica com humanos (nem sempre cientes de sua participação na “pesquisa”) era parte do trabalho, como a CIA reconheceria mais tarde.

Parte dessa pesquisa não levou a conclusões aplicáveis – caso da aplicação monitorada de LSD, por exemplo – e houve inclusive mortes relacionadas a tais experimentos. Mas ao mesmo tempo a CIA começava a ter pós, líquidos e pílulas tóxicas a seu alcance.


Mão esquerda abaixada pode colocar produto no copo, enquanto um cigarro chama a atenção do interlocutor


Independente de seu propósito final, escrevem os autores, as substâncias químicas da CIA “seriam operacionalmente inúteis se os oficiais de campo não conseguissem aplicá-las de modo velado”.

É nesse momento que o mágico John Mulholland faz sua estreia no mundo da espionagem: sua tarefa era ensinar truques de ilusionismo para os agentes secretos.

“Mulholland aceitou US$ 3 mil para escrever o manual e a CIA aprovou a despesa como Subprojeto MKULTRA número quatro, em 4 de maio de 1953”.


“Aplicações operacionais da arte da fraude”



“O objetivo deste trabalho é ensinar o leitor a executar diversas ações de modo secreto e indetectável. Em resumo, aqui estão instruções a respeito de fraudes”, escreve Mulholland no início de seu primeiro manual.

“Qualquer tipo de movimento atrai atenção (...) e a trapaça depende de não chamar a atenção para o método da performance. Os mágicos não utilizam a velocidade em suas ações”, ensina o ilusionista.

Ainda no primeiro capítulo, o mágico busca convencer o leitor a descartar as ideias “falsas” sobre o ilusionismo.

“O grande mito a respeito de todas as trapaças é que existe um único segredo que explicará como cada truque é executado”, escreve Mulholland. “O fato é que existem diversas maneiras de se executar essa mágica.”

O livro prossegue com capítulos como “manuseio de pílulas”, “manuseio de pós”, “retirada furtiva de objetos” e “como trabalhar em equipe”.

Ao final do volume, os autores compilam também um segundo “manual secreto” do mágico, mais curto, no qual Mulholland se dedica a descrever sinais para reconhecimento entre agentes que trabalham juntos.

Hoje, com toda a parafernália tecnológica à disposição de civis e agentes secretos, as técnicas de Mulholland ainda têm importância?

“A tecnologia muda e evolui, pode diferir de cultura para cultura, ainda assim os princípios da trapaça e da fraude são eternos”, afirmou Wallace ao UOL Notícias. "Mulholland teria se deliciado com os 'truques' sofisticados que agora são possíveis com o avanço nos materiais, miniaturas e eletrônicos."



Fonte: UOL

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