segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Escavações no Piauí podem revelar hiato da ocupação humana nas Américas

A arqueóloga e professora da UFMG Maria Jacqueline Rodet e a mestranda Deborah Duarte analisam material proveniente de Buritizeiro


Antropólogos se perguntam como teria ocorrido a suposta troca de uma população pré-histórica por outra no continente. Esqueletos achados no Parque Nacional da Serra das Confusões, que datam entre 5 mil e 8 mil anos atrás, podem fornecer resposta.

Sepultamentos descobertos no Parque Nacional da Serra das Confusões (PI) podem reforçar a busca por respostas para um hiato que marca as pesquisas sobre a ocupação humana nas Américas.

Há décadas, antropólogos se perguntam como teria ocorrido a suposta substituição de uma população pré-histórica por outra no continente.

A tese surgiu com os estudos do crânio de Luzia, descoberto nos anos 1970 e considerado como sendo da primeira brasileira, além de o primeiro fóssil humano das Américas.

A jovem mulher, que viveu há aproximadamente 11 mil anos na região cárstica (tipo de relevo caracterizado pela corrosão de rochas) de Lagoa Santa (MG), tinha feições negroides e era, provavelmente, descendente da primeira migração da Ásia, com características distintas dos índios modernos.

Equipes da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) empreenderam prospecções em 2008 e 2009, que resultaram no cadastro de 110 sítios arqueológicos.

Em dois deles - Toca do Enoque e Toca do Alto da Serra do Capim -, escavações revelaram esqueletos de adultos e crianças e fragmentos de ossos humanos queimados.

A importância da descoberta está nas primeiras datações, obtidas recentemente: entre cerca de 5 mil e 8 mil anos atrás.

É justamente durante essa faixa cronológica que os pesquisadores acreditam que uma população com as características mongoloides dos povos indígenas brasileiros passou a habitar o continente.

Os estudos mais avançados nessa direção estão sendo coordenados por professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a partir de esqueletos encontrados no sítio Caixa D"Água, em Buritizeiro, no norte do Estado.

Descoberto no início dos anos 1980, o sítio teve a exploração encerrada em 2007. De lá foram retirados 45 esqueletos adultos, encaminhados para o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo (LEEH/USP), responsável por indicar as características morfológicas desses antigos americanos.

"Quase que não há esqueletos conhecidos no Brasil nessa faixa (entre 5 mil e 8 mil anos atrás). Existem esqueletos muito mais antigos, que são aqueles da Lagoa Santa, geralmente entre 8 mil e 10 mil anos, com uma morfologia diferente dos índios atuais", observou o arqueólogo francês André Prous, uma autoridade no assunto.

No início dos anos 70, Prous integrou a Missão Franco-Brasileira que desenterrou na Lapa Vermelha, na cidade de Pedro Leopoldo (MG), o crânio de Luzia. "Buritizeiro e a Serra das Confusões estão preenchendo esse vazio."

A arqueóloga Gisele Daltrini Felice, uma das responsáveis pelas descobertas no sudoeste do Piauí, ressalta que serão realizados os estudos específicos de antropologia física em todos os esqueletos humanos encontrados.

Análises de DNA estão sendo realizadas na França para a verificação da existência entre relações de parentesco dos diversos indivíduos encontrados.

Os recentes trabalhos arqueológicos fazem parte de uma extensão do projeto Origem e Evolução Migratória dos Primeiros Grupos Humanos na região, antes concentrado no Parque Nacional da Serra da Capivara.

Nesse parque, na Toca dos Coqueiros, foi localizado um esqueleto com as mesmas características físicas de Luzia, datado entre 9 mil e 11 mil anos atrás.

"A importância dos achados está na possibilidade de verificação do tipo físico, além de se obter dados sobre diferentes rituais funerários tanto para um mesmo grupo como para identificar diferentes núcleos que ocuparam as Serras da Capivara e das Confusões", disse Gisele.

"O interessante é que na Serra das Confusões o tipo de enterramento é muito diferente do que a gente tinha encontrado até agora."

São Francisco. Os trabalhos, sob a coordenação de Niède Guidon - outra autoridade em pré-história sul-americana -, projetam uma fronteira de pesquisas na Região Nordeste do País.

A partir do sítio de Buritizeiro, os cientistas esperam consolidar nos próximos anos um conjunto de importantes informações a respeito da evolução do homem pré-histórico no chamado Brasil Central (região do Cerrado, que compreende o centro-norte de Minas, o sudoeste baiano, Tocantins e Goiás) e no povoamento do Vale do Rio São Francisco durante o período médio do holoceno (época geológica que começou há cerca de 11 mil anos e se estende até hoje).

Trabalhos interdisciplinares pretendem reconstruir não só as características físicas, mas o ambiente, os costumes, as técnicas e o cenário onde vivia o Homem de Buritizeiro - como já foram apelidados os esqueletos encontrados na cidade mineira, apesar de os pesquisadores torcerem o nariz para a denominação.

Vestígios encontrados nas sepulturas indicam que essa população, que provavelmente vivia acampada à margem do São Francisco, já dominava rústicas técnicas de processamento de alimentos.

Nos sepultamentos, as ossadas estavam acompanhadas de materiais líticos (rochas lascadas ou polidas) e pontas feitas de ossos de mamíferos.

A suspeita dos cientistas é que, além de caçadores, coletores e pescadores, os habitantes dessa época também dominavam técnicas de navegação.


Fonte: Estadão

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