segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Mistério inca se mantém vivo nos Andes

Aldeia no Peru guarda os quipos, nós de fios de lã usados como linguagem escrita.


O caminho para essa aldeia a 4,2 mil metros de altitude se desenrola a partir da costa desértica por curvas estreitas.

Os condores voam nas alturas sobre os picos envoltos em névoa. O isolamento de Rapaz permitiu que a aldeia guardasse um mistério arqueológico milenar: uma coleção de quipos, os nós de fios de lã que podem explicar como os incas - diferentemente dos seus contemporâneos da dinastia Ming na China - governavam um vasto império sem possuírem uma linguagem escrita.

Os arqueólogos afirmam que os incas, dominados pelos conquistadores espanhóis em 1533, usavam os quipos - prática que aparentemente permitia que eles se comunicassem desde o que é hoje o norte da Colômbia até o norte do Chile por cerca de 300 anos.

Poucas das chamadas "escritas perdidas" do mundo foram consideradas tão desanimadoras para quem tentou decifrá-las como os quipos.

Pesquisadores de Harvard usam bancos de dados e modelos matemáticos em seus recentes esforços para compreender o quipo, que significa "nó" em quíchua, a linguagem inca ainda hoje falada por milhões de pessoas nos Andes.



Calcula-se que tenham chegado até nós cerca de 600 quipos. Os colecionadores retiraram do Peru muitos dos remanescentes há várias décadas -cerca de 300 deles se encontram atualmente no Museu Etnológico de Berlim.

Mas Rapaz, onde moram aproximadamente 500 pessoas que subsistem do pastoreio de lhamas e gado e de culturas como o centeio, guarda uma das últimas coleções ainda usadas em rituais. "Sinto meus ancestrais falando comigo quando olho para o quipo", afirmou a pastora Marcelina Gallardo, de 48 anos.

Mesmo aqui, ninguém afirma compreender a sabedoria codificada nos quipos da aldeia, que são guardados em uma casa cerimonial chamada Kaha Wayi.

Os intricados colares são decorados com nós e figuras miúdas, algumas das quais têm até minúsculas sacolinhas cheias de folhas de coca.

Mudanças. Aparentemente, os rapacinos, como os aldeões são chamados, perderam a capacidade de decifrar seus quipos quando seus ancestrais morreram, muito tempo atrás, mas os estudiosos afirmam que o seu uso pode ter continuado na aldeia até boa parte do século 19.

Apesar da difícil geografia de San Cristóbal de Rapaz, estão ocorrendo mudanças no ritmo de vida da aldeia que poderão alterar o relacionamento dos rapacinos com seus quipos.



A ameaça mais imediata é a penetração de seitas evangélicas, que consideram os rituais com os quipos um sacrilégio pagão.

Longe de Rapaz, a tentativa de decifrar o mistério enfrenta outros problemas. Os estudiosos afirmam que não dispõem do equivalente a uma Pedra de Rosetta, a peça de granito cujas gravuras em grego foram usadas para decifrar os hieróglifos em egípcio antigo.

Em Rapaz, os aldeões ainda guardam seus quipos como os descendentes dos ocidentais talvez um dia guardem pedaços da Bíblia ou outros documentos, se a civilização atual desaparecer.

"Eles precisam permanecer aqui porque pertencem ao nosso povo", afirmou Fidencio Alejo Falcón, de 42 anos. "Nós nunca os cederemos a quem quer que seja."


TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA


Fonte: Estadão/NY Times

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