Em 1947, notícias sobre discos voadores nos EUA provocaram visões de estranhos objetos no Brasil.
Naquele dia, o empresário norte-americano Kenneth Arnold (1915-1984) pilotava seu avião particular próximo ao Monte Rainier, no estado de Washington, quando se surpreendeu com a presença de estranhos objetos voadores.
Segundo ele, eram do tamanho de um avião, mas tinham forma semelhante a bumerangues e voavam em grande velocidade, superior à de qualquer engenho humano conhecido.
Além disso, faziam movimentos ondulares, parecidos com o que acontece quando se joga um disco sobre a superfície da água.
No dia seguinte, o relato de Arnold foi publicado em um pequeno jornal local. Mas o piloto não foi bem compreendido.
Ao redigir a curiosa notícia, o jornalista se confundiu e escreveu que os objetos tinham forma de disco. Não houve tempo para que o erro fosse corrigido.
Poucas horas depois, centenas de jornais dos Estados Unidos reproduziram a história, e a maioria lançou mão da expressão recém-criada: flying saucer. Traduzido literalmente, o termo significa “pires voador”. No Brasil, viraria “disco”.
O caso Arnold provocou grande discussão. Vivia-se o início da Guerra Fria, tensão mundial que opôs os blocos comunista e capitalista.
Muitas pessoas imaginaram, inclusive o próprio piloto, que os inusitados objetos poderiam ser artefatos militares secretos fabricados pelos Estados Unidos ou pela União Soviética.
Apenas três meses antes, o presidente americano, Harry Truman (1884-1972), havia feito um duro discurso em que defendia uma política de contenção da expansão soviética na Europa.
Além disso, vários países estavam em plena concorrência para bater o recorde de velocidade dos aviões.
Em meio à polêmica, centenas de norte-americanos começaram a “ver” os discos voadores tão comentados pelos jornais.
A maioria das descrições não se assemelhava à história original de Arnold, ou seja, as aeronaves não pareciam bumerangues. Sob influência da imprensa, as testemunhas enxergavam objetos em forma de disco.
No dia 8 de julho, a Força Aérea dos Estados Unidos chegou a anunciar a captura de um “disco voador” na cidade de Roswell, no Novo México.
Publicada imediatamente em vários países, a notícia frustrou expectativas quando foi desmentida no dia seguinte.
Segundo a explicação oficial, tratava-se apenas de um balão de pesquisas meteorológicas. A versão foi aceita sem grandes questionamentos pela imprensa da época.
As notícias sobre aparições de discos voadores nos Estados Unidos chegaram quase que imediatamente ao Brasil. E, como em outros lugares, provocaram uma série de relatos.
O primeiro a ganhar destaque nos jornais, no início de julho de 1947, era especialmente estranho. No Rio de Janeiro, a professora Micaela da Rocha Casali – descrita como confiável pelos repórteres – disse ter visto no céu várias “manchas em forma de discos de vitrola”.
Ao se aproximarem, essas luzes foram se apagando, como chamas de vela que tivessem sido assopradas.
Dias depois, surgiu a notícia de que um disco voador havia caído em Niterói, estado do Rio de Janeiro. Na ocasião, o tesoureiro do Canto do Rio Futebol Clube encontrou na sede da entidade destroços e um buraco no teto.
No meio da bagunça, ele achou ainda uma peça de metal retorcida com dez centímetros de diâmetro e pensou que pudesse ser um dos já famosos discos voadores.
Autoridades militares, no entanto, não tardaram a identificar o objeto como uma granada antiaérea sem carga explosiva, utilizada em treinamento pelo Exército.
Nos dias seguintes, os casos se multiplicaram. Segundo os jornais, pequenas multidões começaram a se formar para observar o céu em várias cidades brasileiras.
Embora muita tinta se gastasse sobre o assunto, as imagens eram raras. Isso contribuiu para que as pessoas enxergassem os “discos” cada uma a seu modo. Ninguém sabia, afinal, que forma e tamanho eles teriam.
Em Presidente Prudente, interior paulista, uma jovem avistou um objeto circular, “semelhante a um prato de alumínio”, atravessando o céu em grande velocidade.
Na mesma cidade, Alberto Tombam viu outra coisa: um disco em forma de pneu, com o centro escuro e as bordas cor de prata.
Três operários de Campinas relataram uma “espécie de panela” voadora, enquanto o senhor Ílio de Almeida garantiu ter visto um “disco de vitrola” voador na capital paulista.
Como se pode notar, alguns brasileiros levaram a expressão “disco voador” muito ao pé da letra e imaginaram que os objetos deviam se parecer com discos fonográficos, incluindo marcas ou buracos no centro dos círculos.
Os jornais logo chamaram autoridades e especialistas para opinar sobre a repentina invasão dos nossos céus. O chefe do Estado-Maior do Exército, general Milton de Freitas Almeida, desdenhou do assunto.
Para ele, as ocorrências eram causadas pelo “estado natural de alarma do povo” ou pelo “efeito de sugestão das pessoas”.
Já o professor Ignácio Manuel de Azevedo Amaral, reitor da Universidade do Brasil (futura Universidade Federal do Rio de Janeiro), sugeriu: “O assunto é inteiramente desconhecido. Talvez se trate de algo da categoria dos segredos militares”.
Esta tese foi reforçada pelo barão Ottorino de Fiore di Cropani, um dos fundadores dos estudos de Geologia na USP.
Segundo ele, as notícias deviam ser fruto de “um novo tipo de balões para sondagens meteorológicas ou um novo aparelho rádio-comandado, relacionado com a guerra química ou bacteriológica”.
Muitos outros brasileiros pensavam como esses professores, ou seja, acreditavam que os discos voadores tinham a ver com a corrida armamentista entre soviéticos e norte-americanos.
No fim de julho de 1947, pelo menos 28 casos já tinham sido registrados. Até mesmo experientes pilotos de avião depararam com objetos não identificados.
Diante dessa avalanche de relatos, o diário carioca O Globo noticiou: “Enchem-se de ‘discos voadores’ os céus do Brasil”.
A propósito, o detalhe do uso das aspas na expressão “disco voador” não era caso isolado: foi uma prática em toda a imprensa durante muitos anos.
Havia, provavelmente, certo desconforto em utilizar um termo que agregava descrições de ocorrências tão diferentes.
Na ordem do dia, o tema também inspirou piadas e charges, e serviu até a publicitários criativos, como o da loja de utilidades domésticas Dragão, no centro do Rio de Janeiro.
Assustado com a visão de objetos voadores, um homem pergunta a outro “Serão discos voadores?”, e obtém a resposta: “Não, meu caro, são pratos do Dragão!” Concluem, em seguida, que se trata “de uma demonstração de que o artigo de lá é bom”.
Parte dos cariocas não levou a polêmica a sério. Foi o que apurou uma enquete do jornal O Globo com passantes na rua.
A maioria opinou que os discos voadores eram “simples imaginação” ou “uma tolice”. Três dos entrevistados, no entanto, afirmaram que poderiam ser naves de outros planetas, especialmente de Marte.
Indicavam como inspiração para essa crença o espiritismo e os livros de ficção científica de Júlio Verne (1828-1905) e H. G. Wells (1866-1946).
Contudo, a expressão “disco voador” ainda não estava associada a visitantes de outros planetas. No farto noticiário da época a respeito das aparições celestes no Brasil, foram raríssimas as referências a seres extraterrestres.
Os casos brasileiros só começaram a diminuir no início de agosto de 1947. Na ocasião, o jornal carioca A Noite comentou: “Já vão saindo dos noticiários dos jornais os estranhos ‘discos’, ‘pratos’ e ‘caçarolas voadoras’. A ciência até o momento não lhes explicou a origem, e tudo leva a crer tratar-se apenas de fruto de sugestão”.
Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos é autor da dissertação “A invenção dos discos voadores – Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958)” (UNICAMP/FAPESP, 2009).
Fonte: Revista de História
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