segunda-feira, 26 de março de 2012

EUA testam barata ciborgue

Insetos cibernéticos são o novo sonho da Agência de Pesquisa de Projetos Avançados de Defesa Divulgação/Darpa


Programa militar desenvolve híbridos de animais e máquinas para uso em guerra biológica.

O caracol elétrico está aí. A barata elétrica também. Ambos são incursões experimentais em uma nova linha de pesquisa, empenhada na criação de híbridos de animais e máquinas de tamanho mínimo e energicamente autossustentáveis, que substituiriam pequenos robôs. O objetivo seria usá-los na guerra biológica.

Em vez de começar uma criatura do zero e resolver enfadonhos problemas relacionados a movimentos robóticos, alguns pesquisadores pensaram em aplicar seus experimentos em seres vivos, que já sabem como andar e voar.

Tudo o que se precisa fazer é dar a estes organismos uma aparência digna de robôs, equipando-os com a tecnologia certa para que os cientistas possam escravizá-los e obrigá-los a cumprir suas missões — trabalhos de busca e resgate, espionagem ou ataque a inimigos com fobia de insetos.

O caracol não é uma escolha óbvia, em termos militares — exceto, talvez, em uma guerra biológica que chegue à plantação de alface do rival.

Mas toda esta área de pesquisa ainda está no começo, e os caracóis ganham crédito por serem fáceis de pegar e monitorar em laboratório.

Um grande desafio na robotização de criaturas vivas é o fato de que elas não vêm com baterias, e a eletricidade é necessária para ligar seus sensores e transmissores, fundamentais para seu controle remoto.

Mas nenhum problema é intransponível — certamente não para a Agência de Pesquisa de Projetos Avançados de Defesa.

A Darpa, sua sigla em inglês, é uma agência governamental que lembra filmes de ficção, transformando em pesquisa toda a gama de perguntas iniciadas por “e se”, como o desenvolvimento de tecnologias para ler mentes e a criação de híbridos de insetos e máquinas.

A Darpa, naturalmente, tem um programa de pesquisa envolvendo microssistemas eletromecânicos de híbridos de insetos.

Uma de suas metas é descobrir novas formas para “aproveitar sensores naturais e gerar energia em insetos”.

É aí que entra o caracol elétrico. Evgeny Katz, professor de química da Universidade Clarkson, em Nova York, e seus colegas publicaram este mês, na revista da Sociedade Americana de Química, um artigo sobre o animal adaptado.

A equipe não tem apoio financeiro da Darpa, mas acredita que seu trabalho possa ser aproveitado pela agência.

Eventualmente, acredita Katz, um animal seria capaz de prover a energia necessária para seus sensores ou receptores, ou qualquer outro dispositivo implantado nele. Mas, segundo ele, o campo de estudo ainda é muito novo.

— Por enquanto, nós estamos apenas trabalhando em como gerar esta energia — ressaltou.

Katz instalou dois eletrodos revestidos com enzimas em um caracol no espaço existente entre a concha e o seu corpo, onde o molusco produz glicose para satisfazer suas próprias necessidades biológicas. As enzimas promovem reações químicas que, por sua vez, geram um fluxo de elétrons — ou seja, eletricidade — a partir das moléculas de glicose.

O caracol se moveu por alguns meses, no ritmo típico da espécie, enquanto emitia pulsos elétricos em pequenas quantidades.

Em janeiro, Daniel Scherson, da Universidade Case Western Reserve, divulgou, na mesma revista, que sua equipe usou um método similar para obter eletricidade de uma barata — e depois, num passo mais ambicioso, reproduziu o experimento em um cogumelo.

Seu alvo eram moléculas de trealose, constituídas por duas unidades de glicose. As enzimas dividem a trealose e depois usam a glicose como uma fonte de elétron.

A barata foi imobilizada enquanto servia como uma miniusina. E, depois do experimento, se recuperou bem.

— Depois de removermos os implantes, elas podem correr por aí — assegurou Scherson.

Há, ainda, um longo caminho antes de termos insertos ciborgues a serviço da paz ou da guerra, e falta ainda mais tempo antes de chegarem ao mercado como brinquedos.

Este, aliás, parece um efeito inevitável da pesquisa militar — a geração de grandes passatempos. O que um adolescente fanfarrão não faria por um inseto vivo e controlado por controle remoto?


Um inseto resistente a explosões nucleares


Baratas bélicas e obedientes a controle remoto parecem improváveis para Suzete Bressan, professora do Instituto de Biofísica da UFRJ, que há 15 anos estuda a morfologia e o comportamento do inseto.

Suzete considera o experimento com ciborgues “ousado”, por modificar a estrutura anatômica de animais, e acredita que a tecnologia necessária para concretizar o mais novo sonho militar americana está longe da realidade.

— É um projeto muito improvável — avalia. — Pode ser que, com o desenvolvimento de novas técnicas, seja bem sucedido, mas usar insetos como arma de guerra biológica certamente teria uma repercussão muito negativa entre os cientistas que os estudam.

Vejo pesquisas que usam cupins, por exemplo, para construir móveis mais resistentes a eles, mas nenhum trabalho intervém de forma tão direta nesses animais.

Suzete entende por que o programa optou por iniciar o estudo com caracóis e baratas.

— O caracol tem um espaço entre a concha e o manto que proporciona a instalação de soluções que mobilizem e gerem energia — explica. — A barata deve ter sido escolhida por sua antiguidade: tem 350 milhões de anos, e, com isso, adquiriu grande mobilidade e poder de adaptação. E seu sistema nervoso, com neurônios longos, auxiliam a geração de energia.

Em tempo: as baratas podem não resistir a vassouradas certeiras, mas estão acostumados a cenários bélicos.

Durante a Guerra Fria, constatou-se que, em áreas onde foram realizados testes nucleares, elas continuavam por lá, serelepes — provavelmente por seu dom para se esconder. Até sem cabeça elas conseguem viver, embora apenas por algum tempo.

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