Conheça quatro histórias de arrepiar os pelos.
Esta matéria é sobre um mundo que nem todos veem e no qual poucos
acreditam. É sobre universos próprios. Sobre visões e, por que não
dizer, sobre fantasmas que passeiam pelas esquinas de Pernambuco.
A
partir de agora, caro leitor, desprenda-se de conceitos preformatados,
livre-se da razão e abra a mente para conhecer assombrações até então
desconhecidas.
Chega de Perna-Cabeluda e Cumadre Fulôzinha.
Apresento-lhes os fantasminhas rotineiros. Aqueles que podem estar ao
seu lado em qualquer lugar, a qualquer hora. Experimente procurar, se
tiver coragem.
“Quando vi aquela mulher baixinha e meio gordinha vestindo branco,
andando pela área comum do prédio, já sabia de quem se tratava, mas
fiquei calada.”
Foi assim que a dona de casa Aracy Queiroz, 65 anos,
descreveu, com ar misterioso, o justo momento em que viu a primeira
assombração da vida dela.
A baixinha a quem se refere é, segundo conta,
Dra. Conceição, uma ginecologista falecida e ex-proprietária da área
onde, após sua morte, foi construído o prédio onde Aracy mora até hoje.
“Conheci Conceição em vida. Aqui no bairro da Torre todo mundo se
conhecia, sabe? E o filho dela namorou minha prima. Por isso sei que a
casa que existia neste terreno era dela e foi dada ao filho, mas a
doutora pediu que ele nunca se desfizesse do imóvel. Foi só ela morrer,
minha filha, e ele vendeu.”
A partir da venda, o prédio subiu e a lenda –
pelo menos entre os moradores – começou. Entre encontros e desencontros
com a tal doutora no elevador, vizinhos e funcionários passaram a
conhecer, assim como D. Aracy, a figura do além. “Eu não tinha medo
dela. Não podia ter. Conceição era uma pessoa muito boa em vida.”
Mas houve quem achasse aquilo tudo para lá de assombroso. “Certa
noite, o porteiro interfonou e pediu que eu descesse para ver uma coisa.
Era o elevador. Estava subindo e descendo sem parar. Ia de andar em
andar. No começo a gente ainda pensou que fossem as crianças brincando,
mas era tarde e, quando chegou no pilotis, vimos que não tinha ninguém. O
porteiro ficou tão aperreado que colocou uma cadeira na porta para
evitar que o elevador continuasse fazendo aquilo. ‘É ela, não é?’, ele
me perguntou. Para não assustá-lo, disse que isso era besteira e subi.”
Depois dessa noite, D. Aracy rezou. Em silêncio, conversou com a
ginecologista-fantasma e explicou que aquele não era mais o lugar dela.
“Acho que funcionou, viu? Ninguém mais a viu.”
D. Aracy, no entanto, estava destinada a esbarrar com outra
assombração. “A segunda e a última”, espera. Viúva há um ano, certa
noite, apertada para fazer xixi, levantou-se da cama em direção ao
banheiro.
“Quando passo o olho pela sala, meu marido estava sentado no
sofá. Juro. Fiquei em choque. Ele disse: ‘Aracy, calma. Vim só para
dizer que você não deve assinar nenhum papel. Principalmente se for em
branco.’” Dado o recado, o marido partiu. Ela, a essa altura, como uma
estátua, continuou sem reação. “Fiz xixi nas calças, acredita?!” Foi a
última vez que viu o marido. Nunca assinou nenhum papel sem antes
consultar um advogado.
Talvez os fantasmas de D. Aracy a tenham ajudado. Os do artista
plástico Jobson Figueiredo, 63, certamente o fizeram. Proprietário de um
casarão no Poço da Panela, quase ao lado da igreja, ele se viu
intimidado pelas almas penadas que, segundo reza a lenda, lá viviam.
“Quando comprei a casa, iniciei um processo de restauração, já que o
espaço tinha sido descaracterizado. Foi nesse período que os
trabalhadores da obra começaram a escutar barulhos estranhos.”
No ouvido daqueles homens, correntes arrastavam, objetos caíam
sozinhos, portas e janelas batiam sem que nem mesmo uma brisa corresse
por lá. “Com a repetição, alguns pensaram em desistir do trabalho. Foi
quando decidi fazer alguma coisa.”
E nem pense que Jobson chamou padres
ou rezou. Feliz com a presença dos fantasmas no casarão, resolveu
invocar os espíritos. “Acendi velas, juntei os homens e chamei os
fantasmas. Disse para eles que, a partir daquele momento, fariam parte
da nova diretoria do ateliê. E dei a cada um daqueles desconhecidos
moradores uma função.”
O negro que arrastava as correntes foi incumbido de tomar conta da
segurança da casa. “Pedi que me avisasse se visse alguém entrando,
batendo uma porta ou uma janela”, conta Jobson.
Para o fantasma
bagunceiro, que costumava desarrumar tudo, foi concedido um posto
especialíssimo. “Seria uma espécie de secretário. Passou a ter o dever
de derrubar livros no meu birô, de tomar conta da minha biblioteca.”
Já às mulheres, vistas em forma de vultos passando pelas janelas do
casarão, só uma recomendação: “Elas seriam minha inspiração e precisavam
continuar seus desfiles, com a função de manter viva a lenda do
casarão, citado por Gilberto Freyre como um dos mais mal-assombrados do
Recife.”
A verdade é que Jobson adora as figuras do além que no ateliê
fizeram morada. “Nunca os vi, mas não cobro nada deles. Eles já têm
muito trabalho, manter a lenda viva.” O pacto com os fantasminhas – que,
nesse caso, podem ser chamados de camaradas – funcionou. Os sustos
acabaram.
HERANÇA - E é justamente das histórias de
convivência entre mortos e vivos – herança da civilização do açúcar –
que germina o imaginário popular – e assombrado – do pernambucano. “Digo
com certeza absoluta que Pernambuco é o Estado mais supersticioso do
Brasil. Nada disso é em vão, a explicação remonta à época das
casas-grandes e das senzalas”, diz a escritora e antropóloga Fátima
Quintas. Para ela, três são os motivos principais para tanto
mal-assombro num Estado só.
O primeiro deles, exemplificado pelo pacto firmado entre Jobson e
seus fantasmas-funcionários, é justamente a convivência cortês entre as
duas realidades.
“Os aristocratas do açúcar eram enterrados próximo à
casa-grande e a imagem do morto, do senhor de engenho, permanecia viva”,
explica Fátima, citando uma frase de Gilberto Freyre: “Abaixo dos
santos e acima dos vivos estão os mortos vigiando os membros da
casa-grande.”
A miscigenação religiosa que aqui se firmou foi outro ponto crucial
para a criação de um imaginário coletivo tão ligado ao além.
“O
candomblé do escravo, o animalismo do índio, o catolicismo europeu. Tudo
se mistura. Até hoje, ninguém sente culpa de percorrer e até acreditar
em crenças distintas.”
Por fim, Fátima cita o sentimento de culpa em
relação à escravidão como sendo o terceiro e último fator para
Pernambuco ganhar o título de Estado mais mal-assombrado do País. “Numa
síntese, é claro.”
A pesquisadora, que diz adorar os fantasmas, ainda não teve a sorte
de ver nenhum. “Eles não me dão bola”, brinca. Mas os danados não se
inibem em aparecer para quem tem medo.
O médico-legista João Matoso
conta um dos, segundo ele, muitos causos do Instituto de Medicina Legal
(IML). O fato aconteceu há uns 15 anos com um amigo dele, que preferiu
não se identificar. “Naquela época, não realizávamos necropsia à noite.
Ele, de plantão, descansava na sala dos médicos. Levantou-se para ir ao
banheiro e, quando voltou para a sala, encontrou uma loura – linda –, de
vestido vermelho, fumando um cigarro”, narra.
Foi o perfume da mulher que, segundo João, encantou seu amigo.
Conversaram. Ela, elegante, pediu que ele fizesse a necropsia em um dos
cadáveres que lá estavam. A loura dizia-se parente do morto.
“Meu amigo
explicou que não podia fazer, pois não havia iluminação e condições
técnicas adequadas”, continua o narrador. O especialista precisou
levantar-se novamente e, ao voltar para o quarto, a mulher – e o perfume
envolvente – havia sumido. “Ele desceu imediatamente para reclamar.
Afinal, para ela ter chegado até ali precisava ter passado por, pelo
menos, três inspeções.”
O problema é que nenhum porteiro havia visto a mulher de vestido
vermelho. Com a pulga atrás da orelha, o médico-legista, assustado, foi
até onde ficam os parentes à espera da liberação dos corpos e começou a
inquirir os que lá estavam. Foi quando uma das pessoas aproximou-se e,
assim como a loura perfumada, pediu pelo mesmo cadáver.
“Ele aproveitou
para descrever a mulher e perguntar se a haviam visto.” A resposta não
agradou: “O rapaz disse: ‘Ah, doutor, a única loura bonita, perfumada e
fumante na nossa família é a mãe do defunto. Mas ela morreu faz é
tempo.’”
Foi o suficiente. O médico, acostumado a ver mortos, conviver
com a morte e encarar a tristeza que ela causa foi, no fim das contas,
assustado por ela mesma. “Ele correu, pegou as coisas dele e foi embora
pra casa, esbravejando: ‘O cão é quem dorme aqui.''
Houve também quem picasse a mula, décadas antes do médico-legista.
Tudo aconteceu no início dos anos 1940, na Fazenda Amapá, na divisa do
Estado com Alagoas. O lugar de muito verde e sinônimo de calmaria foi
cenário do pesadelo do vigia da época.
“Numa madrugada, ele escutou um
choro de mulher, mas não conseguia saber de onde vinha. Noites depois,
estressado, gritou pedindo que ela parasse ou aparecesse pra que ele
pudesse ajudá-la”, conta o ancestral dos donos da fazenda, Pedro Lins,
27. Alguém escutou e apareceu. Mas não foi a chorona, e sim um senhor
armado que falou para ele ir embora, pois havia desrespeitado quem ali
viveu. E sumiu.
“Meus bisavós só vieram saber disso tempos depois, quando, por acaso,
encontraram o vigia sumido andando pela cidade. Nesse dia, contou tudo a
meu avô que, curioso, perguntou como era a alma.” Devido ao susto, ele
lembrava de pouca coisa. “Disse apenas que o homem tinha um dedo a menos
na mão. Logo, meu bisavô identificou: era o antigo dono das terras.”
Depois do episódio, a fazenda, já com fama de mal-assombrada, recebeu
a visita de padres, que benzeram o local. Também foi erguida uma
capela. Hoje, a antiga casa-grande está lá só para os fantasmas. Ao lado
dela, foi construída outra, onde a família Lins continua se
hospedando.
Pedro conta também que, há alguns anos, ainda adolescente, pegou a
estrada com um grupo de amigos. A missão: caçar fantasmas. Hospedaram-se
no lado obscuro da Fazenda Amapá, instalaram câmeras com infravermelho
na casa e, amedrontados, amontoaram-se em uma única cama de casal de
noite.
“Olhe, não filmamos nada de comprometedor, mas tivemos muito
medo. Há quem jure ter sentido algo e ouvido barulhos estranhos no
corredor, mas há também quem negue tudo. Não sei.”
E não é que a dúvida de Pedro é algo comum? Fantasma existe mesmo? É
verdade ou ilusão? Pense bem: você nunca presenciou algo estranho, que
fez seus pelos arrepiarem? Já experimentou, por acaso, olhar atentamente
o casarão da sua esquina?
O terreno ao lado do seu prédio? A antiga
casa de campo da família? Conferiu aquele barulhinho no quarto
inabitado? A partir de agora, olhos e ouvidos atentos.
Eles podem estar
bem pertinho. Até mesmo nesse exato momento, enquanto você lê esta
matéria. Afinal, como diz o ditado popular espanhol: “Eu não acredito em
bruxas, mas que elas existem, existem”.
Agradecimentos à direção da Casa-Museu Magdalena e Gilberto Freyre e aos
atores Alexandre Lopes, Ana Garcia, Gláucia Sena e Reynolds Pierre
Filho. Fotos de Igo Bione e Flora Pimentel. Produção de Manuella Antunes
Fonte: JCOnline
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