quarta-feira, 30 de maio de 2012

O Último Exorcista

Fotos: Gilda Aloisi 

Don Gabriele Amorth ao lado de uma estátua da Virgem Maria, uma figura que ele estudou nos seus primeiros anos na ordenação. Don Amorth também foi editor-chefe da Madre di Dio, uma revista mensal dedicada à Virgem Maria.



Tim Small


O bairro de Garbatella, em Roma, tecnicamente pode ser classificado como “conjunto habitacional”, mas parece uma versão italiana de uma vila britânica arborizada. O Rei Vitor Emanuel III fundou a colônia em 1920 para acomodar 50 mil trabalhadores rurais que migraram para Roma. 


Assim como o resto da cidade, Garbatella tem uma quantidade impressionante de gatos vira-lata. Mesmo assim, quando um deles atravessou o meu caminho em frente ao escritório de Don Gabriele Amorth, o “presidente honorário vitalício” da Associação Internacional de Exorcistas, tive a impressão que foi um sinal divino. Não baixe a guarda. O diabo está em em toda parte.


Endurecido e debilitado pela luta de um quarto de século contra o próprio Satanás, Don Amorth, de 86 anos, está abatido. Recentemente ele foi hospitalizado, sua audição e sua mobilidade estão comprometidas. 


Mesmo assim, ele teve disposição – ou insensatez, dependendo do ponto de vista – de aparecer no jornal local alguns dias antes da minha visita para dizer que bons católicos não devem ler ou assistir nada relacionado ao Harry Potter (ele diz que isso leva ao Satanismo, claro) e não devem praticar ioga, porque “você pensa que está fazendo por causa do alongamento, mas, na verdade, ela leva ao Hinduísmo”. 


Esse é um homem que, em seu livro Memórias de Um Exorcista: A Minha Vida em Guerra Com Satanás, alegou que “o próprio diabo, falando através de uma mulher possuída, ameaçou me estripar durante meu sono”.


Don Amorth entrou na sala usando um hábito preto e segurando uma pasta de couro grande, que abriu depois de me cumprimentar. Dentro dela estava a maioria de seus livros (ele escreveu dez, que foram traduzidos para mais de 40 idiomas), uma cópia da Madre di Dio (uma revista mensal dedicada à Virgem Maria que ele editou por muitos anos), uma amostra de suas ferramentas de exorcismo (falo mais sobre isso adiante) e um saco de pregos, parafusos e outros objetos de metal.


“Tenho dois quilos de pedaços de metal cuspidos por pessoas possuídas pelo diabo”, disse. “Às vezes eles saem pelo reto. Cacos de vidro também. Posso assegurar que eles se materializam logo que saem da boca e nunca estão cobertos com saliva ou sangue. Se você tirar um raio X de uma alma possuída, não vai encontrar vestígios de nada disso em seus órgãos. Aparecem do nada, a alguns milímetros dos lábios, embora as pessoas normalmente confessem sentir a dor que os objetos causariam dentro delas”.


Don Amorth mostra alguns dos livros que escreveu e um saco de pregos e parafusos cuspidos por pessoas possuídas durante os exorcismos. Cheguei a pegar alguns na mão, o que deixou nosso cinegrafista enojado.


Don Amorth afirma já ter feito milhares de exorcismos em sua vida – “Parei de contar nos 70 mil”. Isso não significa que ele exorcizou 70 mil pessoas, apenas que os demônios são particularmente teimosos e os 2 mil ou 4 mil indivíduos que ele livrou do mal frequentemente exigiam dezenas de sessões.


“Para liberar um corpo de possessão demoníaca, na maioria das vezes, preciso trabalhar por anos e tentar praticar pelo menos um rito por semana”, disse. “Muita repetição. Essa é a chave para o sucesso. A primeira coisa que precisamos fazer é compreender que o diabo existe. Se você não acredita em sua existência, está fazendo um favor a ele. É exatamente nisso que ele quer que você acredite. E, nesse caso, o exorcismo é inútil. Mas acredite, ele está presente.”


Acenei com a cabeça e comecei a fazer minha longa lista de perguntas, mas ele as ignorou. Percebi que a audição precária de Don Amorth faria com que só ele falasse. “O diabo age de duas maneiras)”, disse. “Ele tem uma atividade ordinária e uma extraordinária. Sua atividade ordinária é tentar o homem para o mau, levá-lo à tentação, ao pecado, pressioná-lo para quebrar a lei divina. Sua atividade extraordinária (muito rara) é provocar distúrbios malignos nas pessoas.”


De acordo com Don Amorth, Satanás pode habitar a alma de alguém de quatro formas. A mais grave é a possessão demoníaca: “Satanás ou um de seus lacaios entra no corpo do possuído. Ele usa sua boca para falar e sua energia para movê-lo. Ele conhece todas as línguas do mundo. Ele sabe o futuro e tem força sobre-humana. Às vezes preciso de até cinco pessoas para segurar o possuído enquanto ele se debate, cospe, blasfema, grita e pragueja”.


A segunda classificação de mau demoníaco é a obsessão ou tormento. Isso acontece quando as forças malignas perturbam alguém por fora em vez de habitar diretamente sua alma. “Pense no Padre Pio [santo estigmático].  Ele era espancado pelo diabo até sangrar e jogado para fora de sua cama toda vez que dormia, mas não estava possuído. Estava simplesmente atormentado. Ou pense em pessoas que ficam obcecadas com uma ideia que se infiltra por suas almas e as levam à loucura ou até mesmo ao suicídio. Isso é tormento demoníaco.”


Detalhe da garrafinha de água benta que Don Amorth usa durante os exorcismos, e de seu crucifixo, uma arma especial contra o diabo, que tem seu poder potencializado pela medalha de São Bento incrustada nela.


O terceiro tipo é um método mais vago e menos direto de ataque satânico, uma desgraça que pode prejudicar o trabalho, a saúde e a vida amorosa da vítima. É fácil confundi-lo com uma doença, então às vezes Don Amorth colabora com médicos e psiquiatras quando suspeita que alguém possa estar sofrendo com desse mal. Se eles ficam confusos, talvez seja hora de uma intervenção sacerdotal. O quarto é o tipo tradicional de assombração (pense em fantasmas), que pode infestar casas, objetos e até animais.

Assim que Don Amorth concluiu sua longa e minuciosa taxonomia do mal, consegui fazer uma pergunta sobre seus processos ritualísticos. “Quando começo meu exorcismo, a pessoa entra em transe e começa a cuspir, gritar e demonstrar intolerância a símbolos sagrados, sacramentos e água benta. É aí que determino um plano de ação e utilizo minhas ferramentas de trabalho. Uso minha estola [uma vestimenta eclesiástica que lembra um cachecol], que é mais longa que a tradicional. 


Pego uma ponta dela e coloco no ombro da pessoa que estou exorcizando. Depois uso uma garrafa com alguns furos para borrifar água benta. Também tenho um crucifixo especial, incrustado com a medalha de São Bento, o patrono não oficial dos exorcistas. A última ferramenta que uso é o unguento santo. Não preciso mais da Bíblia. Depois de 25 anos fazendo isso, já a decorei. É importante sabê-la de cor, dessa forma, tenho duas mãos livres para imobilizar o possuído.” 


Um homem preocupado com o mal que assombra a humanidade deve ter uma opinião sobre as recentes agitações sociopolíticas na Itália e ao redor do mundo. Talvez estejamos nos aproximando de um evento cataclísmico?


 “Só posso dizer que as indicações do que está acontecendo são óbvias. Estamos vivendo um momento desastroso. Essas guerras e desastres naturais são só o começo, o antepasto. O que vem por aí vai ser muito pior. Estou otimista quanto ao futuro, mas sei que seremos atingidos e as pessoas que querem construir um mundo sem Deus serão julgadas.”

E foi aí que eu fui embora.



Fonte: Vice

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