Cientistas pesquisam como fantasmas, premonições, sensação de sair de corpo e outras experiências estranhas podem acontecer apenas na nossa cabeça.
por Matthew Hutson, da Psychology Today | Ilustrações: Bruno Miranda
É provável que, alguma vez na vida, você tenha sentido que estava sendo observado por um estranho. Talvez no mercado, enquanto andava na calçada, talvez no ônibus.
E quando se virou, lá estava o suspeito, olhando. O que você teve foi uma experiência anômala.
Todos formamos uma história a partir de todas as nossas sensações e reflexões. Vivemos a vida não apenas como uma série de ideias e eventos desconexos, mas criamos uma narrativa coerente sobre ela.
Quando temos experiências que não se encaixam na narrativa, nossa consciência pode encontrar explicação para esses fenômenos estranhos em forças ou entidades questionáveis. E assim começamos a acreditar no paranormal.
As experiências anômalas vão desde notar um clima estranho na sala até a sensação de estar fora do próprio corpo. E lá vamos nós recorrer a espíritos, sorte, bruxaria, mediunidade, energia vital ou então entidades extraterrestres.
Explicações assim costumam ser mais atraentes e intuitivas do que culpar um truque da própria mente.
Quando você está se sentindo desconfortável e se mexe para ver se alguém está olhando na sua direção, por exemplo, esse movimento pode chamar a atenção, o que só confirma suas suspeitas de estar sendo observado.
Outra experiência anômala comum é o déjà vu, relatado por duas entre cada três pessoas. Pesquisadores sugerem que ele representa uma sensação de familiaridade sem uma lembrança específica de por que algo é familiar.
Outros acreditam que seja um problema de sincronia no cérebro: os mesmos pensamentos se manifestam duas vezes devido a um pequeno atraso dos neurônios, dando à segunda ocorrência uma sensação de repetição. Algumas pessoas, no entanto, acham que estão vendo uma vida passada.
As experiências anômalas podem estar associadas com estresse, patologias ou déficits cognitivos, mas não são sempre negativas.
Elas são apenas tentativas de interpretar uma situação esquisita; afinal de contas, nossas mentes adoram uma boa história. Veja a seguir como a ciência explica alguns dos tipos mais recorrentes de experiências anômalas.
Espíritos
Em março de 1994, Stephen Young foi a julgamento na Inglaterra pelo assassinato de Harry e Nicola Fuller.
O júri chegou ao veredito de culpado no segundo dia de julgamento, mas não antes de consultar o espírito de Harry. Na noite do primeiro dia, quatro juradas improvisaram um tabuleiro Ouija (uma variante do jogo do copo) no quarto de hotel.
Fuller — o morto — logo se juntou ao grupo. O espírito contou às quatro que fora assassinado por Stephen Young e que eles deveriam votar culpado.
“Comecei a chorar e as outras senhoras também ficaram abaladas”, uma jurada revelaria mais tarde. Elas informaram seus achados ao resto do júri na manhã seguinte.
Quando o juiz descobriu sobre a sessão espírita, ordenou um novo julgamento. Young foi condenado de novo, mas dessa vez apenas com evidências de testemunhas vivas.
De acordo com o instituto de pesquisa Gallup, 32% da população dos Estados Unidos diz que os espíritos dos mortos podem voltar e 37% acredita em casas mal-assombradas.
A maioria desses relatos de encontros paranormais não produz histórias tão emocionantes. Em geral, consistem em enxergar um vulto com o canto do olho ou escutar sons estranhos de madrugada, percepções que normalmente podem ser atribuídas a frestas nas paredes, truques de luz ou animais de estimação.
Além do mais, quando você acredita que pode ver ou ouvir alguma coisa, seu cérebro fica mais disposto a atender às expectativas e apresentar uma alucinação, especialmente quando está cansado ou assustado.
Uma das evidências mais convincentes alegadas pelas pessoas que dizem ter estado com um espírito é o chamado sentido de presença, a sensação de que alguém está com você, em geral a poucos metros.
Pesquisadores dizem que, conforme fomos evoluindo, criamos um sistema para perceber a presença dos outros.
Muitas vezes sentimos que alguém está por perto sem reconhecer os sinais que nos deram essa percepção (para testar isso, sente-se ao lado de outra pessoa e feche os olhos).
Os cientistas mostram que esse sistema de reconhecimento pode sofrer alucinações em determinadas ocasiões.
É comum essa sensação estranha se manifestar em situações e ambientes extremos, como frio, isolamento e altitudes elevadas, ou quando estamos exaustos, com medo, famintos ou entediados. Alpinistas informam essas alucinações com bastante frequência.
O explorador irlandês Sir Ernest Shackleton escreveu que, durante uma marcha de 36 horas na Antártida, “muitas vezes me parecia que éramos quatro, não três”, e que seus colegas tinham a mesma “sensação curiosa”.
Pesquisas indicam que o medo e a solidão também ampliam essa sensação, nos deixando alertas para intrusos ou companheiros ao redor.
O sentimento de perda também aumenta as chances de receber uma visita espiritual. Manifestações de entes queridos geralmente ocorrem no primeiro ano após sua morte.
Há relatos de pessoas que enxergam ou escutam coisas, mas o sentimento mais comum é o de proximidade. Em casos problemáticos, ocorre uma sensação de proximidade extrema: na década de 1970, a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross fundou um retiro espiritual em San Diego, na Califórnia.
Durante as sessões espíritas, o autoproclamado médium Jay Barham desligava as luzes e fingia ser diversos espíritos para que pudesse fazer sexo com as viúvas. Como uma das vítimas afirmou posteriormente, “eu precisava acreditar”.
Indivíduos neuróticos ou extrovertidos também são mais suscetíveis a supostos contatos. A neurose pode intensificar os elementos do luto, como a ansiedade, enquanto os extrovertidos sentem uma necessidade maior de estabelecer conexões devido ao modo como enfatizam as interações sociais.
Quem sofre de epilepsia também relata mais experiências de contato, pois a hiperexcitabilidade presente em partes do seu cérebro (os lobos temporais) pode ativar o sentido de presença.
Alguns pesquisadores já conseguiram induzir essa mesma sensação de presença ao posicionar ímãs sobre os lobos temporais de indivíduos, levando cientistas a propor que os campos magnéticos da Terra podem ser suficientes para certos lugares darem a sensação de assombrados.
O fato da sensação de presença ser mais comum entre quem está de luto sugere que o contato com espíritos pode ser até mesmo uma forma saudável de enfrentar o problema.
Sair do corpo
Em fevereiro de 2000, Pam Barrett, líder do Novo Partido Democrático, no Canadá, foi ao dentista. Queria fazer uma restauração, mas sofreu uma reação alérgica grave à anestesia. Sua garganta fechou e não conseguia respirar.
Ela teve uma experiência de quase-morte (EQM) durante a qual sentiu que abandonava o corpo e olhava para ele de cima.
Quando, já na emergência de um hospital, “voltou”, sentiu Deus dando um soco no seu peito e ordenando que seguisse outro caminho. No dia seguinte, convocou uma coletiva de imprensa e se aposentou da política.
Entre 6% e 12% das vítimas de parada cardiorrespiratória relatam uma EQM, mas tais percepções também podem ser resultado de traumas, medo, drogas, ou não terem nenhuma causa óbvia.
O que explica o fenômeno dentro do cérebro é ter oxigênio demais ou de menos, dióxido de carbono demais ou falhas no processamento de uma substância chamada glutamato. Visões do tipo são descritas há milhares de anos e algumas cenas são comuns em todas as culturas.
Em geral, a pessoa escuta um zumbido ou sino enquanto anda por um túnel escuro. Ela vê o próprio corpo, encontra espíritos de entes queridos, tem flashbacks e se sente feliz, mas acaba se afastando da luz e voltando para a Terra.
Muita gente considera as EQMs provas de que há vida após a morte, mas pesquisadores estão encontrando explicações fisiológicas para isso.
De acordo com a Ph.D. em psicologia, a inglesa Susan Blackmore (que começou a estudar o fenômeno após passar por uma EQM), o túnel e a luz podem ser consequência da falta de oxigênio no córtex visual.
Uma atividade anormal nos lobos temporais do cérebro podem ser as causas de flashbacks. A sensação de prazer ocorre devido à liberação de endorfina.
Após serem ressuscitados, alguns dizem que observaram os eventos ao seu redor enquanto estavam clinicamente mortos, mas os relatos podem ser resultado de conjecturas posteriores ou até de falsas memórias.
Sair do corpo também é relatado por gente saudável, que não chegou perto da morte. A maioria dos pesquisadores acredita que isso acontece quando não integramos todos os dados que temos sobre nossa localização no espaço: visão, tato, equilíbrio e ideia de posição corporal.
Danos ou estímulos elétricos a uma área cerebral que reúne esses sentidos (a junção temporoparietal) poderiam explicar isso.
Jason Braithwaite, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, demonstrou que, em indivíduos que vivenciam experiências extracorporais, ondas de atividade cerebral, que podem distorcer as percepções sensoriais, são ativadas com mais facilidade.
Tudo isso não significa que quem passa por essas experiências tem problemas mentais. “Há uma tendência de patologizar experiências incomuns ou religiosas”, diz Willoughby Britton, da Universidade de Brown.
“É mais fácil dizer ‘devem ser loucos’. Mas os estilos de enfrentamento positivos desses indivíduos indicam que a saúde mental deles é ótima.”
Destino
Destino
Alex e Donna Voutsinas folheavam um álbum de família antes de se casarem, em 2002, quando uma foto chamou a atenção. No primeiro plano estava Donna, aos cinco anos, fazendo pose com um dos Sete Anões na Disney.
Atrás dela, por incrível que pareça, estava o pai de Alex, empurrando um carrinho com — adivinhe — Alex dentro.
A família do menino morava no Canadá e visitava os EUA na época, mas os dois só se conheceriam 15 anos depois. Alex ficou assustado quando viu a foto. “Foi mais do que coincidência. Foi destino.”
Praticamente todo mundo ficaria arrepiado numa situação dessas, mas é preciso muito menos — ouvir a mesma palavra nova duas vezes no espaço de uma hora ou encontrar alguém que faz aniversário no mesmo dia — pra parar um instante e dizer “olha só, que coisa!” Isso ocorre quando reconhecemos padrões, uma habilidade (ou compulsão) inerente ao cérebro humano.
A identificação de padrões permite que interpretemos informações dos sentidos e façamos previsões sobre regularidades (maçãs caem, não flutuam; elas costumam ser saborosas; atirá-las nos outros é irritante).
Encontrar padrões é tão crucial para a sobrevivência que nós os vemos por todas as partes, mesmo em dados aleatórios, um fenômeno conhecido como apofenia. Nós vemos rostos em nuvens e ouvimos mensagens em discos tocados ao contrário.
Às vezes essa habilidade foge do nosso controle e faz ligações inesperadas. Quando isso acontece, exigimos inconscientemente uma explicação. Só que nosso tipo favorito de explicação envolve agentes, ou seja, seres capazes de ações intencionais — seja uma pessoa, um deus ou um robô. Só que nossa percepção é tendenciosa.
Tendemos a sempre culpar um agente por qualquer coisa que não conhecemos, afinal é melhor confundir um galho com uma cobra do que achar que uma cobra é um galho.
O reconhecimento subconsciente de padrões está por trás também da intuição. Pressentir o perigo em uma zona de guerra, “saber” de repente que o marido está pulando a cerca ou que uma amiga está grávida são casos de identificação subconsciente de padrões.
A maneira repentina como essa percepção se manifesta em nossa consciência pode dar a impressão de que o instinto é clarividência.
Ser paranoico (ter propensão a delírios sistematizados) também favorece o reconhecimento desses padrões inexistentes e a crença em teoria da conspiração. O paranoico sempre busca agentes (incluindo agentes secretos) trabalhando contra ele.
Premonição
Premonição
Em 1966, ocorreu um desastre na pequena cidade de Aberfan, no País de Gales. Depois de chuvas pesadas, uma avalanche arrasou a cidade, destruindo uma escola e diversas residências. Vinte e oito adultos e 116 crianças morreram.
Um psiquiatra chamado J.C. Barker publicou um anúncio em busca de pessoas que haviam tido premonições sobre o evento e recebeu dezenas de cartas relatando sonhos com avalanches, crianças e o nome Aberfan.
Os pais de uma das meninas mortas no acidente disseram que ela informou um sonho um dia antes de morrer: “Sonhei que ia à escola e ela não estava mais lá”, a menina dissera. “Uma coisa preta tinha caído por cima dela!”
De acordo com uma pesquisa do Gallup, dois em cada três americanos acreditam em percepção extrassensorial (PES), uma categoria de fenômenos que inclui premonição, visão remota e telepatia. Os cientistas já identificaram as forças psicológicas normalmente envolvidas nisso.
Uma delas é nossa atenção seletiva. Você provavelmente pensa bastante sobre seus amigos e eles provavelmente ligam bastante para você.
Quando o pensamento e a ligação ocorrem juntos, nós notamos uma coincidência, mas ignoramos todas as vezes nas quais isso não acontece.
Outro problema é que temos memória imperfeita. O simples fato de imaginar uma experiência passada pode criar a falsa impressão de que ela ocorreu de verdade. O nosso cérebro consegue criar memórias falsas, mesmo depois dos eventos. Assim, lembranças de sonhos “premonitórios” podem ser distorcidas para se adaptar aos eventos que aconteceram.
A psicocinese, ou controle da mente sobre a matéria, também é relacionada à coincidência. Uma série de estudos da Ph.D. em psicologia e professora da Universidade de Princeton Emily Pronin revelou que há uma tendência de as pessoas acreditarem que a mente pode causar alterações físicas — mesmo entre alunos de universidades de elite nos EUA.
Os universitários acreditavam ter causado a dor de cabeça de um colega ao espetarem agulhas em um boneco vodu e que haviam influenciado o resultado do Super Bowl (final do campeonato de futebol americano) ao assistirem à partida pela televisão e se concentrarem nas jogadas.
Pronin argumenta que a crença nesses fenômenos se vale das mesmas regras básicas que utilizamos para determinar causas em qualquer situação.
Se um evento A acontece antes de um evento B, sem que haja outras causas óbvias para B acontecer e desde que A e B sejam conceitos semelhantes, A parece ter causado B. Essa linha de pensamento se aplica automaticamente, mesmo que A seja um mero pensamento.
Como em todas as crenças paranormais, quem não se sente no controle da própria vida tende a acreditar mais na capacidade de prever o futuro, talvez porque aceitar premonições significa achar que o futuro já está determinado e não há como influenciá-lo.
Peter Brugger, diretor de neuropsicologia do Hospital Universitário de Zurique, descobriu que as pessoas com maior probabilidade de vivenciarem a psicocinese e a premonição são aquelas com maior tendência a identificar padrões.
Elas tendem a enxergar mais palavras em séries de letras piscantes e rostos em imagens embaralhadas e também são mais rápidas para encontrar uma palavra que forme uma ponte conceitual entre outras duas. A experiência de PES exige que o indivíduo antes enxergue uma conexão entre um pensamento e um evento.
Além de ser maior entre indivíduos capazes de reconhecer padrões, a crença em experiências paranormais também se dá mais dentro de um grupo com um traço definido pela psicologia como “busca de novidades e estímulos fortes”.
Uma combinação fatal: essas características fazem com que as pessoas tendam a ver mais coincidências estranhas e procurem explicações pouco convencionais para elas.
Dentro da cabeça de quem acredita
Crer em paranormalidade não tem relação com ser menos inteligente. Mas quem passa por traumas de infância, depressão e é mais impulsivo tem mais chances de acreditar.
Vários fatores estão correlacionados com crenças e experiências paranormais. Um é chamado absorção: pessoas que se perdem na ficção e nas próprias fantasias podem tratar imaginações como sendo especialmente reais.
As experiências também são mais presentes em gente com baixa inibição comportamental: indivíduos impulsivos são menos dados a comparar interpretações iniciais de um evento com a realidade. E a susceptibilidade a falsas memórias permite que você distorça experiências para adaptá-las à crença.
Traumas na infância também aumentam a crença na paranormalidade. O psicólogo australiano Harvey Irwin sugere que crianças que têm experiências de falta de controle sobre a própria vida (pais superprotetores, por exemplo) desenvolvem uma necessidade maior por se sentir dominante; a crença na paranormalidade se tornaria uma maneira de dominar eventos anômalos que, de outra forma, reforçariam a falta de controle sobre a percepção.
Os psicólogos Jennifer Whitson e Adam Galinsky também demonstraram que quando indivíduos saudáveis sentem-se com falta de controle, aumenta a probabilidade de enxergarem imagens em meio ao chuvisco de uma tela, confiarem em rituais supersticiosos e oferecerem explicações conspiratórias para coincidências.
Os crentes não são necessariamente menos inteligentes que céticos. A correlação entre crença e educação e habilidade de raciocínio é fraca ou inexistente.
Por outro lado, “há uma correlação fraca, mas consistente, entre crenças na paranormalidade e desadaptação psicológica, incluindo tendências à depressão, mania ou esquizotipia”, diz Chris French, diretor de Pesquisa em Psicologia Anomalística na Universidade de Londres.
Alguns acham que isso significa que quem acredita em PES ou fantasmas só pode ser louco, mas French diz que isso é simplista demais. “Em certas situações, possuir essas crenças pode ser psicologicamente vantajoso”, explica. Elas podem, por exemplo, representar uma forma de enfrentar problemas.
Quem acredita na paranormalidade também apresenta muitos traços que poderiam (dentro dos limites) ser considerados positivos: são pessoas mais intuitivas, e abertas a experiências.
A psicóloga inglesa Susan Blackmore, que era crente e se transformou em cética, conheceu os dois lados da moeda em posição privilegiada.
Ela afirma que é a única pessoa a ter participado do conselho executivo da Sociedade de Pesquisas Mediúnicas e do Comitê para a Investigação Científica de Alegações do Paranormal. “Tenho de dizer”, brinca, “que nos congressos dos crentes, as festas são muito melhores.”
Fonte: Galileu
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