No próximo dia 9, cerca de 40 mil homens que frequentam rituais
secretos semanais, usam códigos para reconhecimento mútuo e se tratam
socialmente como "irmãos" irão às urnas para escolher seu líder máximo.
Em quase 3.000 lojas maçônicas pelo país, os maçons que ostentam o
título de "mestre" do Grande Oriente do Brasil (GOB) --o maior ramo da
maçonaria brasileira-- irão escolher seu próximo soberano grão-mestre
geral.
Cheia de simbolismos, a organização reproduz internamente a hierarquia
institucional da República, com deputados, juízes, governadores e
outros. Dentro da instituição, e guardadas as proporções, o cargo em
disputa equivale ao da presidente Dilma Rousseff.
A maçonaria costuma ser definida pelos próprios maçons como um clube que
reúne "homens livres e de bons costumes", patrióticos e engajados em
promover os princípios do lema "liberdade, igualdade e fraternidade".
Os rituais secretos são feitos em templos decorados com imagens
celestes, falsas colunas gregas e símbolos do zodíaco. Lojas são os
grupos fixos de maçons que se reúnem para os rituais.
Dentro da ordem há várias designações, usadas conforme o status do
filiado: chanceler, guardião, soberano, venerável, eminente e
sapientíssimo são algumas delas.
Em certos locais, maçons são reconhecidos pelo engajamento em ações
filantrópicas. No senso comum, levam a fama de homens influentes e
misteriosos que se ajudam para enriquecer, "um estereótipo bem distante
da realidade", diz o engenheiro Francisco Anselmo, deputado maçom e
estudioso do assunto.
DISPUTA
Na eleição do GOB, o Grande Oriente do Brasil, o candidato mais
conhecido é o senador (da República mesmo) Mozarildo Cavalcanti, do PTB
de Roraima. Como maçom, ele é deputado da Assembleia Federal Legislativa
da entidade. "Sou o único brasileiro deputado e senador ao mesmo
tempo", gosta de repetir.
Concorrendo pela terceira vez --ele perdeu em 1993 e 1998--, Mozarildo
tirou quatro meses de licença do Senado para dedicar-se com mais afinco à
campanha. Com isso, deixou de participar da eleição de Renan Calheiros
(PMDB-AL) para presidente do Congresso, por exemplo.
O nome de Mozarildo ganhou algum destaque no noticiário na época da
demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Ele era
contra a remoção dos fazendeiros da área, mas acabou derrotado quando o
Supremo Tribunal Federal bateu o martelo sobre o tema.
Mozarildo ainda costuma ser citado como o campeão do uso da Cota para
Exercício da Atividade Parlamentar, a verba para reembolso de viagens,
consultorias e outros gastos. Em 2012, ele usou R$ 464 mil contra uma
média de R$ 268 mil de seus colegas. Em 2011, também liderou.
Na maçonaria, porém, ele é mais conhecido como o maior propagador da
ideologia maçônica no Congresso. Uma pesquisa simples no site do Senado
lista 87 pronunciamentos de Mozarildo sobre o assunto. Para efeito de
comparação, o site informa que Eduardo Suplicy (PT-SP) fez 77
pronunciamentos com a expressão "renda básica".
No plenário, Mozarildo já leu o Manifesto da Grande Loja Maçônica de
Roraima, já prestou homenagem ao Dia do Pai Maçom e já fez "uma análise
do papel histórico da maçonaria no mundo, ressaltando a operosidade da
instituição no contexto social".
Um dos maiores orgulhos do senador no parlamento é o livro "O Senado e a
Maçonaria" (472 páginas), assinado por ele e pelo ex-senador Efraim
Morais (DEM-RN), também maçom. Impressa na gráfica do Senado, a obra
reúne 44 discursos de atuais e ex-senadores sobre o tema.
TRADIÇÃO
Em campanha, Mozarildo faz discurso pela abertura do Grande Oriente. "A
maçonaria precisa sair da clausura, ser menos conservadora", diz. "Não
pode se contentar em ser uma entidade só de cerimônias e condecorações."
Suas ideias de abertura, porém, não contemplam a revisão de algumas
regras discriminatórias da entidade, como a recusa à participação de
mulheres e o veto à filiação de deficientes físicos, tradições herdadas
da Idade Média, dos primeiros grupos de pedreiros de templos, muralhas e
castelos na Europa--a origem da instituição.
Outra cláusula fundamental da maçonaria é a não aceitação de ateus. Todo
filiado é obrigado a acreditar em algum ser superior, independentemente
da religião. Como pode ser qualquer deus, esse ser superior é chamado
internamente de Grande Arquiteto do Universo, simbolizado pela letra
"G".
Um dos concorrentes de Mozarildo na disputa é o atual grão-mestre geral
do Grande Oriente do Brasil, o servidor público aposentado do Banco
Central Marcos José da Silva, candidato à reeleição.
Silva faz campanha ressaltando realizações de sua gestão, sempre dando
ênfase aos aspectos financeiros. Além da manutenção de anuidade de R$ 90
por cinco anos "sem reajuste", o destaque é a construção de um centro
cultural maçônico de 4.900 m² em Brasília, "obra de R$ 12 milhões
totalmente paga à vista", ressalta João Guimarães, seu chefe de
gabinete.
O terceiro aspirante é o advogado Benedito Marques Ballouk, membro do
Tribunal de Contas do Município de São Paulo na "vida profana", como diz
o jargão maçom; ex-grão-mestre de São Paulo na "vida maçônica", o
equivalente a governador.
Na disputa, Ballouk também clama por modernização. Depois de exaltar a
participação de maçons ilustres na Independência, na Proclamação da
República e na Abolição da Escravatura --exaltações, aliás, feitas por
todos os maçons ouvidos para esta reportagem--, Ballouk repete o mantra
de sua campanha: "A maçonaria precisa voltar a ser parte da elite
estratégica do país; hoje somos só uma elite convencional".
INFLUÊNCIA
Fundado em 1822, o Grande Oriente do Brasil é uma das três maiores
"potências" maçônicas do país. Em 1927, por divergências eleitorais, um
grupo saiu e fundou uma ordem concorrente, conhecida como Grandes Lojas.
Em 1973, após nova ruptura, surgiu a "obediência" Grandes Orientes
Independentes. Estima-se que, juntas, as três tenham 220 mil maçons.
O próximo comandante do Grande Oriente deverá assumir o controle da entidade num momento histórico paradoxal em seus 190 anos.
Contando mestres (os únicos votantes), companheiros e aprendizes --os
três estágios internos--, são 78 mil maçons associados à ordem.
A
entidade nunca teve tanta gente. Mas, numa avaliação bastante comum
entre os próprios adeptos, nunca foi tão pouco influente.
Entre os notáveis sempre louvados estão figuras como José Bonifácio,
Patriarca da Independência e primeiro grão-mestre da instituição, D.
Pedro I, Rui Barbosa, marechal Deodoro da Fonseca e Joaquim Nabuco.
Hoje, o mais ilustre é o vice-presidente da República, Michel Temer
(PMDB), que, no entanto, não costuma ser citado com muito entusiasmo por
seus "irmãos".
"Faz tempo que ele não aparece por aqui, acho que está
inativo", diz o coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo
Antonio Carlos Mendes, maçom oficial de gabinete do Grande Oriente
paulista.
Nas contas de Mozarildo, há hoje 58 deputados federais maçons no
Congresso Nacional e outros seis senadores. "Uma das minhas propostas é
organizar a bancada da maçonaria", afirma. "Imagine só: seria maior que a
de muitos partidos de hoje."
Enquanto a bancada não se organiza, os maçons da Câmara e do Senado só
são notados quando sobem à tribuna para prestar homenagens à organização
quando é 20 de agosto, o Dia do Maçom.
No Senado, os seis que sempre
comparecem, além de Mozarildo, são Alvaro Dias (PSDB-PR), Cícero Lucena
(PSDB-PB), Gim Argelo (PTB-DF), Jayme Campos (DEM-MT), Sérgio Souza
(PMDB-PR) e Valdir Raupp (PMDB-RO).
Fonte: Folha de São Paulo
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