Análise às ossadas de gladiadores do século II e III d.C., mortos na
cidade romana de Éfeso, revelou que a dieta geral destes lutadores não
era diferente do resto da população: muitos vegetais e poucas proteínas
de animais.
A antiga cidade de Éfeso é conhecida por ter tido uma das sete
maravilhas da antiguidade, o Templo de Ártemis, que foi destruído. Mas
no local arqueológico daquela cidade, na costa ocidental da Turquia,
junto ao mar Mediterrânico, ainda se pode visitar numa encosta aquilo
que foi um imponente teatro para 25.000 pessoas, onde se assistia a
duelos de gladiadores.
Um cemitério de gladiadores, com dezenas de
ossadas e algumas campas, foi descoberto na cidade em 1993. Ainda hoje,
este manancial único de informação continua a revelar como era o
quotidiano dos lutadores que entretinham a população de Éfeso, em duelos
muitas vezes mortais, durante o século II e III d.C.
Na última edição da revista PLOS One,
um artigo científico conclui que a dieta destes homens era
maioritariamente à base de vegetais e com a ingestão de poucas proteínas
de origem animal. De uma forma geral, a sua dieta era semelhante à dos
outros cidadãos de Éfeso, mas havia uma diferença curiosa.
Os
ossos dos gladiadores apresentam níveis mais altos do elemento químico
estrôncio do que o resto dos habitantes da cidade. Para os autores desta
investigação, esta característica poderá dever-se a um cocktail de cinzas de plantas que os lutadores tomavam depois das lutas.
“As cinzas são mencionadas por Plínio, o Velho [naturalista romano], na obra História Natural,
como um remédio depois dos exercícios de luta [dos gladiadores]”,
explica ao PÚBLICO Fabian Kanz, do Departamento de Medicina Forense da
Universidade de Viena, na Áustria, um dos autores do artigo, e que
estudou entre 2000 e 2010 as ossadas encontradas em Éfeso. “A função
desta solução deveria ser semelhante à do cálcio efervescente e à das
barras de manganês que se encontram hoje nas farmácias.”
Os
gladiadores eram escravos, criminosos ou prisioneiros obrigados a
combater em duelos públicos financiados pela classe alta romana para
entreter o povo. Durante séculos, estes homens eram alimentados e
exercitados em escolas de gladiadores para lutarem em público uns contra
outros ou contra animais selvagens. A morte era frequente.
O imaginário
desta realidade desumana é retratado em filmes como Gladiador ou
na história várias vezes narrada de Spartacus, um escravo trácio que se
rebelou contra os romanos e formou o seu próprio exército.
“Há
milhares de artefatos e imagens dos gladiadores, o que dá a entender
que estes jogos eram cruciais para os romanos. Mas o cemitério é uma das
pouquíssimas possibilidades de estudar os próprios gladiadores”,
sublinha Fabian Kanz.
O investigador já tinha analisado as
fraturas nos ossos dos esqueletos daqueles gladiadores — eram homens
entre os 20 e os 30 anos. Os cortes que encontrou nos ossos revelaram
que, apesar de usarem equipamento de proteção, os gladiadores sofriam
golpes mortais. Mas encontrou também fraturas que foram tratadas e
amputações, indicando que eram alvo de cuidados médicos.
A
alimentação é outro aspecto daquele quotidiano. “Os textos antigos
mencionam uma dieta especial para os gladiadores, por isso a questão era
se essa dieta deixou vestígios [específicos] nos seus ossos”, adianta
ainda o cientista.
Agora, através de uma análise dos ossos de 20
gladiadores, bem como de 20 homens, mulheres e crianças não gladiadores,
que viveram em Éfeso na mesma altura, a equipe de investigadores pôde
obter informações novas sobre a sua dieta.
Nos 40 esqueletos, os
investigadores identificaram a proporção existente entre o cálcio e o
estrôncio, por um lado, e por outro a proporção de isótopos (variantes
de cada elemento) de carbono, azoto e enxofre. Depois, fizeram uma
comparação entre a população de gladiadores e a população normal.
Uma
das conclusões importantes do estudo agora publicado foi precisamente a
análise do rácio dos isótopos de azoto, uma vez que uma das formas
deste elemento químico indica a existência de proteínas de animais na
dieta.
“Não encontramos nos ossos dos gladiadores diferenças
significativas de [uma das formas de] azoto em relação aos ossos da
população normal de Éfeso”, explica-nos, por seu lado, Sandra Lösch,
outra autora do artigo, da Universidade de Berna, na Suíça.
A
alimentação da maior parte da população seria constituída
maioritariamente por cereais e outros vegetais. Os gladiadores tinham
até a alcunha difamatória de “comedores de cevada”. “Claro que eles
comeriam peixe e carne, mas pensamos que não seria o componente
principal da sua dieta”, defende Fabian Kanz. “Nas classes mais altas, o
consumo de carnes caras terá sido maior.”
Quanto às cinzas, que
poderá explicar a quantidade mais elevada de estrôncio nos ossos dos
gladiadores em relação às outras pessoas, elas poderão ter sido oriundas
da queima da madeira de “cedros, pinheiros e carvalhos”, refere o
artigo.
Fabian Kanz deixa-nos uma possível receita para esse cocktail:
“Pensamos que a cinza poderia ser dissolvida numa mistura de vinagre e
água — uma bebida romana normal — e talvez fosse adicionado mel para
adoçar.”
Fonte: Público
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