Análises de
pesquisadores australianos revelam complexo de templos e elaborada rede
de avenidas, diques e lagos artificiais no Camboja
Nas profundezas da selva do Camboja encontram-se os restos de uma vasta
cidade medieval que permaneceu escondida até o século 19.
Agora, técnicas modernas de arqueologia estão revelando os segredos
dessa cidade misteriosa: uma rede intrincada de templos, largas avenidas
e sofisticadas obras de engenharia. E, mais incrível ainda, os
arqueólogos encontraram na região uma outra cidade, ainda mais antiga -
uma verdadeira "Atlântida" em plena selva do Camboja.
Em abril
de 1858, um jovem explorador francês, Henri Mouhot, velejou de Londres
para o sudeste da Ásia. Durante três anos de viagens, ele pesquisou e
identificou exóticos insetos da floresta que ainda hoje carregam seu
nome.
Mouhot morreu em Laos, em 1861, vítima de uma doença
contraída na selva. Muito provavelmente, o nome do explorador teria
caído no esquecimento. No entanto, um diário de viagem escrito por ele,
narrando suas aventuras, foi publicado dois anos mais tarde.
O livro conquistou o público não apenas por conta de suas
representações de aranhas e outros insetos. O diário de Mouhot também
continha vívidas descrições de templos invadidos pela floresta,
apresentando ao mundo, em todo o seu esplendor, a cidade medieval
perdida de Angkor, no Camboja.
"Um desses templos, um rival do
templo de Salomão, erguido por um Michelangelo da Antiguidade, mereceria
lugar de honra ao lado das nossas mais belas construções. É mais
grandioso do que qualquer obra deixada para nós pelos gregos ou
romanos", ele escreveu.
A tecnologia da Lidar revelou a cidade original de Angkor
As descrições de Mouhot ajudaram a
firmar, na cultura popular, a poderosa fantasia de exploradores às
voltas com templos esquecidos.
Hoje, o Camboja é famoso por
essas ruínas. A maior, Angkor Wat, construída por volta de 1150,
continua sendo o maior complexo religioso do planeta, cobrindo uma área
quatro vezes maior do que a Cidade do Vaticano.
A cidade medieval atrai dois milhões de turistas por ano e ocupa lugar de honra na bandeira do Camboja.
Atlântida da Selva
Em 1860, no entanto, Angkor Wat era conhecida apenas por monges e
moradores da região. E eles não tinham a menor ideia de que esse grande
templo havia sido cercado, um dia, por uma cidade com quase um milhão de
habitantes.
Foi necessário quase um século de exaustivos
estudos arqueológicos de campo para completar o mapa. Aos poucos, a
cidade perdida de Angkor começou a ressurgir, rua após rua. Ainda assim,
restavam várias lacunas em branco.
No ano passado, arqueólogos
anunciaram uma série de novas descobertas sobre Angkor. E disseram ter
encontrado uma cidade mais antiga ainda, escondida mais além, nas
profundezas da floresta.
As linhas vermelhas indicam os traços modernos incluindo estradas e canais
Uma equipe internacional, liderada pelo arqueólogo Damian Evans, da
Universidade de Sydney, Austrália, tinha mapeado 370 km quadrados em
torno de Angkor com uma precisão de detalhes absolutamente sem
precedentes.
Um feito impressionante, tendo em vista a densidade da
floresta e a presença de minas remanescentes da guerra civil no Camboja.
Mais notável ainda, o mapeamento foi feito em apenas duas semanas.
O segredo da equipe australiana chama-se Lidar, uma tecnologia que está
revolucionando a arqueologia, especialmente nos trópicos.
Embutido em um helicóptero que sobrevoou toda a selva do Camboja, o
sistema Lidar emitiu um milhão de raios laser a cada quatro segundos,
registrando minúsculas variações na topografia do solo.
Os
arqueólogos encontraram traços da cidade entalhados no chão da floresta,
com templos, ruas e elaborados aquedutos distribuídos pela região.
"Você tem essa espécie de revelação quando coloca os dados na tela pela
primeira vez e lá está, essa cidade antiga, com absoluta clareza, bem
na sua frente", disse Evans. As novas descobertas transformaram profundamente nossa compreensão de Angkor, a maior cidade medieval do mundo.
No seu apogeu, no final do século 12, Angkor era uma metrópole que
cobria 1.000 km quadrados. (Para se ter uma ideia, Londres só alcançou
esse tamanho 700 anos depois.)
Angkor foi a capital do poderoso império Khmer que, sob o comando de
reis guerreiros, dominou aquela região durante séculos. Seu território
cobria o que hoje entendemos como Camboja, Vietnã, Laos, Tailândia e
Mianmar. Mas suas origens ainda eram mistério.
Inscrições
indicavam que o império havia sido fundado no início do século 9 por um
grande rei, Jayavarman Segundo, e que a primeira capital,
Mahendraparvata, ficava em montanhas a nordeste do ponto onde Angkor
seria, mais tarde, construída. Mas ninguém sabia ao certo - até a chegada da equipe australiana.
Phra Sav Ling Povn, palácio do rei leproso, perto de Angkor Wat, por volta de 1930
Uma análise da área com o auxílio da nova tecnologia revelou tênues
vestígios de templos desconhecidos e uma elaborada rede de avenidas,
diques e lagos artificiais - uma "Atlântida" na selva.
Mais
impressionante ainda foram evidências de obras de engenharia hidráulica
de grande escala identificadas pelos sensores - uma marca registrada do
império Khmer.
No final do século 9, quando a capital foi
transferida para um ponto mais ao sul, onde fica Angkor, engenheiros
Khmer já eram capazes de armazenar e distribuir grandes quantidades de
preciosa água recolhida durante a estação das monções por meio de uma
rede complexa de canais e reservatórios.
A capacidade de armazenar água permitia estabilidade nos suprimentos de alimentos e enriqueceu a elite Khmer.
Durante os três séculos seguintes, essa riqueza financiou a maior concentração de templos da Terra.
Um destes, o Preah Khan, construído em 1191, continha 60 toneladas de ouro. Hoje, essa material valeria US$ 3,3 bilhões.
Declínio
Mas apesar de toda essa riqueza, Angkor não foi capaz de derrotar um inimigo inclemente: o clima. No momento em que o programa de construção de templos atingia seu pico,
a rede hidráulica, vital para a sustentação da cidade, começou a sofrer
por falta de manutenção. No final da Idade Média houve variações dramáticas de clima no sudeste asiático.
Amostras de troncos de árvores registram flutuações repentinas entre
secas extremas e chuvas torrenciais. E o mapa produzido pelo sistema
Lidar revela os danos catastróficos que as inundações provocaram.
Sem esse mecanismo vital de sustentação, Angkor caiu em declínio e jamais se recuperou. No século 15, os reis Khmer abandonaram a cidade e se mudaram para a
costa. Lá, construíram uma nova cidade, Phnom Penh, atual capital do
Camboja.
Quando Mouhot chegou, encontrou apenas os grandes templos de pedra, muitos, em ruínas. Praticamente todo o resto - de casas populares a palácios reais, feitos de madeira - havia apodrecido.
A metrópole que um dia existira em torno dos templos tinha sido devorada pela floresta.
Fonte: UOL
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