Há uns 150 milhões de anos, existiam pelo menos quatro espécies de
grandes carnívoros parecidos com os crocodilos atuais, conclui um
estudo. Uma delas nunca fora descrita em Portugal.
Eram répteis marinhos, alguns com quase dez metros de comprimento,
capazes de esmagar a carapaça das tartarugas e os ossos dos grandes
peixes dos quais se alimentavam. Caracterizavam-se, tal como os
crocodilos atuais, pelo seu corpo alongado, curtas patas, focinho
pontiagudo e temíveis dentes.
Os especialistas designam este gênero de animais com o nome científico de Machimosaurus.
Restos fósseis destes predadores já foram encontrados na Europa – da
Inglaterra à Alemanha e à Polônia, passando por Portugal, Espanha,
França e Suíça –, bem como em África, mais precisamente na Etiópia.
Porém,
existia uma certa confusão quanto ao número de espécies conhecidas,
lê-se num artigo publicado na terça-feira na revista Royal Society Open Science.
E por isso, a equipe internacional de cientistas (incluindo um
português) que assina este trabalho decidiu reavaliar a classificação
destes “crocodilos” ancestrais, que viveram no nosso planeta no
Jurássico Superior, há entre 161 e 145 milhões de anos.
“Embora aparentados com os crocodilos, tecnicamente os Machimosaurus não
são verdadeiros crocodilos. São crocodilomorfos, ou seja pertencem a um
grupo que inclui os crocodilos atuais e também espécies mais
primitivas”, começa por esclarecer ao PÚBLICO o co-autor Octávio Mateus,
conhecido paleontólogo da Universidade Nova de Lisboa e do Museu da
Lourinhã.
Seja como for, neste estudo, salienta o cientista, “é
apresentado o ponto da situação, o estado da arte, relativamente a este
gênero de crocodilomorfo, que era conhecido desde há muito, mas mal
compreendido”.
O que é que a equipe descobriu concretamente? Que as diversas espécies de Machimosaurus “evoluíram numa sucessão cronológica e geográfica, num processo semelhante ao gênero Crocodylus atual. Ou seja, cada espécie do gênero Machimosaurus viveu num território e numa idade ligeiramente distinta”.
De
fato, este trabalho apresenta, diz Octávio Mateus, “uma nova
‘arrumação’ taxonômica das espécies conhecidas dentro do gênero Machimosaurus, com novas caracterizações e detalhes”.
Os autores concluem que os fósseis revelam a existência de quatro espécies destes animais, respectivamente, Machimosaurus hugii (os maiores animais)¸ Machimosaurus mosae, Machimosaurus nowackianus e ainda uma nova espécie: Machimosaurus buffetauti.
Machimosaurus mosae,
que até aqui se pensava que poderia não ser uma espécie distinta – mas
que o estudo agora confirma como tal – viveu no Nordeste da atual
França; Machimosaurus nowackianus é a espécie localizada na Etiópia; e a recém-reclassificada Machimosaurus buffetauti provém de França e Alemanha, “bem como, provavelmente, de Inglaterra e Polônia”, escrevem ainda os autores.
Quanto a Machimosaurus hugii,
que podia atingir nove metros de comprimento, viveu na Suíça, Portugal e
Espanha – e “em Portugal, temos os mais antigos e os maiores espécimes
deste gênero”, salienta Octávio Mateus.
Em Portugal, refere ainda o artigo, um dente de Machimosaurus foi
encontrado em 1943 pelo geólogo Carlos Teixeira em Lagares (Colmeias,
perto de Leiria) – mas o mais completo espécime conhecido provém da mina
de Guimarota, um autêntico ecossistema do Jurássico perto de Leiria e
inclui um crânio e várias vértebras.
Ao contrário de estudos
anteriores, explicam ainda os autores, “a nossa reavaliação não se
baseia apenas em contagens de dentes e em proporções de biometria
craniana. A nossa revisão utiliza estas características, mas vai mais
além, incluindo também aspectos de anatomia comparada, de tamanho
corporal, de hipotético estilo de vida, de idade geológica e de extensão
territorial”.
E é essa “abordagem holística”, argumentam, que
permite “facilmente identificar três espécies europeias e revela que
estes grupos, potencialmente contemporâneos, estavam adaptados a
ecossistemas muito diferentes”.
Contudo, o que segundo estes cientistas é
o mais “surpreendente” é que grande parte do raciocínio que delineiam
no artigo “era conhecido há muito tempo, mas que a sua síntese nunca
tinha sido feita.”
Os cientistas concluem que, à medida que os espécimes de Machimosaurus se forem tornando mais abundantes, será interessante saber se também existiram outros grupos de Machimosaurus,
limitados do ponto de vista geográfico, noutras regiões do mundo – e em
particular fora da Europa. “Isso permitiria esclarecer ainda mais a
evolução desta notável família de crocodilomorfos marinhos.”
Fonte: Público
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