quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Maior “crocodilo” do Jurássico viveu nas águas costeiras e estuários de Portugal



Há uns 150 milhões de anos, existiam pelo menos quatro espécies de grandes carnívoros parecidos com os crocodilos atuais, conclui um estudo. Uma delas nunca fora descrita em Portugal.


Eram répteis marinhos, alguns com quase dez metros de comprimento, capazes de esmagar a carapaça das tartarugas e os ossos dos grandes peixes dos quais se alimentavam. Caracterizavam-se, tal como os crocodilos atuais, pelo seu corpo alongado, curtas patas, focinho pontiagudo e temíveis dentes.


Os especialistas designam este gênero de animais com o nome científico de Machimosaurus. Restos fósseis destes predadores já foram encontrados na Europa – da Inglaterra à Alemanha e à Polônia, passando por Portugal, Espanha, França e Suíça –, bem como em África, mais precisamente na Etiópia.


Porém, existia uma certa confusão quanto ao número de espécies conhecidas, lê-se num artigo publicado na terça-feira na revista Royal Society Open Science. E por isso, a equipe internacional de cientistas (incluindo um português) que assina este trabalho decidiu reavaliar a classificação destes “crocodilos” ancestrais, que viveram no nosso planeta no Jurássico Superior, há entre 161 e 145 milhões de anos.


“Embora aparentados com os crocodilos, tecnicamente os Machimosaurus não são verdadeiros crocodilos. São crocodilomorfos, ou seja pertencem a um grupo que inclui os crocodilos atuais e também espécies mais primitivas”, começa por esclarecer ao PÚBLICO o co-autor Octávio Mateus, conhecido paleontólogo da Universidade Nova de Lisboa e do Museu da Lourinhã.


Seja como for, neste estudo, salienta o cientista, “é apresentado o ponto da situação, o estado da arte, relativamente a este gênero de crocodilomorfo, que era conhecido desde há muito, mas mal compreendido”.


O que é que a equipe descobriu concretamente? Que as diversas espécies de Machimosaurus “evoluíram numa sucessão cronológica e geográfica, num processo semelhante ao gênero Crocodylus atual. Ou seja, cada espécie do gênero Machimosaurus viveu num território e numa idade ligeiramente distinta”.


De fato, este trabalho apresenta, diz Octávio Mateus, “uma nova ‘arrumação’ taxonômica das espécies conhecidas dentro do gênero Machimosaurus, com novas caracterizações e detalhes”.


Os autores concluem que os fósseis revelam a existência de quatro espécies destes animais, respectivamente, Machimosaurus hugii (os maiores animais)¸ Machimosaurus mosae, Machimosaurus nowackianus e ainda uma nova espécie: Machimosaurus buffetauti


Machimosaurus mosae, que até aqui se pensava que poderia não ser uma espécie distinta – mas que o estudo agora confirma como tal – viveu no Nordeste da atual França; Machimosaurus nowackianus é a espécie localizada na Etiópia; e a recém-reclassificada Machimosaurus buffetauti provém de França e Alemanha, “bem como, provavelmente, de Inglaterra e Polônia”, escrevem ainda os autores.


Quanto a Machimosaurus hugii, que podia atingir nove metros de comprimento, viveu na Suíça, Portugal e Espanha – e “em Portugal, temos os mais antigos e os maiores espécimes deste gênero”, salienta Octávio Mateus.


Em Portugal, refere ainda o artigo, um dente de Machimosaurus foi encontrado em 1943 pelo geólogo Carlos Teixeira em Lagares (Colmeias, perto de Leiria) – mas o mais completo espécime conhecido provém da mina de Guimarota, um autêntico ecossistema do Jurássico perto de Leiria e inclui um crânio e várias vértebras.


Ao contrário de estudos anteriores, explicam ainda os autores, “a nossa reavaliação não se baseia apenas em contagens de dentes e em proporções de biometria craniana. A nossa revisão utiliza estas características, mas vai mais além, incluindo também aspectos de anatomia comparada, de tamanho corporal, de hipotético estilo de vida, de idade geológica e de extensão territorial”.


E é essa “abordagem holística”, argumentam, que permite “facilmente identificar três espécies europeias e revela que estes grupos, potencialmente contemporâneos, estavam adaptados a ecossistemas muito diferentes”. 


Contudo, o que segundo estes cientistas é o mais “surpreendente” é que grande parte do raciocínio que delineiam no artigo “era conhecido há muito tempo, mas que a sua síntese nunca tinha sido feita.”


Os cientistas concluem que, à medida que os espécimes de Machimosaurus se forem tornando mais abundantes, será interessante saber se também existiram outros grupos de Machimosaurus, limitados do ponto de vista geográfico, noutras regiões do mundo – e em particular fora da Europa. “Isso permitiria esclarecer ainda mais a evolução desta notável família de crocodilomorfos marinhos.”
 



Fonte: Público

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