Castelinho do Flamengo
Quando escurece o dia os mortos ocupam o
lugar dos vivos em lugares conhecidos e desconhecidos que andam
mal-assombrados pelos mesmos.
Tanto famosos como outros anônimos são
hoje fantasmas que as lendas urbanas cariocas incitam a visitar
os lugares do seu poiso mas não deixando de ser uma maneira encapotada
para conhecer de perto os principais monumentos do Rio Janeiro que tem
tanto para contar, nem que seja através das lendas do além-túmulo onde
os mortos servem de guias turísticos aos vivos.
O fantasma de Tiradentes, 200 anos depois
da sua morte por enforcamento em 21 de Abril de 1792, ainda se arrasta
pelos extensos corredores do palácio governamental com o seu nome,
segundo contam os funcionários aterrorizados.
Dizem que ouvem grilhões a
arrastar-se pelo chão e gemidos de pôr os cabelos em pé que parecem
subir do subsolo, onde estava a cadeia que reteve o célebre líder da
Inconfidência Mineira, à superfície e prosseguir numa marcha invísivel
macabra pelas dependências do edifício. Alguns juram já o ter visto.
Também a imperatriz Leopoldina, a mulher
atraiçoada de D. Pedro I, arrasta as suas penas em dois lugares
distintos da capital carioca: na igreja da Ordem Terceira do Carmo, em
frente à Praça XV, que em 1817 foi palco do seu casamento com o
imperador.
Apesar dos sete filhos, a relação entre os dois esteve longe
de ser uma grande história de amor, D. Pedro preferia a marquesa de
Santos. Nove anos depois do matrimônio e humilhada pelas sucessivas
traições do marido, D. Leopoldina morreu por complicações de um aborto,
enquanto D. Pedro passava uma temporada em Portugal.
A lenda diz que a
mágoa e o rancor acumulados nos anos ao lado do marido, ela levou-os
para o túmulo. Seria esse o motivo de D. Leopoldina assombrar até hoje a
igreja do seu casamento e o local onde viveu no Brasil, o Palácio S.
Cristóvão, onde atualmente funciona o Museu Nacional, na Quinta da Boa
Vista (zona norte da cidade).
A alma penada da rainha D. Maria I, a
Louca, vagueia entre gemidos lancinantes no prédio comprido n.º 101 da
Avenida 1.º de Março, morada oficial da monarca e que confinava com o
Convento do Carmo, confiscado em 1808 com a chegada da corte portuguesa
ao Rio de Janeiro, com o qual o edifício real se liga e assim também
dando passagem à alma infeliz da rainha louca.
Este apelido nasceu dos
devaneios e surtos causados pela doença mental que a acompanhou nos
últimos anos de vida. Isolada, sofrida e fora de si, ela morreu em 1816,
com 81 anos, nesta sua primeira e única casa brasileira.
Relata-se que a
alma penada de D. Maria I perambula pelo velho convento, onde foi
pregada uma placa que resume a sua estadia em terras cariocas: “Pelas
janelas deste prédio faziam-se ouvir as manifestações de demência da
rainha-mãe D. Maria I, a Louca, que a partir da chegada da Corte
Portuguesa, em 1808, instalou-se onde era o Convento do Carmo, logo
interligado por um passadiço à residência do príncipe regente D. João, o
então Paço Real”.
O Teatro Municipal, a maior referência da
Praça da Cinelândia, alberga três fantasmas, como contam os seus
funcionários constantemente assustados pelos mesmos. O mais famoso dos
três é o de Arthur Azevedo, jornalista e teatrólogo que lutou pela
construção do edifício e que seria o responsável pelo discurso da sua
inauguração em 1909.
Mas como a morte surpreendeu-o um ano antes, os
planos foram modificados e a honra das primeiras palavras do novo teatro
coube a seu amigo Olavo Bilac, um dos maiores poetas brasileiros.
Diz-se que desde então a alma de Arthur sobe ao palco todas as
madrugadas para fazer o discurso interrompido pela sua morte.
Outros
relatos feitos por vozes assustadas dão conta de uma cantora de ópera
com cabelos desgrenhados que solta a voz nos parapeitos do teatro. Por
lá também vagueia a alma de um violinista morto a tiros por um maestro
dentro do prédio.
Paralelo ao Teatro Municipal, na esquina
das ruas Evaristo da Veiga e Treze de Maio, no prédio amarelo onde hoje
funciona uma agência bancária, era a residência de Ana Teodoro Ramos
Mascarenhas, mãe do bispo José Justino Mascarenhas.
Nos meados do século
XVIII, as pessoas recorriam a ela para as ajudar nos seus problemas que
recorrentemente pedia ajuda ao filho, que como bispo detinha grande
poder. Surgiu daí a expressão carioca “vá queixar-se à mãe do bispo”.
Ana Teodoro morreu no início do século XIX, mas há quem diga que já
esbarrou com ela debruçada sobre as janelas, como se ainda esperasse os
queixumes do povo.
Ainda na Cinelândia, o prédio onde
funcionava o antigo Cinema Pathe foi erguido no terreno que abrigava o
Convento da Ajuda. Entre 1750 e 1910, aí viviam freiras que faziam doces
para vender e que sendo expulsas após a demolição do edifício, as suas
almas voltaram para assombrar a sua antiga habitação.
O banheiro
masculino, à direita da recepção, é o alvo principal. A alguns metros
daqui está a Câmara dos Vereadores do Rio, erguida em 1923, e há
inúmeros relatos de que os fantasmas de ex-funcionários passeiam pelos
corredores. Talvez por isto seja comum dizer-se que “a política carioca
está mal-assombrada”.
Finalmente, aparece o fantasma do Castelinho do Flamengo. Construído em
1918, foi habitado na década de 30 do século passado pela família
portuguesa Fernandes. Após o atropelamento e a morte dos pais, a sua
filha Maria de Lourdes teria sido presa e maltratada na torre do castelo
pelo tutor que queria apropriar-se dos bens da família.
A pobre jovem
sucumbiu vítima dos maus tratos. Então, o seu fantasma regressou vindo
assustar os moradores que ocupavam o edifício na década de 70,
aparecendo-lhes e dizendo-lhes com voz do além-túmulo: “Só quero o que é
meu”. Até hoje, o fantasma continua por lá.
Fonte: Lusophia
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