A mais antiga serpente pisou a superfície da Terra há 130 milhões de anos, devorando pequenos mamíferos quando os dinossauros ainda governavam o planeta. Sim, "pisou" é o verbo certo: essa mãe de todas as cobras tinha patas de trás, com tornozelos e dedinhos, de acordo com uma nova análise.
A conclusão está em artigo recente na revista científica "BMC Evolutionary Biology". Os autores do trabalho, liderados por Allison Hsiang, paleontóloga da Universidade Yale (EUA), usaram as características anatômicas e genéticas de mais de 70 espécies de cobras e lagartos para fazer o "retrato falado" da primeira serpente.
A conclusão está em artigo recente na revista científica "BMC Evolutionary Biology". Os autores do trabalho, liderados por Allison Hsiang, paleontóloga da Universidade Yale (EUA), usaram as características anatômicas e genéticas de mais de 70 espécies de cobras e lagartos para fazer o "retrato falado" da primeira serpente.
"Era um predador noturno, furtivo, que vivia em ambientes de floresta no hemisfério Sul", disse Hsiang em comunicado oficial. O mais provável é que esse ancestral não tivesse veneno potente nem fosse capaz de esmagar suas vítimas, como fazem as sucuris e jiboias - essas duas características surgiriam mais tarde na linhagem das serpentes.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores basicamente computam a frequência de determinadas características em cobras atuais e extintas e usam análises estatísticas sofisticadas para verificar a probabilidade de que determinado traço –a vida diurna ou noturna, por exemplo– também estivesse presente no ancestral comum dos bichos.
Uma das espécies extintas mais importantes para a análise é a Najash rionegrina, de 90 milhões de anos, uma serpente da Patagônia argentina que tem como codescobridor o paleontólogo brasileiro Hussam Zaher, do Museu de Zoologia da USP. Não por acaso, a N. rionegrina tinha um par funcional de patinhas de trás.
DA TERRA À ÁGUA
Para quem está acostumado a pensar nas cobras como bichos essencialmente "entocados", sempre rastejando pelo chão, é importante lembrar que a tese de uma origem terrestre para elas não é tão óbvia quanto parece.
Há uma série de fósseis bastante antigos de serpentes-marinhas, sem falar nas espécies do grupo que ainda hoje habitam recifes de coral e nunca deixam o oceano (com exceção de um gênero, que bota ovos em terra firme, todas as serpentes-marinhas dão à luz seus filhotes diretamente na água).
Além disso, outros tipos de cobras, como as sucuris do Pantanal, estão adaptados a passar boa parte do tempo dentro d'água. Isso levou alguns especialistas a postular que o formato incomum do corpo desses animais poderia ter surgido para facilitar o nado.
A nova análise, no entanto, mostra que tanto as serpentes-marinhas do passado remoto quanto as atuais são ramos do "meio" da árvore genealógica do grupo, e não de sua base, o que indica que elas evoluíram bem depois da origem das cobras.
Resta ainda, portanto, explicar o porquê da perda dos membros no caso de uma origem terrestre. Uma possibilidade é justamente a adaptação à vida fossorial, ou seja, em tocas debaixo do chão –membros reduzidos ajudariam os bichos a se enfiar na terra com mais facilidade.
A nova análise, porém, não confirmou totalmente essa hipótese. É igualmente possível que as primeiras serpentes passassem a maior parte do tempo na superfície do solo, e não debaixo dele.
NO QUENTINHO
Um dado surpreendente do estudo de Hsiang é a preferência original das cobras por hábitos noturnos, uma vez que à noite a temperatura cai, uma situação não muito agradável para répteis, que precisam de calor externo para manter seu organismo funcionando.
Em parte, isso se explica pelo hábitat original das serpentes em áreas quentes do globo (como as lagartixas de hoje), e também pelo fato de que as temperaturas do planeta eram significativamente mais altas na Era dos Dinossauros, quando elas surgiram. Conforme o clima da Terra foi ficando menos favorável nas dezenas de milhões de anos seguintes, as serpentes voltaram a se adaptar à vida diurna.
Fonte: Folha de São Paulo
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