Por séculos, os arqueólogos reconstruíram a história da Europa
cavando antigos assentamentos e examinando os itens que seus habitantes
deixaram para trás. Mais recentemente, os pesquisadores têm analisado
com atenção algo ainda mais revelador do que potes, carruagens e
espadas: DNA.
Na quarta-feira (17), no jornal Nature, duas
equipes de cientistas – uma da Universidade de Copenhagen e outra da
Universidade Harvard – apresentaram o maior estudo até agora sobre DNA
europeu antigo, extraído de 170 esqueletos encontrados em países da
Espanha até a Rússia. Os dois estudos indicaram que os europeus de hoje
descendem de três grupos que se mudaram para a Europa em épocas
diferentes.
Os primeiros eram caçadores-coletores que chegaram à
Europa cerca de 45 mil anos atrás. Depois vieram os fazendeiros que
entraram pelo oriente próximo cerca de oito mil anos atrás.
Finalmente, um grupo de pastores nômades vindos da Rússia oriental,
chamados yamnayas, chegaram cerca de 4,5 mil anos atrás. Os autores dos
novos estudos também sugerem que a linguagem dos yamnayas foi a origem
de várias das línguas faladas na Europa hoje.
Ron Pinhasi,
arqueólogo do Colégio Universitário Dublin que não está envolvido em
nenhuma das duas pesquisas, diz que elas "mudam as coisas de maneira
importante. Para mim, marcam uma nova fase na pesquisa com DNA antigo".
As duas equipes trabalharam de maneira independente, estudando
esqueletos diferentes e usando métodos diversos para analisar o DNA.
A equipe de Harvard coletou DNA de 69 restos humanos de oito mil anos e
catalogou as variações genéticas em quase 400 mil pontos. A equipe de
Copenhagen coletou DNA de 101 esqueletos de cerca de 3,4 mil anos e
sequenciou seus genomas inteiros.
Os dois times também
compararam os DNAs sequenciados com genes recolhidos de outros antigos
europeus e asiáticos e com o de pessoas vivas.
Os pesquisadores
descobriram que até cerca de nove mil anos atrás, a Europa abrigava uma
população geneticamente distinta de caçadores-coletores. Então, de nove a
sete mil anos atrás, os perfis genéticos dos habitantes de algumas
partes da Europa mudaram abruptamente, adquirindo DNA de populações do
oriente próximo.
Os arqueólogos sabem há tempos que as práticas
de cultivo que se espalharam pela Europa na época vieram da Turquia. Mas
as novas evidências mostram que não foram apenas as ideias que se
propagaram – os fazendeiros também.
No entanto, os
caçadores-coletores não desapareceram. Eles conseguiram sobreviver em
bolsões pela Europa entre as comunidades de fazendeiros.
"É um
processo cultural incrível", diz David Reich, geneticista da Escola de
Medicina de Harvard que liderou a equipe da universidade. "Você tem
grupos que são tão geneticamente distintos quanto europeus e pessoas da
Ásia Oriental. E eles estão vivendo lado a lado por milhares de anos."
De sete a cinco mil anos atrás, no entanto, o DNA dos
caçadores-coletores começou a aparecer nos genes dos fazendeiros
europeus. "Há uma quebra nessa barreira cultural, e eles se misturam",
explica Reich.
Cerca de 4,5 mil anos atrás, a última peça do
quebra-cabeça genético da Europa encontrou seu lugar. Uma nova infusão
de DNA apareceu – uma que é ainda muito comum entre os europeus hoje,
especialmente aqueles que vivem no norte da Europa.
A
correspondência mais próxima desse novo DNA, descobriram as duas
equipes, vem de esqueletos encontrados nos túmulos de yamnayas no oeste
da Rússia e na Ucrânia.
Os arqueólogos estão há tempos
fascinados pelos yamnayas, que deixaram nas estepes do oeste da Rússia e
da Ucrânia artefatos de 5,3 mil a 4,6 mil anos atrás. Os yamnayas
usavam cavalos para reunir grandes rebanhos de ovelhas, e seguiam os
animais pelas estepes em carroças cheias de comida e água.
Era
um meio de vida de grande sucesso, que permitia que os yamnayas
construíssem imensos montes funerários para seus mortos, que enchiam de
joias, armas e até mesmo carruagens inteiras.
David W. Anthony,
arqueólogo da Faculdade Hartwick e um dos autores do estudo de Harvard,
diz que possivelmente a expansão dos yamnayas pela Europa foi
relativamente pacífica. "Não foi como Átila, o huno, chegando e matando
todo mundo", afirma ele.
Ao invés disso, Anthony acha que o
cenário mais provável é que os yamnayas tenham "entrado em um tipo de
oposição estável" com os residentes da Europa que durou alguns séculos.
Mas então, gradualmente, as barreiras entre as culturas caíram.
O
estudo da equipe de Copenhagen sugere que os yamnayas não se expandiram
só para o oeste até a Europa. Os cientistas examinaram o DNA de
esqueletos de 4,7 mil anos de uma cultura siberiana chamada afanasievo. E
eles também herdaram DNA dos yamnayas.
Anthony diz que ficou
surpreso com a possibilidade de que os yamnayas tenham percorrido cerca
de 6,5 mil quilômetros. "Eu mesmo tenho dificuldade de encontrar
explicações para isso", admite.
Os dois estudos também colocam
mais combustível no debate sobre como as linguagens se desenvolveram
pela Europa e pela Ásia. A maioria das línguas europeias pertence à
família indo-europeia, que também inclui linguagens do sul e do centro
da Ásia.
Por décadas, os linguistas têm debatido como as
indo-europeias chegaram à Europa. Alguns acreditam na ideia de que os
fazendeiros originais trouxeram as indo-europeias da Turquia para a
Europa. Outros acham que a linguagem veio das estepes russas milhares de
anos depois.
Os novos resultados genéticos não acabam com o
debate, diz Eske Willerslev, biólogo evolucionário da Universidade de
Copenhagen que liderou a equipe dinamarquesa. Mas, segundo ele, os
resultados são consistentes com a ideia de que os yamnayas trouxeram a
língua indo-europeia das estepes para a Europa.
A expansão para o
oriente dos yamnayas, evidente nas descobertas genéticas, também dá
força a essa teoria, diz Willerslev. Os linguistas vêm faz tempo
estudando uma língua indo-europeia chamada tocharian que era falada na
China ocidental. Ela é conhecida apenas por manuscritos de 1,2 mil anos
descobertos em cidades antigas. É possível que o tocharian fosse um
vestígio da expansão dos yamnayas pelo oriente.
"Podemos dizer
apenas que a teoria da expansão se encaixa bem com a propagação
geográfica da linguagem indo-europeia", diz Willerslev.
Paul
Heggarty, linguista do Instituto de Antropologia Evolucionária Max
Planck, afirma que os novos estudos são importantes, mas ainda muito
limitados para acabar com o debate sobre as indo-europeias. "Acho que
ainda não chegamos lá", diz ele.
Heggarty nota que os estudos
mostram a chegada dos yamnayas à Europa Central cerca de 4,5 mil anos
atrás. Mas o grego é uma língua indo-europeia, e a evidência mais antiga
de escritos na Europa mostram que o grego se desenvolveu cerca de 3,5
mil anos atrás. Nessa época, já era diferente das outras linguagens
indo-europeias do sul da Europa, como o latim.
Se os yamnayas
fossem a fonte das linguagens indo-europeias, eles precisariam ter
atingido o sul da Europa logo depois que chegaram ao centro do
continente.
Heggarty especula que ao invés disso os antigos
fazendeiros europeus, a segunda onda de imigrantes, podem ter trazido as
indo-europeias do oriente próximo. Então, milhares de anos depois, os
yamnayas trouxeram a linguagem novamente até a Europa Central.
Mais estudos de DNA antigo podem aumentar a evidência em favor de uma ou
de outra teoria, afirma Heggarty. Uma evidência mais forte indicando
que a origem das indo-europeias são as estepes pode surgir, por exemplo,
se os cientistas descobrirem que por volta de 4,5 mil anos atrás os
gregos abruptamente adquiriram DNA dos yamnayas.
"Vamos ver se eles se parecem com o povo das estepes ou não", diz Heggarty.
Fonte: UOL
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