Filipe 2º, o rei guerreiro que unificou a Macedônia e foi pai de Alexandre, o Grande,
está na tumba errada. É o que afirma um novo estudo de três esqueletos
encontrados em uma sepultura que não era atribuída ao monarca. Sua idade
ao morrer e suas feridas de guerra mostram agora que se trata do rei
macedônio. Durante todos esses anos, o túmulo errado teria sido mostrado
aos turistas.
No final da década de 1970 foi descoberto em Vergina,
no norte da Grécia, um complexo funerário com três sepulcros. O
primeiro havia sido saqueado na Antiguidade e apenas continha os restos
de um homem, uma mulher e uma criança. Também havia um espetacular
afresco do rapto de Perséfone.
A segunda sim, parecia digna de um rei
devido à elegante fachada clássica, a rica armadura e os dois sarcófagos
de ouro encontrados em seu interior. Em um deles estavam as cinzas de
um homem que foi identificado rapidamente como o rei Filipe 2º. Ele foi
morto no dia do casamento de sua filha, possivelmente por ordem de sua
mulher, Olímpia, em 336 a.C.
Alexandre tinha 20 anos. Depois de
sua coroação como novo rei, lançou-se à conquista de quase todo o mundo
conhecido pelos antigos gregos no dorso de Bucéfalo, o cavalo indomável
que seu pai lhe havia presenteado, dizendo-lhe que procurasse outro
reino, pois a Macedônia ficara pequena para ele.
Depois de
reconstruir os restos dos três cadáveres da tumba 1 de Vergina, o
paleoantropólogo Juan Luis Arsuaga, codiretor da Atapuerca, não tem
dúvida de que identificou o verdadeiro cadáver do monarca, por dois
motivos. O primeiro é que as idades se encaixam quase perfeitamente.
Os
restos do homem mostram que era muito alto para os padrões da época,
1,80 metro, e que morreu na faixa dos 40 anos. Muitas fontes históricas
indicam que Filipe morreu aos 46 ou 47 anos. A mulher tem cerca de 18
anos, idade muito parecida com a de Cleópatra, a outra mulher de Filipe
(os reis macedônios eram polígamos). O menino é apenas um recém-nascido,
o que o identifica como o filho de ambos e meio irmão de Alexandre,
segundo o estudo.
Uma ferida histórica
"Só isto seria
suficiente para confirmar o que dizemos, mas há mais", explicou ontem
Arsuaga. O cadáver do homem mostra uma ferida muito visível na perna
esquerda, que encaixa com o que contaram historiadores como Justino,
Demóstenes ou Plutarco. No ano de 339 a.C., Filipe voltava para casa
depois de vários anos de guerra contra os citas, com um suculento butim
de guerra.
Ao passar pela Trácia, foi retido por uma tribo que exigiu
parte das riquezas para deixá-lo passar. O rei se negou e na batalha que
se seguiu recebeu um golpe de lança tão violento que atravessou sua
perna e matou seu cavalo. O homem da tumba 1 tem um visível buraco no
joelho esquerdo que representa uma ferida que cicatrizou colando os
ossos do fêmur e da tíbia, deixando uma perna rígida. "Era totalmente
manco, sem solução", resume Arsuaga.
Na base do crânio,
acrescenta o pesquisador, há lesões de torcicolo, provavelmente causadas
pelo caminhar vacilante do rei em seus últimos anos. Segundo as fontes
históricas, é sabido que Filipe 2º era coxo de uma perna, sem
especificar qual.
Os resultados da análise, publicados hoje em
PNAS, podem reescrever a história. Desde 1996, o conjunto funerário de
Vergina é Patrimônio da Humanidade da Unesco, em parte por conter a
suposta tumba de Filipe 2º. O único detalhe é que em todos esses anos
foi mostrada aos turistas a tumba equivocada. Na número 2, propõe a
equipe de Arsuaga, encontra-se na realidade Filipe 3º, filho do 2º e
meio irmão de Alexandre.
Segundo o estudo, que também é assinado
por Antonis Bartsiokas, da Universidade Demócrito da Trácia, e outros
três especialistas espanhóis, parte da armadura encontrada aqui pode
pertencer a Alexandre, o Grande. Na tumba 3 jaz Alexandre 4º, filho de
Alexandre. Seu pai havia morrido em um palácio da Babilônia (hoje
Iraque) em 323 a.C., de causas pouco claras. Sua tumba ainda não foi
encontrada.
O estudo aviva uma polêmica de décadas. Theodore
Antikas, chefe de antropologia das escavações de Vergina, não concorda
com os resultados da equipe de Arsuaga. O trabalho, diz ele, "se baseia
em provas insuficientes e está longe de resolver o problema", escreveu o
especialista da Universidade Aristóteles em uma carta enviada à PNAS e à
qual o "El Pais" teve acesso.
Nessa missiva, Antikas revela uma
volta inesperada nessa história. Trata-se da existência de duas caixas
de madeira cheias de ossos encontradas na tumba 1 em 1977. Foram
armazenadas no museu de Vergina e "ninguém reparou nelas" até agora.
Suas análises indicam que na tumba 1 não havia três, mas sete
indivíduos, incluindo um adolescente, três bebês e um feto não
identificado.
Poderia tratar-se de restos de saqueadores ou de cadáveres
descartados, algo já visto em outras tumbas macedônias, aponta. Além
disso, diz, sua equipe espera autorização para realizar análises de DNA
sem as quais "qualquer suposição sobre as identidades dos mortos é
prematura e pouco fiável". Por enquanto, nenhum desses dados foi
devidamente publicado.
Guerreiro até a morte
O
historiador Robin Lane Fox, da Universidade de Oxford, especialista
nesse período e defensor da teoria da tumba 2, ressalta suas dúvidas
sobre a descoberta. Para começar,"um buraco em um joelho não vai provar
nada, pois muitos outros poderiam tê-lo em um mundo de guerreiros",
explica em um e-mail. Por outro lado, pergunta, como se explica que na
tumba de um rei guerreiro não haja uma só arma de ferro, do tipo que "os
saqueadores não teriam se incomodado em roubar"?
Um terceiro problema,
já clássico, é por que os restos da tumba 1 não foram incinerados, uma
questão chave, segundo Lane Fox. A equipe de Arsuaga acrescenta que nem
sempre se cremavam os personagens ilustres, sobretudo na Macedônia
anterior a Alexandre, o Grande.
Maria Liston, antropóloga
especialista em rituais funerários na Grécia, quase não tem dúvidas de
que esses restos sejam de Filipe 2º. Também salienta que as feridas que o
cadáver apresenta não parecem as de qualquer guerreiro. Depois de
analisar em detalhe o trabalho, salienta que "a perna teve que ser
imobilizada porque a dor deve ter sido horrível", explica.
"Foi feito de
forma muito cuidadosa e pensada", ressalta. "O ângulo em que o osso
colou permitiu que o paciente andasse na ponta do pé com essa perna, e,
mais importante, continuasse montando a cavalo, o que Filipe deve ter
feito para manter sua posição de guerreiro". Liston acredita que os
autores "têm um argumento muito convincente de que este é o esqueleto de
Filipe 2º" e que o homem na tumba 2 é realmente seu filho Filipe 3º.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: UOL
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