Espécies de macacos-titis na América do Sul são agora 34, depois de uma
viagem que se iniciou nos museus, passou pela Internet e acabou na
floresta da Amazônia a ouvir as vocalizações destes primatas.
Durante três semanas, em 2013, Jan Vermeer e Julio Tello Alvarado
percorreram 144 quilômetros de trilhos e 169 quilômetros de rios no
interior do Peru.
O objetivo dos dois biólogos, da organização
não-governamental ambientalista Proyecto Mono Tocón, do Peru, era
investigar que espécies de macacos-titís existiam numa determinada
região de Ucayali, no centro do país, colada ao Brasil.
A viagem foi
proveitosa: não só a equipa identificou uma nova espécie daqueles
primatas, como encontrou outra, descoberta inicialmente em 1914, mas que
foi esquecida nas décadas seguintes. Os resultados da viagem foram
agora publicados na revista Primate Conservation.
Chamam macacos-titís às 34 espécies que hoje compõem o gênero Callicebus.
Estes pequenos primatas com longas caudas estão distribuídos por uma
vasta área da América do Sul, nas florestas da Colômbia, Equador,
Brasil, Peru, Bolívia e Paraguai.
Geralmente, estas dezenas
de espécies não estão sobrepostas a nível geográfico. Os biólogos
pensam que, em geral, os rios e as montanhas que atravessam aquele vasto
território foram, ao longo dos tempos, produzindo novas espécies.
Pequenos, geralmente monogâmicos, arbóreos, estes primatas têm nos rios
barreiras geográficas intransponíveis.
Um rio novo pode separar uma
população de uma espécie de macacos-titís em duas. Ao longo do tempo,
como as duas populações não se misturam mais, a evolução vai caminhando
em direções diferentes e acaba por produzir duas espécies distintas.
Não
há muitos estudos genéticos deste grupo de primatas. As espécies são
identificadas tradicionalmente pelas suas características anatômicas,
como a cor da pelagem nas várias regiões do corpo.
O que originou a
viagem de 2013 foi um animal recolhido em 1927, que Jan Vermeer
observou no Museu de História Natural de Nova Iorque, identificado
originalmente como sendo da espécie Callicebus brunneus.
Mas as
características daquele indivíduo eram diferentes das características
que o biólogo associava àquela espécie. Por isso, o investigador foi à
procura de mais fotografias de macacos-titís que habitassem o mesmo
local do animal recolhido em 1927, para perceber o que se passava. Para
isso, usou uma fonte de informação global.
“Enquanto os antigos
investigadores se serviam da informação que estava na literatura ou nas coleções dos museus para o seu trabalho, eu podia usar um meio de
informação mais moderno, a Internet”, explicou Jan Vermeer ao site noticioso
Mongabay, dedicado ao ambiente e à conservação.
“A Internet está cheia
de fotografias de macacos-titís, muitas vezes publicadas por turistas
que estiveram algures na selva e que querem partilhar as suas
experiências.”
As fotografias de macacos-titís que o biólogo
encontrou daquela região do Peru revelavam, de facto, animais diferentes
da espécie Callicebus brunneus.
Restava ir ao local fazer
observações diretas para deslindar este mistério. “A identificação
segura de macacos-titís observados na natureza é crucial para evitar
confusões e determinar as estratégias de conservação”, defendem os
autores no artigo.
Assim, a pé ou de canoa, os investigadores
percorreram mais de 300 quilômetros no interior da floresta da Amazônia,
na região peruana onde os rios Inuya, Urubamba e Ucayali se ligam.
“Os
macacos-titís são animais discretos, difíceis de encontrar na floresta.
Revelam a sua presença com vocalizações fortes de manhã, que servem,
provavelmente, para definir os limites dos seus territórios”, explicam
os cientistas.
“Para estimular as vocalizações dos macacos, emitimos
gravações de vocalizações de espécies de Callicebus na
esperança que eles respondessem e se aproximassem de nós. Se ouvíssemos
vocalizações de macacos-titís, tentávamos encontrá-los. Quando era
possível, filmamos e fotografamos os titís, e gravámos as suas
vocalizações.”
Ao todo, a equipa observou mais de 110
macacos-titís em 41 localidades diferentes junto dos rios. Além disso,
também recolheu amostras de pele e crânios de macacos que tinham sido
caçados.
Os macacos observados pertenciam a três espécies diferentes, de acordo com a equipe. O Callicebus discolor,
que já era conhecido. O “Callicebus toppini”, de cor avermelhada e
cauda escura, que tinha sido identificado pela primeira vez em 1914, mas
ao longo das décadas acabou erradamente por ser incluído noutra espécie
de Callicebus.
E, finalmente, os investigadores identificaram a
nova espécie “Callicebus urubambensis”, que habita as duas margens do
rio Urubamba, cujos indivíduos tinham sido incluídos na espécie
“Callicebus brunneus”: “Depois da observação na natureza, do estudo de
espécimes no museu e de uma análise da literatura científica, propomos
que estes animais representam uma espécie ainda não descrita”, lê-se no
artigo.
O Callicebus urubambensis, com o nome vulgar
macaco-tití-castanho-de-urubamba proposto pelos cientistas, tem 30
centímetros de comprimento (entre cabeça e corpo) e 40 centímetros de
cauda. Tem uma cara negra, o pêlo à volta da cara também é negro e o
resto da pelagem é acastanhada, exceto nos membros dianteiros, em que é
preta.
O Callicebus brunneus é diferente porque a cor castanha
do corpo é mais forte, os membros dianteiros são também castanhos e tem
menos pelo preto à volta da face do que o novo “Callicebus
urubambensis”.
Além disso, o habitat do Callicebus brunneus só começa já no Brasil, a mais de 600 quilômetros a leste do fim do habitat do Callicebus urubambensis.
A nova espécie não parece estar ameaçada de extinção, dizem os
cientistas, ao contrário de um terço das 30 espécies de macacos-titís
que estão na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da
Natureza (IUCN).
Fonte: Público
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