Christian Eshiett era um pré-adolescente indisciplinado que gastava muito tempo fazendo travessuras com seus amigos no sul da Nigéria. Ele faltava a escola e fugiu de casa por dias, frustrando seu avô, que cuidava do menino.
"Eu batia nele fortemente com canas até elas quebrarem, mas ele nunca derramou uma lágrima", disse Eshiett Nelson Eshiett, 76.
"Um dia, eu peguei uma vassoura para acertá-lo e ele começou a chorar. Então eu soube que ele estava possuído por demônios. ... As bruxas nigerianas ficam aterrorizadas com vassouras."
Desde esse dia, há dois anos, Christian, agora com 14 anos, ficou marcado como bruxo. O abuso intensificou.
"Eles tiraram a minha roupa, me amarraram e espancaram", ele disse à CNN em uma entrevista telefônica.
O adolescente é um dos chamados crianças bruxas de Eket, uma cidade rica em petróleo, no Estado de Akwa Ibom na Nigéria.
Eles são acusados de causar doenças, morte e destruição, instigando algumas comunidades, a puni-los para "limpa-los" de seus supostos poderes mágicos.
"As crianças acusadas de bruxaria são frequentemente encarceradas em igrejas durante semanas a fio, são espancadas, torturadas e passam fome, a fim de extrair uma confissão", disse Gary Foxcroft, diretor do programa Stepping Stones Nigéria, uma entidade sem fins lucrativos que ajuda "crianças bruxas" na região.
Muitos dos acusados têm características que os fazem sobressair, incluindo dificuldades de aprendizagem, insubordinação e doenças como a epilepsia, ele acrescentou.
A questão das "crianças bruxas" é crescente na Nigéria e em outras partes do mundo, disse Foxcroft.
Os estados de Akwa Ibom e Cross River tem cerca de 15.000 crianças marcadas como bruxas, e a maioria delas acabam abandonadas e abusadas nas ruas, disse.
Christian fugiu de casa e vagabundeou por cerca de dois anos com as outras crianças acusadas. Ele disse que eles roubaram, imploraram por comida e trabalharam em empregos desumanos para sobreviver.
A situação das "crianças bruxas" levanta preocupações entre organizações de ajuda, incluindo as Nações Unidas.
"É um problema crescente em todo o mundo, não apenas entre comunidades africanas, mas em países como o Nepal também," disse Jeff Crisp, chefe de política de desenvolvimento e avaliação para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. "Estamos vendo que é uma questão negligenciada que precisa de proteção."
A crença em feitiçaria floresce em todo o mundo. Cerca de 1.000 pessoas acusadas de serem feiticeiras na Gâmbia foram presas em centros de detenção em março e obrigadas a beber uma perigosa poção alucinógena, disse a organização de direitos humanos Anistia Internacional .
Em 2005, parentes de uma menina angolana de 8 anos, acusada de bruxaria, que vivem na Inglaterra, foram condenados por tortura, de acordo com o Times Online.
Pastores foram acusados de agravar o problema, alegando que têm poderes para reconhecer e exorcizar "crianças bruxas", às vezes em troca de uma remuneração, disseram os trabalhadores do grupo de ajuda.
Mas alguns são verdadeiros crentes, como um ministro em Lagos, na Nigéria. Ele aponta as crianças afetadas por bruxaria gratuitamente, disse ele.
"Às vezes, temos um sonho que nos mostra que uma certa pessoa está sofrendo de feitiçaria," disse o Rev. Albert Aina, um pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular.
"Às vezes, você tem uma criança que tem inexplicáveis marcas corporais devido a luta na noite. Elas são fáceis de identificar, mas por que cobrar quando se tem um dom de Deus?" disse Aina .
Quando uma criança é marcada como uma bruxa, o estigma pode durar para sempre.
Christian foi reunido com o avô, professor de teatro em uma universidade na Nigéria. Eshiett disse que deixou a criança retornar porque ele o ama e defende a educação da mocidade.
Mas, acrescentou, que Christian não foi ou possa ser libertado da bruxaria.
"Quando você está possesso, está possuído, não pode livrar-se de Satanás", disse Eshiett, acrescentando que seu neto é um bruxo, porque ele ainda exibe comportamento indisciplinado e não leva a educação a sério.
As organizações de auxílio reconhecem que a crença popular é aceitável em algumas comunidades.
"Não estamos preocupados com a crença em feitiçaria ", disse Foxcroft. "Reconhecemos o direito das pessoas a manter essa crença, na condição de que isso não conduza ao abuso infantil."
Foxcroft, cujo documentário, "Saving África's Witch Children", foi difundido no ano passado, falou a um painel da ONU sobre a questão em Abril.
Gary Foxcroft disse que está planejando uma conferência global em 2010 e campanhas de sensibilização pública, incluindo o problema em filmes nigerianos.
A indústria cinematográfica do país, batizada Nollywood, é uma forma de entretenimento popular em países Africanos.
Funcionários do governo também se juntaram à luta.
Akwa Ibom recentemente adicionou uma cláusula no Ato de Direitos da Criança, dizendo que qualquer pessoa que acusar uma criança poderá cumprir até 12 anos de prisão.
"É uma decisão é inovadora, e a Stepping Stones Nigéria aplaude o governo estadual de Akwa Ibom por isso", disse Foxcroft.
Mas, acrescentou, há mais trabalho a ser feito, e por outros grupos, principalmente igrejas, até resolver o problema.
"O papel da comunidade cristã internacional não pode ser subestimada", disse Foxcroft. "Infelizmente, a verdade é que esta crença está sendo disseminada pelos assim chamados cristãos".
Fonte: CNN
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