À frente do submarino alemão U513, submerso no litoral catarinense durante a Segunda Guerra Mundial e encontrado na semana passada, estava uma personalidade peculiar.
Uma pesquisa conduzida pelo velejador Vilfredo Schürmann, que liderou as buscas pela embarcação e fará um documentário sobre ela, trouxe novas revelações a respeito de Karl Friedrich Guggenberger.
Após conversar com o piloto de um dos hidroaviões que bombardeou o submarino e de analisar registros sobre a operação, executada pelos EUA, Schürmann prepara-se para continuar o levantamento na Alemanha, onde quer entrevistar os filhos do militar nazista.
O capitão-de-corveta Guggenberger é um exemplo de como muitos nazistas proeminentes escaparam relativamente impunes ao fim do regime.
Foi preso, mas, anos depois, reingressou na Marinha alemã, já totalmente reformulada, e até ocupou um alto cargo na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Na guerra, Guggenberger deu trabalho para os Aliados. Condecorado com a Cruz de Ferro, a maior honraria do Reich, o militar afundou 17 navios, levando 70 mil toneladas de carga para o mar. E tripudiou os americanos, facilitando a fuga de prisioneiros dos EUA para o México.
Brasil, uma área de caça do Eixo
Nascido em 1915 em Munique — poucos anos antes das cervejarias da cidade tornarem-se o primeiro palanque de Hitler —, o militar ganhou fama ao torpedear o porta-aviões britânico HMS Ark Royal, em 1941.
O golpe na poderosa Marinha britânica lhe rendeu um submarino novo para comandar e passagem para a América do Sul, onde seria uma das figuras-chaves da Batalha do Atlântico.
Tinha uma embarcação invejável para a época, com autonomia de 25 mil quilômetros, e uma boa dose de independência para decidir seus passos.
Afinal, sua missão não contava com um alvo específico — deveria atacar qualquer navio aliado que passasse entre o Rio e Buenos Aires.
Em janeiro de 1942, mesmo mês em que o U513 deixou o estaleiro, o Brasil rompeu relações com os países do Eixo.
A medida viera na esteira do bombardeio japonês a Pearl Harbor, no mês anterior. O Reich reagiu logo ao fim dos contatos diplomáticos.
Em fevereiro, torpedeou dois mercantes brasileiros que navegavam na Costa Leste dos EUA. Semanas depois, mandou, assim como a Itália, os primeiros submarinos para o litoral brasileiro.
A maioria dos navios de guerra do Eixo concentrou-se no norte do país, patrulhando entre Belém e Fernando de Noronha.
Os mares brasileiros eram, para o Almirantado nazista, uma promissora área de caça, por ser rota de passagem de suprimentos para EUA e Europa.
— Fazíamos comboios da costa nordestina até Trinidad e Tobago, na América Central — lembra o capitão de mar e guerra reformado Mauricio Möckel Paschoal, que era guarda-marinha à época da guerra. — Perdemos 33 navios em todo o conflito. Mas também contávamos com o auxílio de aviões americanos.
Em maio de 1942, poucos meses após a chegada dos submarinos, o governo brasileiro assinou um acordo de cooperação militar com os EUA.
E foram os americanos que detectaram, já no ano seguinte, a presença do submarino de Guggenberger no sul do Brasil.
O submarino nazista, entre junho e julho daquele ano, levou o terror às embarcações que passavam entre o Rio e Santa Catarina.
Abateu três navios de carga, entre eles o americano SS Richard Caswell, próximo à Laguna (SC). Guggenberger chegou a perguntar à tripulação sobrevivente como estava o Brooklyn Dodgers no campeonato nacional de beisebol. Ele fora torcedor da equipe nos sete anos em que morara no subúrbio de Nova York.
O reinado do U513 foi encerrado por dois hidroaviões americanos, deslocados do Rio.
Os aviões ancoraram na Baía de São Miguel, já em Santa Catarina, para procurar o submarino. Subiram e viram um pontinho, que, a princípio, parecia um barco de pesca. Quando conferiram com um binóculo, constataram que tratava-se do U513.
Os hidroaviões precisaram de poucos minutos para fazer uma manobra brusca, posicionar-se poucos metros acima do submarino e torpedeá-lo até que atolasse no fundo do mar, de onde só foi retirado semana passada.
Pelo menos 46 militares alemães morreram. Outros sete, que estavam na parte externa da estrutura no momento do ataque, jogaram-se no mar.
Guggenberger sobreviveu, embora tenha fraturado quatro costelas e quebrado o tornozelo. A captura de um militar tão condecorado, possibilitada por uma balsa salva-vidas jogada pelos americanos, foi motivo de comemoração.
Enviado no primeiro voo para os EUA, Guggenberger logo tornou-se mais um detento do presídio de Phoenix, no Arizona. Teria, pela frente, longos anos de prisão, não fosse sua capacidade de enganar os inimigos.
— Guggenberger e outros dois comandantes de submarinos alemães, detidos na mesma prisão, disseram aos americanos que precisavam de um aterro para fazer um campo de vôlei. Estavam, na verdade, cavando um túnel para escapar da prisão — ressalta Schürmann. — Construíram um túnel de 70 metros de comprimento e 3 metros de profundidade, sem que ninguém percebesse.
A passagem desembocava a menos de 200 quilômetros da fronteira com o México. Mesmo com a proximidade, Guggenberger decidiu esperar um momento oportuno para a fuga.
A oportunidade veio no Natal de 1944. Guggenberger teria convencido os companheiros de cela a fingir um motim.
Com os guardas ocupados, o submarinista liderou 23 prisioneiros pelo túnel. Só dois foram recapturados — Guggenberger entre eles, quando já estava no México.
— O capitão ficou no presídio até o fim da guerra — revela Schürmann. — Cursou a Escola Naval e, já na Europa, ingressou na nova Marinha alemã.
E teve uma carreira impressionante: formou-se arquiteto, trabalhou na Otan e reformou-se em 1972, já como almirante.
Em maio de 1988, aos 73 anos, Guggenberger resolveu passear pela floresta em Erlenbach am Main, na Baviera. Desapareceu. Seus ossos foram encontrados três anos depois.
A versão oficial é de que o submarinista, portador do mal de Alzheimer, se perdeu na floresta.
Sua viúva, porém, nunca acreditou nessa possibilidade. Para ela, o marido foi assassinado. Mas, até hoje, os inquéritos policiais não conseguiram confirmar a suspeita.
Submarino é tema de documentário
Schürmann, que passou dois anos procurando o U513, prepara-se para mergulhar na história de Guggenberger. Ele deve viajar à Alemanha, em busca de um contato com a família do submarinista.
— Queremos conhecer mais detalhes, principalmente sobre sua morte — antecipa o pesquisador, que incluirá o material em seu documentário sobre o U513. — Na época da guerra, dizia-se que a Alemanha dava as melhores condições de trabalho para os submarinistas, mas que isso pouco adiantava. Cerca de 60% das tripulações dessas embarcações morreram durante o confronto.
Apenas em janeiro de 1943, mesmo ano em que o U513 foi abatido, 41 submarinos do Reich foram afundados no Atlântico Sul, levando 1.336 homens para o fundo do oceano.
Estima-se que, na costa brasileira, haja 12 embarcações do Eixo naufragadas — uma italiana e as demais alemãs - a maioria no norte do país.
Fonte: Extra
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