Lady Macbeth vagando durante o sono; pintura de Henry Fuseli
Um perigo real ainda pouco compreendido.
No mês passado, psiquiatras da Stanford
University anunciaram que o sonambulismo está aumentando.
Mais de 8,4
milhões de americanos adultos – 3,6% da população americana com mais de
18 anos – têm tendência ao sonambulismo. Esse é um aumento de 2% no
número encontrado pelos mesmos autores há uma década.
E como aponta o último volume de Scientific American Mind,
um subgrupo desses andarilhos noturnos pode ser perigoso para um
fenômeno preocupante e perigoso: a violência no sono.
O sonambulismo
agressivo na população geral gira em torno de 2%, segundo pesquisas
conduzidas na América do Norte e Europa. Mas nem todos os sonâmbulos
exibem comportamento violento e o que causa a violência ainda é um
mistério.
De fato, três transtornos distintos estão associados à
violência no sono. Em transtornos de sonambulismo, a pessoa opera em um
estado mental que fica entre o sono e o despertar, executando
comportamentos complexos sem consciência evidente.
Em comparação,
pessoas com epilepsia noturna do lobo frontal experimentam ações
inadvertidamente violentas, repetitivas e breves, como correr ou chutar,
que precedem uma convulsão.
Um terceiro problema, o distúrbio
comportamental do sono REM (sigla em inglês para “movimento rápido dos
olhos”) ocorre quando os centros de movimento no tronco cerebral – que
criam paralisia durante o sono profundo – se deterioram, geralmente
devido a uma doença do sistema nervoso como Parkinson.
Sem essa
paralisia, o corpo fica livre para se mover e agir como se estivesse no
sonho, causando ferimentos acidentais tanto a quem dorme quanto a quem
divide a cama.
Em 2000 Eric Olson, do Centro Mayo de Distúrbios do Sono,
revisou os registros de 93 pacientes com o distúrbio comportamental do
sono REM e descobriu que 64% haviam atacado seus cônjuges e 32% haviam
se machucado durante o sono.
Como várias doenças podem estar por
trás da violência no sono, investigar os incidentes é compreensivelmente
difícil.
Michael Cramer Bornemann, especialista em sono do Centro
Regional de Distúrbios do Sono de Minnesota, e seus colegas do Sleep
Forensics Associates já lidaram com mais de 200 casos forenses
relacionados a distúrbios do sono, geralmente a pedido da lei.
Desses
casos, apenas os de sonambulismo foram associados a comportamentos
criminosos. Ele estima que cerca de um terço dos casos que os associados
forenses encontram envolvem sedativos, como o Ambien, que podem
aumentar o risco de transtornos de sonambulismo.
Em um estado que fica
entre o despertar e o sono essas pessoas podem caminhar por aí, comer,
ou até dirigir enquanto adormecidos.
Porém, mesmo sendo possível avaliar
a probabilidade de alguém ter distúrbios de sono, decidir se aquela
pessoa estava acordada ou dormindo durante um incidente específico é
outra história.
Em 1997, Scott Falater, do estado do Arizona,
esfaqueou repetidamente sua mulher e a empurrou na piscina do casal.
Quando a polícia – acionada por um vizinho – chegou, Falater parecia
inconsciente do que havia acontecido com sua mulher. Ele alegou estar
adormecido durante o incidente.
Em 2004, a psicóloga Rosalind
Cartwright – consultada pela defesa de Falater – escreveu um relatório
do caso, fazendo um paralelo com um assassinato por sonambulismo no
Canadá. Nos dois casos o assassino não tinha motivo aparente e era
conhecido por ter uma relação positiva com a vítima. Os dois homens
alegaram não se lembrar do ataque.
Cartwright adiciona que essas pessoas estavam passando por intenso estresse pessoal e privação de sono na época do ataque, o que aumenta o risco de distúrbios do sono. Falater estava tomando pílulas de cafeína pela primeira vez em muitos anos.
Cartwright observou que a adição desse estimulante à sua rotina diária
pode ter aumentado ainda mais o risco de ter o sono interrompido. Os
julgamentos, porém, tiveram resultados muito diferentes.
Enquanto o caso
do Canadá acabou em absolvição, os jurados ficaram céticos em relação à
história de sonambulismo de Falater. Ele foi considerado culpado de
homicídio e condenado à prisão perpétua.
Como Cartwright aponta
no relatório, não existe teste único para diagnosticar transtornos do
sono com certeza. Ela conduziu uma bateria de testes psicológicos e
quatro noites de estudos antes de testemunhar que um distúrbio do sono poderia
estar envolvido no caso de Falater.
Mesmo assim, é praticamente
impossível – e eticamente problemático – reconstruir as circunstâncias
de uma dada noite ou obrigar um paciente a caminhar ou falar durante o
sono.
Cramer-Borneman adiciona que a violência no sono apresenta
desafios importantes para o sistema legal. Apesar de o sistema atual
reconhecer apenas a mens rea, uma mente culpada é requisito
para um ato culposo – talvez a compreensão tudo-ou-nada da mente seja
inapropriada.
Em vez disso, a violência no sono pode ser melhor
explicada em termos de níveis de consciência, despertar, autocontrole e
sono.
No momento, a possibilidade de vagar como Lady Macbeth, com
olhos abertos “mas sentidos fechados” permanece uma realidade
assombrosa: um vislumbre dos muitos mistérios que o cérebro adormecido
ainda guarda.
Fonte: Scientific American
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