Depois de consumada a conquista da Gália, o poderio romano vira-se para a
Bretanha. Relatos de sacrifícios humanos e canibalismo por parte dos
druidas bretões agitavam os romanos.
Durante quase dois milênios
pensou-se que fosse apenas propaganda romana, mas descobertas recentes
podem indicar o contrário. Este é o mistério da caverna de Alveston.
Depois da conquista da Gália, Roma está decidida de uma vez por todas
a conquistar o último e maior bastião Celta. Em 43 dC, Cláudio lança
uma força avassaladora de 4 legiões contra os celtas bretões.
A este
juntavam-se algumas centenas de “recrutados” entre os bretões da Gália, a
quem era dada a escolha de lutar por Roma ou morrer por Roma.
Esta força avassaladora destruiu todos os que se atreveram a
atravessar-se no seu caminho. Em pouco tempo, ganharam o controle no
sudoeste da Bretanha, e aí, mais uma vez, estabeleceram alianças com
tribos locais.
Os grandes problemas dos romanos eram o Norte, o Oeste e
Gales, onde não conseguiam furar a resistência feroz. Mais uma vez, os
druidas eram vistos como o principal inimigo: se os chefes tribais eram
os cérebros da luta, os druidas eram a sua alma.
A função dos druidas nesta altura de resistência era sobretudo
encorajar os chefes tribais a lutar e a resistir, mas tinham também de
realizar os rituais tribais. Estes rituais eram tidos como a sua arma
mais forte, pois era através dele que os deuses os abençoariam.
A dificuldade de conseguirem uma vitória rápida na Gália fez com que
as velhas histórias dos rituais de mortes humanas ressurgissem no
imaginário romano.
Depois do Caso de Lindow-Man, a evidência mais forte
deste tipo de rituais, surge também o caso de uma caverna em Alveston,
Inglaterra.
Aqui, no ano 2000, foram encontrados esqueletos pertencentes a cerca
de 150 pessoas que remontam à data da conquista romana da Bretanha.
Segundo Mark Horton, um arqueólogo da Universidade de Bristol, a pilha
de corpos achados nesta caverna sugere-nos uma resistência feroz contra
os romanos, tanto no campo de batalha como através do ritual de
morte.
"Talvez tudo isto seja um sacrifício gigantesco, uma forma de
apaziguar os deuses , e conseguir uma vitória final contra os romanos",
diz o dr. Horton.
Na mente de Cláudio, o que estava no caminho da conquista da
Bretanha, o principal foco a atacar, era o druidismo.
Os druidas eram
considerados como fonte espiritual e orientadores sociais. Uma vez
derrotados, também o elemento moral e espiritual dos celtas bretões
sairia vulnerável.
Mas quem seriam estas 150 pessoas e de que forma morreram e foram
parar àquela caverna? A datação de carbono sugere que morreram dentro de
um curto período de tempo - tudo indica que num único evento - e no
período que compreende a invasão romana da Bretanha, mas as análises
forenses mostram também que as mortes foram bastante violentas.
É interessante verificar que foram encontrados inúmeros ossos de cães
juntamente com os ossos humanos, o que pode significar que não foi um
massacre, mas um sacrifício humano e animal.
Os celtas bretões adoravam
um deus associado aos cães de caça, Noddens, deus esse que os romanos
mais tarde absorveriam para o seu panteão.
Os sacrifícios provavelmente
teriam sido oferecidos a Noddens, muitas vezes representado com a figura
canina. Seria esta uma resposta direta à chegada dos romanos? Seria um
ato de desespero final, uma última investida para que os deuses os
protegessem?
Em número de soldados e de armamento os celtas não se equiparavam aos
romanos. Talvez os druidas tenham estado à frente deste sacrifício,
talvez esta centena e meia pudesse salvar os restantes celtas bretões.
Os pesquisadores e arqueólogos afirmam que podem ter sido os druidas a
matar as vítimas, como sugerem as evidências de crânios rachados e
golpeados neste único evento. É provável que a invasão romana, em si
mesma, tenha feito escalar o abate ritualizado por parte dos druidas.
Os ossos na caverna de Alveston parecem sugerir algo ainda mais
sinistro: rituais de canibalismo. O historiador Plínio, o Velho, aquando
das primeiras invasões romanas, tinha já sugerido que os celtas
praticavam rituais não apenas de morte humana, mas também de
canibalismo. Plínio afirmava que comer carne de seus inimigos seria para
os celtas uma fonte de força espiritual e física.
Um fémur humano encontrado na caverna tinha sido partido com o mesmo
método que é usado para chegar à medula óssea nutritiva dos animais
não-humanos.
Por que motivo fariam os druidas isto? Se fosse um osso
animal, seria por certo para comer a medula. Sendo o osso de um humano,
fica a dúvida no ar.
Mas se o osso é uma prova do canibalismo, esta é
uma prática que foi extremamente rara. Pode ser uma evidência brutal do
aumento da fome, e também do desespero por parte dos Celtas, uma vez
que estavam cercados pelos invasores romanos.
Este tipo de resposta ritual é extremo, mas de certa forma é comum
quando as sociedades enfrentam um possível extermínio ou graves crises
de fome.
Esta prática tende a tornar-se um pouco mais habitual quando se
verificam invasões agressivas entre povos diferentes (alguns estudos
remetem o canibalismo de algumas tribos do Pacifico à ideia de
adquirirem a força dos seus inimigos).
Fosse pela falta de comida ou
simplesmente por crença religiosa, a verdade é que no final de dez anos
de guerra e cerco os celtas estavam a ser esmagados por toda a Bretanha.
Os romanos traziam não só o poder e o colonialismo, mas também novos
materiais religiosos.
Estes novos materiais significariam por certo o
desaparecimento dos druidas e consequentemente da sua religião - daí os
druidas assumirem um papel tão importante neste conflito, já que esta
era também uma guerra religiosa.
No cerco final a Anglesy, a ilha sagrada, os druidas e os celtas
preparam-se para criar um muro de resistência contra os romanos.
Tácito
descreve-nos a cena: ”em terra encontrava-se o exército inimigo, os
homens com tochas a arder e armas nas mãos. Os druidas com mãos
levantadas aos céus pedem numa língua estranha o apoio divino, mas os
celtas são massacrados a golpe de espada”.
As tochas que os guerreiros
celtas usavam foram as mesmas que os romanos usaram para queimar os
corpos e acampamentos.
Era chegada a hora da destruição final. Depois de
avançarem para o interior dos bosques sagrados de Anglesy e eliminarem
os druidas, os romanos ocuparam a Bretanha durante cerca de 400 anos.
Para os romanos, os rituais de sangue foram o mote para a invasão,
mas na realidade o que eles testemunharam foi em parte uma reação à
própria invasão.
Os celtas estavam a ser ameaçados, a sua existência
cultural iria desaparecer, como tinha acontecido com os seus irmãos da
Gália.
Desaparecendo os druidas, os romanos venceriam a barbárie e uma
cultura milenar seria apagada com o sangue do seu próprio povo.
Durante estes dois milênios desde a conquista da Bretanha pelos
romanos, sempre houve a suspeita de que aquilo que os romanos diziam
sobre os celtas, e em especial sobre os druidas, era apenas uma
propaganda de atrocidades.
Mas as descobertas recentes, como o Lindow
Man ou os corpos de Alveston, sugerem que estes escuros e sangrentos
acontecimentos, mesmo não sendo a norma, eram usados como medida extrema
de luta.
Se o Lindow Man e outros foram de fato sacrificados numa
tentativa de parar os romanos, as suas vidas foram perdidas em vão.
No
início da era cristã, os celtas estavam derrotados e a sua cultura tinha
sido absorvida pelo poderoso Império Romano.
Hoje, a cultura celta
ainda sobrevive em parte, principalmente nas línguas tradicionais da
Irlanda, País de Gales e Bretanha (França).
Fonte: Obvious
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