quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Direto do México pré-histórico, uma lição sobre a unidade humana



Separados por desertos, cordilheiras e selvas, adaptando-se a ambientes diferentes e com pouco contato entre grupos, os habitantes ancestrais do que hoje é o México abriram, sem saber, uma janela para o processo que transformou os humanos em uma espécie biológica e culturalmente variada. 


Apesar da própria Constituição do México reconhecer que o país tem uma composição pluricultural sustentada em seus povos indígenas, esta diversidade ficou oculta ou menosprezada no discurso oficial sobre estas comunidades, que têm tendência a apresentar como um bloco monolítico.


O Conselho Nacional para Prevenir a Discriminação destaca entre as causas desta ocultação a narrativa do "mito do mestiço", que propunha o surgimento de uma identidade nacional que integra os diferentes componentes da população mexicana.


Em seu reporte de 2012 sobre a discriminação no país, o Conselho assinala que foi o filósofo José Vasconcelos "quem melhor definiu esta narrativa em seu livro 'A Raça Cósmica', resultado da assimilação que haveria se as diversas origens coincidentes no México e América Latina se juntassem para colocar o mestiço como unidade principal".


"Nem a raça cósmica e nem a propaganda governamental a favor do mito do mestiço conseguiram apagar a natureza pluricultural e pluriétnica do país. Vasconcelos se equivocou: hoje no México há muitas raças - não uma só - e todas elas falam através de uma vasta plêiade de espíritos; em plural e não em singular", sentencia categórico o documento.


Paradoxalmente, tanto o argumento da homogeneização através da mestiçagem como o que reivindica a diversidade foram usados contra as posições racistas, um assinalando que é impossível estabelecer fronteiras entre raças por conta da estreita relação entre as diferentes povoações humanas e outro destacando a contribuição de cada grupo para a cultura universal.


A análise mais completa e detalhada da diversidade genética no México, publicada recentemente na revista "Science", aborda diretamente o núcleo desta aparente contradição.


Uma equipe internacional de pesquisadores estudou a variação genômica existente no México a partir de amostras tiradas de mais de mil indivíduos que representavam 20 povoações indígenas e 11 mestiças. Os achados foram surpreendentes.


De acordo com o estudo, "existe um alto grau de diferenciação entre as povoações indígenas, particularmente as mais isoladas", disse à Agência Efe o antropólogo físico Víctor Acuña-Alonzo, da Escola Nacional de Antropologia e História, um dos autores da pesquisa.


A maior divergência foi encontrada entre os membros da etnia Seri, no noroeste do país, e os Lacandones no sudeste, que mostraram um grau de diferenciação maior do que os exibidos pelas povoações europeia e chinesa.


Os mais de 500 anos transcorridos desde a chegada dos espanhóis introduziram novas fontes de variabilidade, principalmente a africana, mas também de outras regiões do mundo.


"É importante pensar na mestiçagem como um processo dinâmico ou vigente, e que existiu sempre que as povoações humanas estiveram em processos contínuos de fluxo genético", assinalou Acuña-Alonzo.


"Em outras palavras, não podemos pensar que a composição genética das povoações do México é um processo acabado que resultou do encontro de indígenas, espanhóis e africanos durante a Colônia", acrescentou.


Tudo isso parece apoiar o argumento da diversidade contra o da homogeneização no debate racial, mas na realidade trata-se de uma falsa dicotomia, pois ambos se complementam mutuamente.


O pesquisador destacou que "apesar dos grupos indígenas atuais apresentarem diferenciação genética, quando analisamos milhares de marcadores genéticos, nenhuma população esteve na realidade totalmente isolada, e os dados arqueológicos, linguísticos e históricos provam isso".


Apesar de tudo, o fenômeno observado no México não é mais do que um reflexo do que ocorre no mundo todo, onde a grande quantidade de variáveis genéticas acumuladas nos cerca de 200 mil anos transcorridos desde o nascimento de nossa espécie, Homo sapiens, representam uma diferenciação de apenas 0,1%.


"É evidente que o padrão de variação genética nas povoações humanas não concorda com os conceitos convencionais de raça", assinalou Acuña-Alonzo.


Aparentemente Vasconcelos não estava tão errado assim, talvez só faltava conhecer um pouco de biologia moderna. 
 
 
 
 
 
Fonte: Yahoo!

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